Portugiesisches Zivilgesetzbuch

Erlassen per Gesetzesdekret Nr. 47 344 vom 25. November 1966, zuletzt geändert durch Gesetz Nr. 13/2019 vom 12. Feburar.

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Índice

LEGENDA

Texto inicial ou de redações anteriores.

Texto alterado.

Texto republicado.

CÓDIGO CIVIL

Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 67/75, de 19 de Fevereiro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 201/75, de 15 de Abril

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 261/75, de 27 de Maio, retificado pela Declaração de Retificação de 21 de Junho de 1975 e pela Declaração de Retificação de 1 de Julho de 1975

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 561/76, de 17 de Julho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 605/76, de 24 de Julho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 293/77, de 20 de Julho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de Junho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 236/80, 18 de Julho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 328/81, de 4 de Dezembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 262/83, de 16 de Junho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 225/84, de 6 de Julho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 190/85, de 24 de Junho, por sua vez alterado pelo Decreto-Lei n.º 381-B/85, de 28 de Setembro

Alterado pela Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 381-B/85, de 28 de Setembro, retificado pela Declaração de Retificação de 31 de Outubro de 1975

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, retificado pela Declaração de Rectificação de 31 de Dezembro 1986

Alterado pela Lei n.º 24/89, de 1 de Agosto

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 257/91, de 18 de Julho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, retificada pela Declaração de Rectificação n.º 103/93, de 30 de Junho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro, retificada pela Declaração de Rectificação n.º 263-A/94, de 31 de Dezembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 163/95, de 13 de Julho

Alterado pela Lei n.º 84/95, de 31 de Agosto

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 14/96, de 6 de Março

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 68/96,de 31 de Maio

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 35/97, de 31 de Janeiro, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 5-C/97, de 28 de Fevereiro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 11-C/98, de 30 de Junho

Alterado pela Lei n.º 21/98, de 12 de Maio

Alterado pela Lei n.º 47/98, de 10 de Agosto

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 343/98, de 6 de Novembro, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 3-D/99, de 30 de Janeiro

Alterado pela Lei n.º 59/99, de 30 de Junho

Alterado pela Lei n.º 16/2001, de 22 de Junho

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 20-AR/2001, de 30 de Novembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 273/2001, de 13 de Outubro, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 20-AS/2001, de 30 de Novembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 5-C/2003, de 30 de Abril

Alterado pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 16-B/2003, de 31 de Outubro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 59/2004, de 19 de Março

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 24/2006, de 17 de Abril

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho

Alterado pela Lei n.º 40/2007, de 24 de Agosto

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de Setembro

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 116/2008,de 4 de Julho

Alterado pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro

Alterado pela Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril

Alterado pelo Decreto-Lei n.º 100/2009, de 11 de Maio, retificado pela Declaração de Rectificação n.º 34/2009, de 19 de Maio

Alterada pela Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho

Alterado pela Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro

Alterado pela Lei n.º 9/2010, de 31 de Maio

Alterado pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto

Alterado pela Lei n.º 24/2012, de 9 de julho

Alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, retificado pela Declaração de Retificação n.º 59-A/2012

Alterado pela Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto

Alterado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março

Alterado pela Lei n.º 79/2014, de 19 de dezembro

Alterado pela Lei n.º 82/2014, de 30 de dezembro

Alterado pela Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto

Alterado pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro

Alterado pela Lei n.º 137/2015, de 7 de setembro

Alterado pela Lei n.º 143/2015, de 8 de setembro

Alterado pela Lei n.º 5/2017, de 2 de março

Alterado pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março

Aditado pela Lei n.º 24/2017, de 24 de maio

Alterado pela Lei n.º 43/2017, de 14 de junho

Alterado pela Lei n.º 48/2018, de 14 de agosto

Alterado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto

Alterado pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro

Alterado pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro

LIVRO I — PARTE GERAL

TÍTULO I — Das leis, sua interpretação e aplicação

CAPÍTULO I — Fontes do direito

ARTIGO 1.º

(Fontes imediatas)

1. São fontes imediatas do direito as leis e as normas corporativas.

2. Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes; são normas corporativas as regras ditadas pelos organismos representativos das diferentes categorias morais, culturais, económicas ou profissionais, no domínio das suas atribuições, bem como os respectivos estatutos e regulamentos internos.

3. As normas corporativas não podem contrariar as disposições legais de carácter imperativo.

ARTIGO 2.º
revogado
ARTIGO 3.º

(Valor jurídico dos usos)

1. Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine.

2. As normas corporativas prevalecem sobre os usos.

ARTIGO 4.º

(Valor da equidade)

Os tribunais só podem resolver segundo a equidade:

a) Quando haja disposição legal que o permita;

b) Quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível;

c) Quando as partes tenham prèviamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis à cláusula compromissória.

CAPÍTULO II — Vigência, interpretação e aplicação das leis

ARTIGO 5.º

(Começo da vigência da lei)

1. A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.

2. Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na, falta de fixação, o que for determinado em legislação especial.

ARTIGO 6.º

(Ignorância ou má interpretação da lei)

A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas.

ARTIGO 7.º

(Cessação da vigência da lei)

1. Quando se não destine a ter vigência temporária, a lei só deixa de vigorar se for revogada por outra lei.

2. A revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da, lei anterior.

3. A lei, geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.

4. A revogação da lei revogatória não importa o renascimento da lei que esta revogara.

ARTIGO 8.º

(Obrigação de julgar e dever de obediência à lei)

1. O tribunal não pode abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio.

2. O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.

3. Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.

ARTIGO 9.º

(Interpretação da lei)

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídica, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

ARTIGO 10.º

(Integração das lacunas da lei)

1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.

3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

ARTIGO 11.º

(Normas excepcionais)

As normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva.

ARTIGO 12.º

(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)

1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

ARTIGO 13.º

(Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas)

1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.

2. A desistência e a confissão não homologadas pelo tribunal podem ser revogadas pelo desistente ou confitente a quem a lei interpretativa for favorável.

CAPÍTULO III — Direitos dos estrangeiros e conflitos de leis

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 14.º

(Condição jurídica dos estrangeiros)

1. Os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos civis, salvo disposição legal em contrário.

2. Não são, porém, reconhecidos aos estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado aos seus nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de circunstâncias.

ARTIGO 15.º

(Qualificações)

A competência atribuída a uma lei abrange sòmente as normas que, pelo seu conteúdo e, pela função que têm nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.

ARTIGO 16.º

(Referência à lei estrangeira. Princípio geral)

A referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário, a aplicação do direito interno dessa lei.

ARTIGO 17.º

(Reenvio para a lei de um terceiro Estado)

1. Se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra legislação e esta se considerar competente para regular o caso, é o direito interno desta legislação que deve ser aplicado.

2. Cessa o disposto no número anterior, se a lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado residir habitualmente em território português ou em país cujas normas de conflitos considerem competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade.

3. Ficam, todavia, ùnicamente sujeitos à regra do n.º 1 os casos da tutela e curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e adoptado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma de conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar competente.

ARTIGO 18.º

(Reenvio para a lei portuguesa)

1. Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de conflitos devolver para o direito interno português, é este o direito aplicável.

2. Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa só é aplicável se o interessado tiver em território português a sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar igualmente competente o direito interno português.

ARTIGO 19.º

(Casos em que não é admitido o reenvio)

1. Cessa o disposto nos dois artigos anteriores, quando da aplicação deles resulte a invalidada ou ineficácia de um negócio jurídico que seria válido ou eficaz segundo a regra fixada no artigo 16.º, ou a ilegitimidade de um estado que de outra modo seria legítimo.

2. Cessa igualmente o disposto nos mesmos artigos, se a lei estrangeira tiver sido designada pelos interessados, nos casos em que a designação é permitida.

ARTIGO 20.º

(Ordenamentos jurídicos plurilegislativos)

1. Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for competente a lei de um Estado em que coexistam diferentes sistemas legislativos locais, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema aplicável.

2. Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao direito internacional privado do mesmo Estado; e, se este não bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua residência habitual.

3. Se a legislação competente constituir uma ordem jurídica territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos sistemas de normas para diferentes categorias de pessoas, observar-se-á sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de sistemas.

ARTIGO 21.º

(Fraude à lei)

Na aplicação das normas de conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.

ARTIGO 22.º

(Ordem pública)

1. Não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português.

2. São aplicáveis, neste caso, as normas mais apropriadas da legislação estrangeira competente ou, subsidiàriamente, as regras do direito interno português.

ARTIGO 23.º

(Interpretação e averiguação do direito estrangeiro)

1. A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo, com as regras interpretativas nele fixadas.

2. Na impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável, recorrer-se-á à lei que for subsidiàriamente competente, devendo adoptar-se igual procedimento sempre que não for possível determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a designação da lei aplicável.

ARTIGO 24.º

(Actos realizados a bordo)

1. Aos actos realizados a bordo de navios ou aeronaves, fora dos portos ou aeródromos, é aplicável a lei do lugar da respectiva matrícula, sempre que for competente a lei territorial.

2. Os navios e aeronaves militares consideram-se como parte do território do Estado a que pertencem.

SECÇÃO II — Normas de conflitos

SUBSECÇÃO I — Âmbito e determinação da lei pessoal

ARTIGO 25.º

(Âmbito da lei pessoal)

O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei pessoal dos respectivos sujeitos, salvas as restrições estabelecidas na presente secção.

ARTIGO 26.º

(Início e termo da personalidade jurídica)

1. O início e termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela lei pessoal de cada indivíduo.

2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa e estas tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis forem inconciliáveis, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º

ARTIGO 27.º

(Direitos de personalidade)

1. Aos direitos de personalidade, no que respeita á sua existência e tutela e às restrições impostas ao seu exercício, é também aplicável a lei pessoal.

2. O estrangeiro ou apátrida não goza, porém, de qualquer forma de tutela jurídica que não seja reconhecida na lei portuguesa.

ARTIGO 28.º

(Desvios quanto às consequências da incapacidade)

1. O negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de, a lei interna portuguesa, se fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz.

2. Esta excepção cessa, quando a outra parte tinha conhecimento da incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral, pertencer ao domínio do direito da família ou das sucessões ou respeitar à disposição de imóveis situados no estrangeiro.

3. Se o negócio jurídico for celebrada pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos números anteriores.

ARTIGO 29.º

(Maioridade)

A mudança da lei pessoal não prejudica a maioridade adquirida segundo a lei pessoal anterior.

ARTIGO 30.º

(Tutela e institutos análogos)

À tutela e institutos análogos de protecção aos incapazes é aplicável a lei pessoal do incapaz.

ARTIGO 31.º

(Determinação da lei pessoal)

1. A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo.

2. São, porém, reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se considere competente.

ARTIGO 32.º

(Apátridas)

1 — A lei pessoal do apátrida é a do lugar onde ele tiver a sua residência habitual.

2 — A lei pessoal do apátrida é, porém, a do seu domicílio legal quando o apátrida seja menor ou quando seja maior acompanhado com domicílio legal determinado por sentença.

3 — Na falta de residência habitual, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 82.º

ARTIGO 33.º

(Pessoas colectivas)

1. A pessoa colectiva tem como lei pessoal a lei do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração.

2. À lei pessoal compete especialmente regular: a capacidade da pessoa colectiva; a constituição, funcionamento e competência dos seus órgãos; os modos de aquisição e perda da qualidade de associado e os correspondentes direitos e deveres; a responsabilidade da pessoa colectiva, bem como a dos respectivos órgãos e membros, perante terceiros; a transformação, dissolução e extinção da pessoa colectiva.

3. A transferência, de um Estado para outro, da sede da pessoa colectiva não extingue a personalidade jurídica desta, se nisso convierem as leis de uma e outra sede.

4. A fusão de entidades com lei pessoal diferente é apreciada em face de ambas as leis pessoais.

ARTIGO 34.º

(Pessoas colectivas internacionais)

A lei pessoal das pessoas colectivas internacionais é a designada na convenção que as criou ou nos respectivos estatutos e, na falta de designação, a do país onde estiver a sede principal.

SUBSECÇÃO II — Lei reguladora dos negócios jurídicos

ARTIGO 35.º

(Declaração negocial)

1. A perfeição, interpretação e integração da declaração negocial são reguladas pela lei aplicável à substância do negócio, a qual é igualmente aplicável à falta e vícios da vontade.

2. O valor de um comportamento como declaração negocial é determinado pela lei da residência habitual comum do declarante e do destinatário e, na falta desta, pela lei do lugar onde o comportamento se verificou.

3. O valor do silêncio como meio declaratório é igualmente determinado pela lei da residência habitual comum e, na falta desta, pela lei do lugar onde a proposta foi recebida.

ARTIGO 36.º

(Forma da declaração)

1. A forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio; é, porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no estrangeiro.

2. A declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior.

ARTIGO 37.º

(Representação legal)

A representação legal está sujeita à lei reguladora da relação jurídica de que nasce o poder representativo.

ARTIGO 38.º

(Representação orgânica)

A representação da pessoa colectiva por intermédio dos seus órgãos é regulada pela respectiva lei pessoal.

ARTIGO 39.º

(Representação voluntária)

1. A representação voluntária é regulada, quanto à existência, extensão, modificação, efeitos e extinção dos poderes representativos, pela lei do Estado em que os poderes são exercidos.

2. Porém, se o representante exercer os poderes representativos em país diferente daquele que o representado indicou e o facto for conhecido do terceiro com quem contrate, é aplicável a lei do país da residência habitual do representado.

3. Se o representante exercer profissionalmente a representação e o facto for conhecido do terceiro contratante, é aplicável a lei do domicílio profissional.

4. Quando a representação se refira à disposição ou administração de bens imóveis, é aplicável a lei do país da situação desses bens.

ARTIGO 40.º

(Prescrição e caducidade)

A prescrição e a caducidade são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se refere.

SUBSECÇÃO III — Lei reguladora das obrigações

ARTIGO 41.º

(Obrigações provenientes de negócios jurídicos)

1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista.

2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional privado.

ARTIGO 42.º

(Critério supletivo)

1. Na falta de determinação da lei competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais, à lei da residência habitual do declarante e, nos contratos, à lei da residência habitual comum das partes.

2. Na falta de residência comum, é aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do lugar da celebração.

ARTIGO 43.º

(Gestão de negócios)

À gestão de negócios é aplicável a lei do lugar em que decorre a principal actividade do gestor.

ARTIGO 44.º

(Enriquecimento sem causa)

O enriquecimento sem causa é regulado pela lei com base na qual se verificou a transferência do valor patrimonial a favor do enriquecido.

ARTIGO 45.º

(Responsabilidade extracontratual)

1. A responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito, quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido.

2. Se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo considerar responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência do seu acto ou omissão.

3. Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas.

SUBSECÇÃO IV — Lei reguladora das coisas

ARTIGO 46.º

(Direitos reais)

1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas.

2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em trânsito, são estas havidas como situadas no país do destino.

3. A constituição e transferência de direitos sobre os meios de transporte submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada.

ARTIGO 47.º

(Capacidade para constituir direitos reais

sobre coisas imóveis ou dispor deles)

É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal.

ARTIGO 48.º

(Propriedade intelectual)

1. Os direitos de autor são regulados pela lei do lugar da primeira publicação da obra e, não estando esta publicada, pela lei pessoal do autor, sem prejuízo do disposto em legislação especial.

2. A propriedade industrial é regulada pela lei do país da sua criação.

SUBSECÇÃO V — Lei reguladora das relações de família

ARTIGO 49.º

(Capacidade para contrair casamento ou celebrar

convenções antenupciais)

A capacidade para contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei pessoal, à qual compete ainda definir o regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes.

ARTIGO 50.º

(Forma do casamento)

A forma do casamento é regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado, salvo o disposto no artigo seguinte.

ARTIGO 51.º

(Desvios)

1 — O casamento de dois estrangeiros em Portugal pode ser celebrado segundo a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes, perante os respectivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual competência seja reconhecida por essa lei aos agentes diplomáticos e consulares portugueses.

2 — O casamento no estrangeiro de dois portugueses ou de português e estrangeiro pode ser celebrado perante o agente diplomático ou consular do Estado Português ou perante os ministros do culto católico.

3 — Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o casamento deve ser precedido do processo respectivo, organizado pela entidade competente, excepto se for dispensado nos termos do artigo 1599.º

4 — O casamento no estrangeiro de dois portugueses ou de português e estrangeiro, em harmonia com as leis canónicas, é havido como casamento católico, seja qual for a forma legal da celebração do acto segundo a lei local, e à sua transcrição servirá de base o assento do registo paroquial.

ARTIGO 52.º

(Relações entre os cônjuges)

1. Salvo o disposto no artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum.

2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira residência conjugal.

ARTIGO 53.º

(Convenções antenupciais e regime de bens)

1. A substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens, legal ou convencional, são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.

2. Não tendo os nubentes a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum à data do casamento e, se esta faltar também, a lei da primeira residência conjugal.

3. Se for estrangeira a lei aplicável e um dos nubentes tiver a sua residência habitual em território português, pode ser convencionado um dos regimes admitidos neste código.

ARTIGO 54.º

(Modificações do regime de bens)

1. Aos cônjuges é permitido modificar o regime de bens, legal ou convencional, se a tal forem autorizados pela lei competente nos termos do artigo 52.º

2. A nova convenção em caso nenhum terá efeito retroactivo em prejuízo de terceiro.

ARTIGO 55.º

(Separação judicial de pessoas e bens e divórcio)

1. À separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio é aplicável o disposto no artigo 52.º

2. Se, porém, na constância do matrimónio houver mudança da lei competente, só pode fundamentar a separação ou o divórcio algum facto relevante ao tempo da sua verificação.

ARTIGO 56.º

(Constituição da filiação)

1. À constituição da filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação.

2. Tratando-se de filho de mulher casada, a constituição da filiação relativamente ao pai é regulada pela lei nacional comum da mãe e do marido; na falta desta, é aplicável a lei da residência habitual comum dos cônjuges e, se esta também faltar, a lei pessoal do filho.

3. Para os efeitos do número anterior, atender-se-á ao momento do nascimento do filho ou ao momento da dissolução do casamento, se for anterior ao nascimento.

ARTIGO 57.º

(Relações entre pais e filhos)

1. As relações entre pais e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais e, na falta desta, pela lei da sua residência habitual comum; se os pais residirem habitualmente em Estados diferentes, é aplicável a lei pessoal do filho.

2. Se a filiação apenas se achar estabelecida relativamente a um dos progenitores, aplica-se a lei pessoal deste; se um dos progenitores tiver falecido, é competente a lei pessoal do sobrevivo.

ARTIGO 58.º
revogado
ARTIGO 59.º
revogado
ARTIGO 60.º

(Filiação adoptiva)

1. À constituição da filiação adoptiva é aplicável a lei pessoal do adoptante, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2. Se a adopção for realizada por marido e mulher ou o adoptando for filho do cônjuge do adoptante, é competente a lei nacional comum dos cônjuges e, na falta desta, a lei da sua residência habitual comum; se também esta faltar, será aplicável a lei do país com o qual a vida familiar dos adoptantes se ache mais estreitamente conexa.

3. As relações entre adoptante e adoptado, e entre este e a família de origem, estão sujeitas à lei pessoal do adoptante; no caso previsto no número anterior é aplicável o disposto no artigo 57.º

4. Se a lei competente para regular as relações entre o adoptando e os seus progenitores não conhecer o instituto da adopção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do adoptando, a adopção não é permitida.

ARTIGO 61.º

(Requisitos especiais da perfilhação ou adopção)

1. Se, como requisito da perfilhação ou adopção, a lei pessoal do perfilhando ou adoptando exigir o consentimento deste, será a exigência respeitada.

2. Será igualmente respeitada a exigência do consentimento de terceiro a quem o interessado esteja ligado por qualquer relação jurídica de natureza familiar ou tutelar, se provier da lei reguladora desta relação.

SUBSECÇÃO VI — Lei reguladora das sucessões

ARTIGO 62.º

(Lei competente)

A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário.

ARTIGO 63.º

(Capacidade de disposição)

1. A capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte, bem como as exigências de forma especial das disposições por virtude da idade do disponente, são reguladas pela lei pessoal do autor ao tempo da declaração.

2. Aquele que, depois de ter feito a disposição, adquirir nova lei pessoal conserva a capacidade necessária para revogar a disposição nos termos da lei anterior.

ARTIGO 64.º

(Interpretação das disposições ;falta e vícios da vontade)

É a lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração que regula:

a) A interpretação das respectivas cláusulas e disposições, salvo se houver referência expressa ou implícita a outra lei;

b) A falta e vícios da vontade;

c) A admissibilidade de testamentos de mão comum ou de pactos sucessórios, sem prejuízo, quanto a estes, do disposto no artigo 53.º

ARTIGO 65.º

(Forma)

1. As disposições por morte, bem como a sua revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local.

2. Se, porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, será a exigência respeitada.

TÍTULO II — Das relações jurídicas

SUBTÍTULO I — Das pessoas

CAPÍTULO I — Pessoas singulares

SECÇÃO I — Personalidade e capacidade jurídica

ARTIGO 66.º

(Começo da personalidade)

1. A personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida.

2. Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento.

ARTIGO 67.º

(Capacidade jurídica)

As pessoas podem ser sujeitos de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário: nisto consiste a sua capacidade jurídica.

ARTIGO 68.º

(Termo da personalidade)

1. A personalidade cessa com a morte.

2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo.

3. Tem-se por falecida a pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não permitam duvidar da morte dela.

ARTIGO 69.º

(Renúncia à capacidade jurídica)

Ninguém pode renunciar, no todo ou em parte, à sua capacidade jurídica.

SECÇÃO II — Direitos de personalidade

ARTIGO 70.º

(Tutela geral da personalidade)

1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.

2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.

ARTIGO 71.º

(Ofensa a pessoas já falecidas)

1. Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular.

2. Tem legitimidade, neste caso, para requerer as providências previstas no n.º 2 do artigo anterior o cônjuge sobrevivo ou qualquer descendente, ascendente, irmão, sobrinho ou herdeiro do falecido.

3. Se a ilicitude da ofensa resultar de falta de consentimento, só as pessoas que o deveriam prestar têm legitimidade, conjunta ou separadamente, para requerer as providências a que o número anterior se refere.

ARTIGO 72.º

(Direito ao nome)

1. Toda a pessoa tem direito a usar o seu nome completo ou abreviado, e a opor-se a que outrem o use ilicitamente para sua identificação ou outros fins.

2. O titular do nome não pode, todavia, especialmente no exercício de uma actividade profissional, usá-lo de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico; nestes casos, o tribunal decretará as providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesses em conflito.

ARTIGO 73.º

(Legitimidade)

As acções relativas à defesa da nome podem ser exercidas não só pelo respectivo titular, como, depois da morte dele, pelas pessoas referidas no n.º 2 do artigo 71.º

ARTIGO 74.º

(Pseudónimo)

O pseudónimo, quando tenha notoriedade, goza da protecção conferida ao próprio nome.

ARTIGO 75.º

(Cartas missivas confidenciais)

1. O destinatário de carta-missiva de natureza confidencial deve guardar reserva sobre o seu conteúdo, não lhe sendo lícita aproveitar os elementos de informação que ela tenha levado ao seu conhecimento.

2. Morto o destinatário, pode a restituição da carta confidencial ser ordenada pelo tribunal, a requerimento do autor dela ou, se este já tiver falecido, das pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 71.º; pode também ser ordenada a destruição da carta, o seu depósito em mão de pessoa idónea ou qualquer outra medida apropriada.

ARTIGO 76.º

(Publicação de cartas confidenciais)

1. As cartas-missivas confidenciais só podem ser publicadas com o consentimento do seu autor ou com suprimento judicial desse consentimento; mas não há lugar ao suprimento quando se trate de utilizar as cartas como documento literário, histórico ou biográfico.

2. Depois da morte do autor, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.

ARTIGO 77.º

(Memórias familiares e outros escritos confidenciais)

O disposto no artigo anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, às memórias familiares e pessoais e a outros escritos que tenham carácter confidencial ou se refiram à intimidade da vida privada.

ARTIGO 78.º

(Cartas-missivas não confidenciais)

O destinatário de carta não confidencial só pode usar dela em termos que não contrariem a expectativa do autor.

ARTIGO 79.º

(Direito à imagem)

1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.

2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido pùblicamente.

3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

ARTIGO 80.º

(Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)

1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.

2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.

ARTIGO 81.º

(Limitação voluntária dos direitos de personalidade)

1. Toda a limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública.

2. A limitação voluntária, quando legal, é sempre revogável, ainda que com obrigação de indemnizar os prejuízos causados às legítimas expectativas da outra parte.

SECÇÃO III — Domicílio

ARTIGO 82.º

(Domicílio voluntário geral)

1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.

2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar.

ARTIGO 83.º

(Domicílio profissional)

1. A pessoa que exerce uma profissão tem, quanto às relações que a esta se referem, domicílio profissional no lugar onde a profissão é exercida.

2. Se exercer a profissão em lugares diversos, cada um deles constitui domicílio para as relações que lhe correspondem.

ARTIGO 84.º

(Domicílio electivo)

É permitido estipular domicílio particular para determinados negócios, contanto que a estipulação seja reduzida a escrito.

ARTIGO 85.º

Domicílio legal dos menores e dos maiores acompanhados

1 — O menor tem domicilio no lugar da residência da família; se ela não existir, tem por domicílio o do progenitor a cuja guarda estiver.

2 — O domicílio do menor que em virtude de decisão judicial foi confiado a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência é o do progenitor que exerce o poder paternal.

3 — O domicílio do menor sujeito a tutela é o do seu tutor.

4 — O domicílio do maior acompanhado é o determinado nos artigos anteriores, salvo se a sentença que decretou o acompanhamento dispuser de outro modo.

5 — Quando tenha sido instituído o regime de administração de bens, o domicílio do menor ou do maior acompanhado é o do administrador, nas relações a que essa administração se refere.

6 — Não são aplicáveis as regras dos números anteriores se delas resultar que o menor ou o maior acompanhado não tem domicílio em território nacional.

ARTIGO 86.º
revogado
ARTIGO 87.º

(Domicílio legal dos empregados públicos)

1. Os empregados públicos, civis ou militares, quando haja lugar certo para o exercício dos seus empregos, têm nele domicílio necessário, sem prejuízo do seu domicílio voluntário no lugar da residência habitual.

2. O domicílio necessário é determinado pela posse do cargo ou pelo exercício das respectivas funções.

ARTIGO 88.º

(Domicílio legal dos agentes diplomáticos portugueses)

Os agentes diplomáticos portugueses, quando invoquem a extraterritorialidade, consideram-se domiciliados em Lisboa.

SECÇÃO IV — Ausência

SUBSECÇÃO I — Curadoria provisória
ARTIGO 89.º

(Nomeação de curador provisório)

1. Quando haja necessidade de prover acerca da administração dos bens de quem desapareceu sem que dele se saiba parte e sem ter deixado representante legal ou procurador, deve o tribunal nomear-lhe curador provisório.

2. Deve igualmente ser nomeado curador ao ausente, se o procurador não quiser ou não puder exercer as suas funções.

3. Pode ser designado para certos negócios, sempre que as circunstâncias o exijam, um curador especial.

ARTIGO 90.º (Providências cautelares)

A possibilidade de nomeação do curador provisório não obsta às providências cautelares que se mostrem indispensáveis em relação a quaisquer bens do ausente.

ARTIGO 91.º

(Legitimidade)

A curadoria provisória e as providências a que se refere o artigo anterior podem ser requeridas pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.

ARTIGO 92.º

(A quem deve ser deferida a curadoria provisória)

1. O curador provisório será escolhido de entre as pessoas seguintes: o cônjuge do ausente, algum ou alguns dos herdeiros presumidos, ou algum ou alguns dos interessados na conservação dos bens.

2. Havendo conflito de interesses entre o ausente e o curador ou entre o ausente e o cônjuge, ascendentes ou descendentes do curador, deve ser designado um curador especial, nos termos do n.º 3 do artigo 89.º

ARTIGO 93.º

(Relação dos bens e caução)

1. Os bens do ausente serão relacionados e só depois entregues ao curador provisório, ao qual será fixada caução pelo tribunal.

2. Em caso de urgência, pode ser autorizada a entrega dos bens antes de estes serem relacionados ou de o curador prestar a caução exigida.

3. Se o curador não prestar a caução, será nomeado outro em lugar dele.

ARTIGO 94.º

(Direitos e obrigações do curador provisório)

1. O curador fica sujeito ao regime do mandato geral em tudo o que não contrariar as disposições desta subsecção.

2. Compete ao curador provisório requerer os procedimentos cautelares necessários e intentar as acções que não possam ser retardadas sem prejuízo dos interesses do ausente; cabe-lhe ainda representar o ausente em todas as acções contra este propostas.

3. Só com autorização judicial pode o curador alienar ou onerar bens imóveis, objectos preciosos, títulos de crédito, estabelecimentos comerciais e quaisquer outros bens cuja alienação ou oneração não constitua acto de administração.

4. A autorização judicial só será concedida quando o acto se justifique para evitar a deterioração ou ruína dos bens, solver dívidas do ausente, custear benfeitorias necessárias ou úteis ou ocorrer a outra necessidade urgente.

ARTIGO 95.º

(Prestação de contas)

1. O curador provisório deve prestar contas do seu mandato perante o tribunal, anualmente ou quando este o exigir.

2. Deferida a curadoria definitiva nos termos da subsecção seguinte, as contas do curador provisório são prestadas aos curadores definitivos.

ARTIGO 96.º

(Remuneração do curador)

O curador haverá dez por cento da receita líquida que realizar.

ARTIGO 97.º

(Substituição do curador provisório)

O curador pode ser substituído, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer interessado, logo que se mostre inconveniente a sua permanência no cargo.

ARTIGO 98.º

(Termo da curadoria)

A curadoria provisória termina:

a) Pelo regresso do ausente;

b) Se o ausente providenciar acerca da administração dos bens;

c) Pela comparência de pessoa que legalmente represente o ausente ou de procurador bastante;

d) Pela entrega dos bens aos curadores definitivos ou ao cabeça-de-casal, nos termos do artigo 103.º;

e) Pela certeza da morte do ausente.

SUBSECÇÃO II — Curadoria definitiva
ARTIGO 99.º

(Justificação da ausência)

Decorridos dois anos sem se saber do ausente, se este não tiver deixado representante legal nem procurador bastante, ou cinco anos, no caso contrário, pode o Ministério Público ou algum dos interessados requerer a justificação da ausência.

ARTIGO 100.º

(Legitimidade)

São interessados na justificação da ausência o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, os herdeiros do ausente e todos os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente da condição da sua morte.

ARTIGO 101.º

(Abertura de testamentos)

Justificada a ausência, o tribunal requisitará certidões dos testamentos públicos e mandará proceder à abertura dos testamentos cerrados que existirem, a fim de serem tomados em conta na partilha e no deferimento da curadoria definitiva.

ARTIGO 102.º

(Entrega de bens aos legatários e outros interessados)

Os legatários, como todos aqueles que por morte do ausente teriam direito a bens determinados, podem requerer, logo que a ausência esteja justificada, independentemente da partilha, que esses bens lhes sejam entregues.

ARTIGO 103.º

(Entrega dos bens aos herdeiros)

1. A entrega dos bens aos herdeiros do ausente à data das últimas notícias, ou aos herdeiros dos que depois tiverem falecido, só tem lugar depois da partilha.

2. Enquanto não forem entregues os bens, a administração deles pertence ao cabeça-de-casal, designado nos termos dos artigos 2080.º e seguintes.

ARTIGO 104.º

(Curadores definitivos)

Os herdeiros e demais interessados a quem tenham sido entregues os bens do ausente são havidos como curadores definitivos.

ARTIGO 105.º

(Aparecimento de novos interessados)

Se, depois de nomeados os curadores definitivos, aparecer herdeiro ou interessado que, em relação à data das últimas notícias do ausente, deva excluir algum deles ou haja de concorrer à sucessão, ser-lhe-ão entregues os bens nos termos dos artigos anteriores.

ARTIGO 106.º

(Exigibilidade de obrigações)

A exigibilidade das obrigações que se extinguiriam pela morte do ausente fica suspensa.

ARTIGO 107.º

(Caução)

1. O tribunal pode exigir caução aos curadores definitivos ou a algum ou alguns deles, tendo em conta a espécie e valor dos bens e rendimentos que eventualmente hajam de restituir.

2. Enquanto não prestar a caução fixada, o curador está impedido de receber os bens; estes são entregues, até ao termo da curadoria ou até à prestação da caução, a outro herdeiro ou interessado, que ocupará, em relação a eles, a posição de curador definitivo.

ARTIGO 108.º

(Ausente casado)

Se o ausente for casado, pode o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens requerer inventário e partilha, no seguimento do processo de justificação da ausência, e exigir os alimentos a que tiver direito.

ARTIGO 109.º

(Aceitação e repúdio da sucessão;

disposição dos direitos sucessórios)

1. Justificada a ausência, é admitido o repúdio da sucessão do ausente ou a disposição dos respectivos direitos sucessórios.

2. A eficácia do repúdio ou da disposição, assim como a aceitação da herança ou de legados, ficam, todavia, sujeitas à condição resolutiva da sobrevivência do ausente.

ARTIGO 110.º

(Direitos e obrigações dos curadores definitivos

e demais interessados)

Aos curadores definitivos a quem os bens hajam sido entregues é aplicável o disposto no artigo 94.º, ficando extintos os poderes que anteriormente hajam sido conferidos pelo ausente em relação aos mesmos bens.

ARTIGO 111.º

(Fruição dos bens)

1. Os ascendentes, os descendentes e o cônjuge que sejam nomeados curadores definitivos têm direito, a contar da entrega dos bens, à totalidade dos frutos percebidos.

2. Os curadores definitivos não abrangidos pelo número anterior devem reservar para o ausente um terço dos rendimentos líquidos dos bens que administrem.

ARTIGO 112.º

(Termo da curadoria definitiva)

A curadoria definitiva termina:

a) Pelo regresso do ausente;

b) Pela notícia da sua existência e do lugar onde reside;

c) Pela certeza da sua morte;

d) Pela declaração de morte presumida.

ARTIGO 113.º

(Restituição dos bens ao ausente)

1. Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do artigo anterior, os bens do ausente ser-lhe-ão entregues logo que ele o requeira.

2. Enquanto não for requerida a entrega, mantém-se o regime da curadoria nos termos desta subsecção.

SUBSECÇÃO III — Morte presumida
ARTIGO 114.º

(Requisitos)

1. Decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se entretanto o ausente houver completado oitenta anos de idade, podem os interessados a que se refere o artigo 100.º requerer a declaração de morte presumida.

2. A declaração de morte presumida não será, proferida antes de haverem decorrido cinco anos sobre a data em que o ausente, se fosse vivo, atingiria a maioridade.

3. A declaração de morte presumida do ausente não depende de prévia instalação da curadoria provisória ou definitiva e referir-se-á ao fim do dia das últimas notícias que dele houve.

ARTIGO 115.º

(Efeitos)

A declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

ARTIGO 116.º

(Novo casamento do cônjuge do ausente)

O cônjuge do ausente casado civilmente pode contrair novo casamento; neste caso, se o ausente regressar, ou houver notícia de que era vivo quando foram celebradas as novas núpcias, considera-se o primeiro matrimónio dissolvido por divórcio à data da declaração de morte presumida.

ARTIGO 117.º

(Entrega dos bens)

A entrega dos bens aos sucessores do ausente é feita nos termos dos artigos 101.º e seguintes, com as necessárias adaptações, mas não há lugar a caução; se esta tiver sido prestada, pode ser levantada.

ARTIGO 118.º

(Óbito em data diversa)

1. Quando se prove que o ausente morreu em data diversa da fixada na sentença de declaração de morte presumida, o direito à herança compete aos que naquela data lhe deveriam suceder, sem prejuízo das regras da usucapião.

2. Os sucessores de novo designados gozam apenas, em relação aos antigos, dos direitos que no artigo seguinte são atribuídos ao ausente.

ARTIGO 119.º

(Regresso do ausente)

1. Se o ausente regressar ou dele houver notícias, ser-lhe-á devolvido o património no estado em que se encontrar, com o preço dos bens alienados ou com os bens directamente sub-rogados, e bem assim com os bens adquiridos mediante o preço dos alienados, quando no título de aquisição se declare expressamente a proveniência do dinheiro.

2. Havendo má fé dos sucessores, o ausente tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido.

3. A má fé, neste caso, consiste no conhecimento de que o ausente sobreviveu à data da morte presumida.

SUBSECÇÃO IV — Direitos eventuais do ausente
ARTIGO 120.º

(Direitos que sobrevierem ao ausente)

Os direitos que eventualmente sobrevierem ao ausente desde que desapareceu sem dele haver notícias e que sejam dependentes da condição da sua existência passam às pessoas que seriam chamadas à titularidade deles se o ausente fosse falecido.

ARTIGO 121.º

(Curadoria provisória e definitiva)

1. O disposto no artigo anterior não altera o regime da curadoria provisória, à qual ficam sujeitos os direitos nele referidos.

2. Instaurada a curadoria definitiva, são havidos como curadores definitivos, para todos os efeitos legais, aqueles que seriam chamados à titularidade dos direitos nos termos do mesmo artigo.

SECÇÃO V — Menores e maiores acompanhados

SUBSECÇÃO I — Condição jurídica dos menores
ARTIGO 122.º

(Menores)

É menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de idade.

ARTIGO 123.º

(Incapacidade dos menores)

Salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos.

ARTIGO 124.º

(Suprimento da incapacidade dos menores)

A incapacidade dos menores é suprida pelo poder paternal e, subsidiariamente, pela tutela, conforme se dispõe nos lugares respectivos.

ARTIGO 125.º

(Anulabilidade dos actos dos menores)

1. Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 287.º, os negócios jurídicos celebrados pelo menor podem ser anulados:

a) A requerimento, conforme os casos, do progenitor que exerça o poder paternal, do tutor ou do administrador de bens, desde que a acção seja proposta no prazo de um ano a contar do conhecimento que o requerente haja tido do negócio impugnado, mas nunca depois de o menor atingir a maioridade ou ser emancipado, salvo o disposto no artigo 131.º;

b) A requerimento do próprio menor, no prazo de um ano a contar da sua maioridade ou emancipação;

c) A requerimento de qualquer herdeiro do menor, no prazo de um ano a contar da morte deste, ocorrida antes de expirar o prazo referido na alínea anterior.

2. A anulabilidade é sanável mediante confirmação do menor depois de atingir a maioridade ou ser emancipado, ou por confirmação do progenitor que exerça o poder paternal, tutor ou administrador de bens, tratando-se de acto que algum deles pudesse celebrar como representante do menor.

ARTIGO 126.º

(Dolo do menor)

Não tem o direito de invocar a anulabilidade o menor que para praticar o acto tenha usado de dolo com o fim de se fazer passar por maior ou emancipado.

ARTIGO 127.º

(Excepções à incapacidade dos menores)

1. São excepcionalmente válidos, além de outros previstos na lei:

a) Os actos de administração ou disposição de bens que o maior de dezasseis anos haja adquirido por seu trabalho;

b) Os negócios jurídicos próprios da vida corrente do menor que, estando ao alcance da sua capacidade natural, só impliquem despesas, ou disposições de bens, de pequena importância;

c) Os negócios jurídicos relativos à profissão, arte ou ofício que o menor tenha sido autorizado a exercer, ou os praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício.

2. Pelos actos relativos à profissão, arte ou ofício do menor e pelos actos praticados no exercício dessa profissão, arte ou ofício só respondem os bens de que o menor tiver a livre disposição.

ARTIGO 128.º

(Dever de obediência)

Em tudo quanto não seja ilícito ou imoral, devem os menores não emancipados obedecer a seus pais ou tutor e cumprir os seus preceitos.

ARTIGO 129.º

(Termo da incapacidade dos menores)

A incapacidade dos menores termina quando eles atingem a maioridade ou são emancipados, salvas as restrições da lei.

SUBSECÇÃO II — Maioridade e emancipação
ARTIGO 130.º

(Efeitos da maioridade)

Aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens.

ARTIGO 131.º

Pendência de ação de acompanhamento de maior

Estando pendente contra o menor, ao atingir a maioridade, ação de acompanhamento, mantêm-se as responsabilidades parentais ou a tutela até ao trânsito em julgado da respetiva sentença.

ARTIGO 132.º

(Emancipação)

O menor é, de pleno direito, emancipado pelo casamento.

ARTIGO 133.º

(Efeitos da emancipação)

A emancipação atribui ao menor plena capacidade de exercício de direitos, habilitando-o a reger a sua pessoa e a dispor livremente dos seus bens como se fosse maior, salvo o disposto no artigo 1649.º

ARTIGO 134.º
revogado
ARTIGO 135.º
revogado
ARTIGO 136.º
revogado
ARTIGO 137.º
revogado
SUBSECÇÃO III — Maiores acompanhados
ARTIGO 138.º

Acompanhamento

O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.

ARTIGO 139.º

Decisão judicial

1 — O acompanhamento é decidido pelo tribunal, após audição pessoal e direta do beneficiário, e ponderadas as provas.

2 — Em qualquer altura do processo, podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido.

ARTIGO 140.º

Objetivo e supletividade

1 — O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as exceções legais ou determinadas por sentença.

2 — A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

ARTIGO 141.º

(Legitimidade)

1 — O acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público.

2 — O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível.

3 — O pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento.

ARTIGO 142.º

Menores

O acompanhamento pode ser requerido e instaurado dentro do ano anterior à maioridade, para produzir efeitos a partir desta.

ARTIGO 143.º

Acompanhante

1 — O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.

2 — Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:

a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;

b) Ao unido de facto;

c) A qualquer dos pais;

d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;

e) Aos filhos maiores;

f) A qualquer dos avós;

g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;

h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;

i) A outra pessoa idónea.

3 — Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores.

ARTIGO 144.º

Escusa e exoneração

1 — O cônjuge, os descendentes ou os ascendentes não podem escusar-se ou ser exonerados.

2 — Os descendentes podem ser exonerados, a seu pedido, ao fim de cinco anos, se existirem outros descendentes igualmente idóneos.

3 — Os demais acompanhantes podem pedir escusa com os fundamentos previstos no artigo 1934.º ou ser substituídos, a seu pedido, ao fim de cinco anos.

ARTIGO 145.º

Âmbito e conteúdo do acompanhamento

1 — O acompanhamento limita-se ao necessário.

2 — Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:

a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;

b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de atos para que seja necessária;

c) Administração total ou parcial de bens;

d) Autorização prévia para a prática de determinados atos ou categorias de atos;

e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas.

3 — Os atos de disposição de bens imóveis carecem de autorização judicial prévia e específica.

4 — A representação legal segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias, podendo o tribunal dispensar a constituição do conselho de família.

5 — À administração total ou parcial de bens aplica-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 1967.º e seguintes.

ARTIGO 146.º

Cuidado e diligência

1 — No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada.

2 — O acompanhante mantém um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.

ARTIGO 147.º

Direitos pessoais e negócios da vida corrente

1 — O exercício pelo acompanhado de direitos pessoais e a celebração de negócios da vida corrente são livres, salvo disposição da lei ou decisão judicial em contrário.

2 — São pessoais, entre outros, os direitos de casar ou de constituir situações de união, de procriar, de perfilhar ou de adotar, de cuidar e de educar os filhos ou os adotados, de escolher profissão, de se deslocar no país ou no estrangeiro, de fixar domicílio e residência, de estabelecer relações com quem entender e de testar.

ARTIGO 148.º

Internamento

1 — O internamento do maior acompanhado depende de autorização expressa do tribunal.

2 — Em caso de urgência, o internamento pode ser imediatamente solicitado pelo acompanhante, sujeitando-se à ratificação do juiz.

ARTIGO 149.º

Cessação e modificação do acompanhamento

1 — O acompanhamento cessa ou é modificado mediante decisão judicial que reconheça a cessação ou a modificação das causas que o justificaram.

2 — Os efeitos da decisão podem retroagir à data em que se verificou a cessação ou modificação referidas no número anterior.

3 — Podem pedir a cessação ou modificação do acompanhamento o acompanhante ou qualquer uma das pessoas referidas no n.º 1 do artigo 141.º

ARTIGO 150.º

Conflito de interesses

1 — O acompanhante deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado.

2 — A violação do dever referido no número anterior tem as consequências previstas no artigo 261.º

3 — Sendo necessário, cabe-lhe requerer ao tribunal autorização ou as medidas concretamente convenientes.

ARTIGO 151.º

Retribuição do acompanhante e prestação de contas

1 — As funções do acompanhante são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do acompanhado e a do acompanhante.

2 — O acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função ou, na sua pendência, quando assim seja judicialmente determinado.

ARTIGO 152.º

Remoção e exoneração do acompanhante

Sem prejuízo do disposto no artigo 144.º, a remoção e a exoneração do acompanhante seguem o disposto nos artigos 1948.º a 1950.º

ARTIGO 153.º

Publicidade

1 — A publicidade a dar ao início, ao decurso e à decisão final do processo de acompanhamento é limitada ao estritamente necessário para defender os interesses do beneficiário ou de terceiros, sendo decidida, em cada caso, pelo tribunal.

2 — Às decisões judiciais de acompanhamento é aplicável o disposto nos artigos 1920.º-B e 1920.º-C.

ARTIGO 154.º

Atos do acompanhado

1 — Os atos praticados pelo maior acompanhado que não observem as medidas de acompanhamento decretadas ou a decretar são anuláveis:

a) Quando posteriores ao registo do acompanhamento;

b) Quando praticados depois de anunciado o início do processo, mas apenas após a decisão final e caso se mostrem prejudiciais ao acompanhado.

2 — O prazo dentro do qual a ação de anulação deve ser proposta só começa a contar-se a partir do registo da sentença.

3 — Aos atos anteriores ao anúncio do início do processo aplica-se o regime da incapacidade acidental.

ARTIGO 155.º

Revisão periódica

O tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.

ARTIGO 156.º

Mandato com vista a acompanhamento

1 — O maior pode, prevenindo uma eventual necessidade de acompanhamento, celebrar um mandato para a gestão dos seus interesses, com ou sem poderes de representação.

2 — O mandato segue o regime geral e especifica os direitos envolvidos e o âmbito da eventual representação, bem como quaisquer outros elementos ou condições de exercício, sendo livremente revogável pelo mandante.

3 — No momento em que é decretado o acompanhamento, o tribunal aproveita o mandato, no todo ou em parte, e tem-no em conta na definição do âmbito da proteção e na designação do acompanhante.

4 — O tribunal pode fazer cessar o mandato quando seja razoável presumir que a vontade do mandante seria a de o revogar.

CAPÍTULO II — Pessoas colectivas

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 157.º

(Campo de aplicação)

As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.

ARTIGO 158.º

(Aquisição da personalidade)

1 — As associações constituídas por escritura pública ou por outro meio legalmente admitido, que contenham as especificações referidas no nº 1 do artigo 167º, gozam de personalidade jurídica.

2 — As fundações referidas no artigo anterior adquirem personalidade jurídica pelo reconhecimento, o qual é individual e da competência da autoridade administrativa.

ARTIGO 158.º-A

(Nulidade do acto de constituição ou instituição)

É aplicável à constituição de pessoas colectivas o disposto no artigo 280.º, devendo o Ministério Público promover a declaração judicial da nulidade.

ARTIGO 159.º

(Sede)

A sede da pessoa colectiva é a que os respectivos estatutos fixarem ou, na falta de designação estatutária, o lugar em que funciona normalmente a administração principal.

ARTIGO 160.º

(Capacidade)

1. A capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins.

2. Exceptuam-se os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular.

ARTIGO 161.º
revogado
ARTIGO 162.º

(Órgãos)

Os estatutos da pessoa coletiva designam os respetivos órgãos, entre os quais um órgão colegial de administração constituído por um número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente, e um órgão de fiscalização, que pode ser constituído por um fiscal único ou por um número ímpar de titulares, dos quais um será o presidente.

ARTIGO 163.º

(Representação)

1. A representação da pessoa colectiva, em juízo e fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatutária, à administração ou a quem por ela for designado.

2. A designação de representantes por parte da administração só é oponível a terceiros quando se prove que estes a conheciam.

ARTIGO 164.º

(Obrigações e responsabilidade dos titulares

dos órgãos da pessoa colectiva)

1. As obrigações e a responsabilidade dos titulares dos órgãos das pessoas colectivas para com estas são definidas nos respectivos estatutos, aplicando-se, na falta de disposições estatutárias, as regras do mandato, com as necessárias adaptações.

2. Os membros dos corpos gerentes não podem abster-se de votar nas deliberações tomadas em reuniões a que estejam presentes, e são responsáveis pelos prejuízos delas decorrentes, salvo se houverem manifestado a sua discordância.

ARTIGO 165.º

(Responsabilidade civil das pessoas colectivas)

As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.

ARTIGO 166.º

Publicidade

1 — São aplicáveis às pessoas coletivas reguladas neste capítulo as disposições legais referentes às sociedades comerciais, no tocante à publicação da respetiva constituição, sede, estatutos, composição dos órgãos sociais e ainda relatórios e contas anuais, devidamente aprovados, bem como os pareceres dos respetivos órgãos de fiscalização.

2 — O ato de constituição, os estatutos e as suas alterações não produzem efeitos em relação a terceiros enquanto não forem publicados nos termos do número anterior.

SECÇÃO II — Associações

ARTIGO 167.º

(Acto de constituição e estatutos)

1. O acto de constituição da associação especificará os bens ou serviços com que os associados concorrem para o património social, a denominação, fim e sede da pessoa colectiva, a forma do seu funcionamento, assim como a sua duração, quando a associação se não constitua por tempo indeterminado.

2. Os estatutos podem especificar ainda os direitos e obrigações dos associados, as condições da sua admissão, saída e exclusão, bem como os termos da extinção da pessoa colectiva e consequente devolução do seu património.

ARTIGO 168.º

Forma e comunicação

1 — O acto de constituição da associação, os estatutos e as suas alterações devem constar de escritura pública, sem prejuízo do disposto em lei especial.

2 — O notário, a expensas da associação, promove de imediato a publicação da constituição e dos estatutos, bem como as alterações destes, nos termos legalmente previstos para os actos das sociedades comerciais.

3 — revogado

ARTIGO 169.º
revogado
ARTIGO 170.º

(Titulares dos órgãos da associação

e revogação dos seus poderes)

1. É a assembleia geral que elege os titulares dos órgãos da associação, sempre que os estatutos não estabeleçam outro processo de escolha.

2. As funções dos titulares eleitos ou designados são revogáveis, mas a revogação não prejudica os direitos fundados no acto de constituição.

3. O direito de revogação pode ser condicionado pelos estatutos à existência de justa causa.

ARTIGO 171.º

(Convocação e funcionamento do órgão da administração

e do conselho fiscal)

1. O órgão da administração e o conselho fiscal são convocados pelos respectivos presidentes e só podem deliberar com a presença da maioria dos seus titulares.

2. Salvo disposição legal ou estatutária em contrário, as deliberações são tomadas por maioria de votos dos titulares presentes, tendo o presidente, além do seu voto, direito a voto de desempate.

ARTIGO 172.º

(Competência da assembleia geral)

1. Competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva.

2. São, necessàriamente, da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.

ARTIGO 173.º

(Convocação da assembleia)

1. A assembleia geral deve ser convocada pela administração nas circunstâncias fixadas pelos estatutos e, em qualquer caso, uma vez em cada ano para aprovação do balanço.

2. A assembleia será ainda convocada sempre que a convocação seja requerida, com um fim legítimo, por um conjunto de associados não inferior à quinta parte da sua totalidade, se outro número não for estabelecido nos estatutos.

3. Se a administração não convocar a assembleia nos casos em que deve fazê-lo, a qualquer associado é lícito efectuar a convocação.

ARTIGO 174.º

(Forma da convocação)

1 — A assembleia geral é convocada por meio de aviso postal, expedido para cada um dos associados com a antececdência mínima de oito dias; no aviso indicar-se-á o dia, hora e local da reunião e a respectiva ordem do dia.

2 — É dispensada a expedição do aviso postal referido no número anterior sempre que os estatutos prevejam a convocação da assembleia geral mediante publicação do respectivo aviso nos termos legalmente previstos para os actos das sociedades comerciais.

3 — São anuláveis as deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se todos os associados compareceram à reunião e todos concordaram com o aditamento.

4 — A comparência de todos os associados sanciona quaisquer irregularidades da convocação, desde que nenhum deles se oponha à realização da assembleia.

ARTIGO 175.º

(Funcionamento)

1. A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados.

2. Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes.

3. As deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes.

4. As deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados.

5. Os estatutos podem exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores.

ARTIGO 176.º

(Privação do direito de voto)

1. O associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.

2. As deliberações tomadas com infracção do disposto no número anterior são anuláveis, se o voto do associado impedido for essencial à existência da maioria necessária.

ARTIGO 177.º

(Deliberações contrárias à lei ou aos estatutos)

As deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.

ARTIGO 178.º

(Regime da anulabilidade)

1. A anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.

2. Tratando-se de associado que não foi convocado regularmente para a reunião da assembleia, o prazo só começa a correr a partir da data em que ele teve conhecimento da deliberação.

ARTIGO 179.º

(Protecção dos direitos de terceiro)

A anulação das deliberações da assembleia não prejudica os direitos que terceiro de boa fé haja adquirido em execução das deliberações anuladas.

ARTIGO 180.º

(Natureza pessoal da qualidade de associado)

Salvo disposição estatutária em contrário, a qualidade de associado não é transmissível, quer por acto entre vivos, quer por sucessão; o associado não pode incumbir outrem de exercer os seus direitos pessoais.

ARTIGO 181.º

(Efeitos da saída ou exclusão)

O associado que por qualquer forma deixar de pertencer à associação não tem o direito de repetir as quotizações que haja pago e perde o direito ao património social, sem prejuízo da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi membro da associação.

ARTIGO 182.º

(Causas de extinção)

1. As associações extinguem-se:

a) Por deliberação da assembleia geral;

b) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporàriamente;

c) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de constituição ou nos estatutos;

d) Pelo falecimento ou desaparecimento de todos os associados;

e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência.

2. As associações extinguem-se ainda por decisão judicial:

a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;

b) Quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos;

c) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;

d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.

ARTIGO 183.º

(Declaração da extinção)

1. Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo anterior, a extinção só se produzirá se, nos trinta dias subsequentes à data em que devia operar-se, a assembleia geral não decidir a prorrogação da associação ou a modificação dos estatutos.

2. Nos casos previstos no n.º 2 do artigo precedente, a declaração da extinção pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado.

3. A extinção por virtude da declaração de insolvência dá-se em consequência da própria declaração.

ARTIGO 184.º

(Efeitos da extinção)

1. Extinta a associação, os poderes dos seus órgãos ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e dos necessários, quer à liquidação do património social, quer à ultimação dos negócios pendentes; pelos actos restantes e pelos danos que deles advenham à associação respondem solidàriamente os administradores que os praticarem.

2. Pelas obrigações que os administradores contraírem, a associação só responde perante terceiros se estes estavam de boa fé e à extinção não tiver sido dada a devida publicidade.

SECÇÃO III — Fundações

ARTIGO 185.º

(Instituição e sua revogação)

1 — As fundações visam a prossecução de fins de interesse social, podendo ser instituídas por ato entre vivos ou por testamento.

2 — A instituição por acto entre vivos deve constar de escritura pública e torna-se irrevogável logo que seja requerido o reconhecimento ou principie o respectivo processo oficioso.

3 — Aos herdeiros do instituidor não é permitido revogar a instituição, sem prejuízo do disposto acerca da sucessão legitimária.

4 — Ao ato de instituição da fundação, quando conste de escritura pública, bem como, em qualquer caso, aos estatutos e suas alterações, é aplicável o disposto no artigo 166.º

ARTIGO 186.º

(Acto de instituição e estatutos)

1. No acto de instituição deve o instituidor indicar o fim da fundação e especificar os bens que lhe são destinados.

2. No acto de instituição ou nos estatutos pode o instituidor providenciar ainda sobre a sede, organização funcionamento da fundação, regular os termos da sua transformação ou extinção e fixar o destino dos respectivos bens.

ARTIGO 187.º

(Estatutos lavrados por pessoa diversa do instituidor)

1. Na falta de estatutos lavrados pelo instituidor ou na insuficiência deles, constando a instituição de testamento, é aos executores deste que compete elaborá-los ou completá-los.

2. A elaboração total ou parcial dos estatutos incumbe à própria autoridade competente para o reconhecimento da fundação, quando o instituidor os não tenha feito e a instituição não conste de testamento, ou quando os executores testamentários os não lavrem dentro do ano posterior à abertura da sucessão.

3. Na elaboração dos estatutos ter-se-á em conta, na medida do possível, a vontade real ou presumível do fundador.

ARTIGO 188.º

(Reconhecimento)

1 — O reconhecimento deve ser requerido pelo instituidor, seus herdeiros ou executores testamentários, no prazo máximo de 180 dias a contar da data da instituição da fundação, ou ser oficiosamente promovido pela entidade competente.

2 — O reconhecimento importa a aquisição, pela fundação, dos bens e direitos que o ato de instituição lhe atribui.

3 — O reconhecimento pode ser negado:

a) Se os fins da fundação não forem considerados de interesse social pela entidade competente, designadamente se aproveitarem ao instituidor ou sua família ou a um universo restrito de beneficiários com eles relacionados;

b) Se o património afetado for insuficiente ou inadequado, designadamente se estiver onerado com encargos que comprometam a realização dos fins estatutários ou se não gerar rendimentos suficientes para garantir a realização daqueles fins;

c) Se os estatutos apresentarem alguma desconformidade com a lei.

4 — A entidade competente para o reconhecimento promove a publicação no jornal oficial, a expensas da fundação, da decisão de reconhecimento, do ato de instituição e dos estatutos e suas alterações, sem o que tais atos não produzem efeitos em relação a terceiros.

5 — Negado o reconhecimento por insuficiência do património, fica a instituição sem efeito, se o instituidor for vivo; mas, se já houver falecido, serão os bens entregues a uma associação ou fundação de fins análogos, que a entidade competente designar, salvo disposição do instituidor em contrário.

ARTIGO 189.º

(Modificação dos estatutos)

Os estatutos da fundação podem a todo o tempo ser modificados pela autoridade competente para o reconhecimento, sob proposta da respectiva administração, contanto que não haja alteração essencial do fim da instituição e se não contrarie a vontade do fundador.

ARTIGO 190.º

(Transformação)

1 — Ouvida a administração, e também o fundador, se for vivo, a entidade competente para o reconhecimento pode ampliar o fim da fundação, sempre que a rentabilização social dos meios disponíveis o aconselhe.

2 — A mesma entidade pode ainda, após as audições previstas no número anterior, atribuir à fundação um fim diferente:

a) Quando tiver sido inteiramente preenchido o fim para que foi instituída ou este se tiver tornado impossível;

b) Quando o fim da instituição deixar de revestir interesse social;

c) Quando o património se tornar insuficiente para a realização do fim previsto.

3 — O novo fim deve aproximar-se, no que for possível, do fim fixado pelo fundador.

4 — Não há lugar à mudança do fim, se o ato de instituição o proibir ou prescrever a extinção da fundação.

Artigo 190.º-A

Fusão

Sob proposta das respetivas administrações, ou em alternativa à decisão referida no n.º 2 do artigo anterior, e após as audições previstas no n.º 1 do mesmo artigo, a entidade competente para o reconhecimento pode determinar a fusão de duas ou mais fundações, de fins análogos, contando que a tal não se oponha a vontade dos fundadores.

ARTIGO 191.º

(Encargo prejudicial aos fins da fundação)

1 — Estando o património da fundação onerado com encargos cujo cumprimento impossibilite ou dificulte gravemente o preenchimento do fim institucional, pode a entidade competente para o reconhecimento, sob proposta da administração, suprimir, reduzir ou comutar esses encargos, ouvido o fundador, se for vivo.

2 — Se, porém, o encargo tiver sido motivo essencial da instituição, pode a mesma entidade considerar o seu cumprimento como fim da fundação, ou incorporar a fun dação noutra pessoa colectiva capaz de satisfazer o encargo à custa do património incorporado, sem prejuízo dos seus próprios fins.

3 — As fundações só podem aceitar heranças a benefício de inventário.

ARTIGO 192.º

(Causas de extinção)

1 — As fundações extinguem-se:

a) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente;

b) Pela verificação de qualquer outra causa extintiva prevista no acto de instituição;

c) Com o encerramento do processo de insolvência, se não for admissível a continuidade da fundação.

2 — As fundações podem ainda ser extintas pela entidade competente para o reconhecimento:

a) Quando o seu fim se tenha esgotado ou se haja tornado impossível;

b) Quando as atividades desenvolvidas demonstrem que o fim real não coincide com o fim previsto no ato de instituição;

c) Quando não tiverem desenvolvido qualquer atividade relevante nos três anos precedentes.

d) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.

3 — As fundações podem ainda ser extintas por decisão judicial, em ação intentada pelo Ministério Público ou pela entidade competente para o reconhecimento:

a) Quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais;

b) Quando a sua existência se torne contrária à ordem pública.

ARTIGO 193.º

(Declaração da extinção)

Quando ocorra alguma das causas extintivas previstas no n.º 1 do artigo anterior, a administração da fundação comunicará o facto à autoridade competente para o reconhecimento, a fim de esta declarar a extinção e tomar as providências que julgue convenientes para a liquidação do património.

ARTIGO 194.º

(Efeitos da extinção)

1 — A extinção da fundação desencadeia a abertura do processo de liquidação do seu património, competindo à entidade competente para o reconhecimento tomar as providências que julgue convenientes.

2 — Na falta de providências especiais em contrário, é aplicável o disposto no artigo 184.º

CAPÍTULO III — Associações sem personalidade jurídica e comissões especiais

ARTIGO 195.º

(Organização e administração)

1. À organização interna e administração das associações sem personalidade jurídica são aplicáveis as regras estabelecidas pelos associados e, na sua falta, as disposições legais relativas às associações, exceptuadas as que pressupõem a personalidade destas.

2. As limitações impostas aos poderes normais dos administradores só são oponíveis a terceiro quando este as conhecia ou devia conhecer.

3. A saída dos associados é aplicável o disposto no artigo 181.º

ARTIGO 196.º

(Fundo comum das associações)

1. As contribuições dos associados e os bens com elas adquiridos constituem o fundo comum da associação.

2. Enquanto a associação subsistir, nenhum associado pode exigir a divisão do fundo comum e nenhum credor dos associados tem o direito de o fazer excutir.

ARTIGO 197.º

(Liberalidades)

1. As liberalidades em favor de associações sem personalidade jurídica consideram-se feitas aos respectivos associados, nessa qualidade, salvo se o autor tiver condicionado a deixa ou doação à aquisição da personalidade jurídica; neste caso, se tal aquisição se não verificar dentro do prazo de um ano, fica a disposição sem efeito.

2. Os bens deixados ou doados à associação sem personalidade jurídica acrescem ao fundo comum, independentemente de outro acto de transmissão.

ARTIGO 198.º

(Responsabilidade por dívidas)

1. Pelas obrigações vàlidamente assumidas em nome da associação responde o fundo comum e, na falta ou insuficiência deste, o património daquele que as tiver contraído; sendo o acto praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidàriamente.

2. Na falta ou insuficiência do fundo comum e do património dos associados directamente responsáveis, têm os credores acção contra os restantes associados, que respondem proporcionalmente à sua entrada para o fundo comum.

3. A representação em juízo do fundo comum cabe àqueles que tiverem assumido a obrigação.

ARTIGO 199.º

(Comissões especiais)

As comissões constituídas para realizar qualquer plano de socorro ou beneficência, ou promover a execução de obras públicas, monumentos, festivais, exposições, festejos e actos semelhantes, se não pedirem o reconhecimento da personalidade da associação ou não a obtiverem, ficam sujeitas, na falta de lei em contrário, às disposições subsequentes.

ARTIGO 200.º

(Responsabilidade dos organizadores e administradores)

1. Os membros da comissão e os encarregados de administrar os seus fundos são pessoal e solidariamente responsáveis pela conservação dos fundos recolhidos e pela sua afectação ao fim anunciado.

2. Os membros da comissão respondem ainda, pessoal e solidàriamente, pelas obrigações contraídas em nome dela.

3. Os subscritores só podem exigir o valor que tiverem subscrito quando se não cumpra, por qualquer motivo, o fim para que a comissão foi constituída.

ARTIGO 201.º

(Aplicação dos bens a outro fim)

1. Se os fundos angariados forem insuficientes para o fim anunciado, ou este se mostrar impossível, ou restar algum saldo depois de satisfeito o fim da comissão, os bens terão a aplicação prevista no acto constitutivo da comissão ou no programa anunciado.

2. Se nenhuma aplicação tiver sido prevista e a comissão não quiser aplicar os bens a um fim análogo, cabe à autoridade administrativa prover sobre o seu destino, respeitando na medida do possível a intenção dos subscritores.

Artigo 201º-A

Publicidade

As associações e comissões especiais sem personalidade jurídica promovem a publicação da sua constituição, da sua sede e do seu programa nos termos legalmente previstos para os actos das sociedades comerciais.

SUBTÍTULO I-A — Dos animais

Artigo 201.º-B

Animais

Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.

Artigo 201.º-C

Proteção jurídica dos animais

A proteção jurídica dos animais opera por via das disposições do presente código e de legislação especial.

Artigo 201.º-D

Regime subsidiário

Na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza.

SUBTÍTULO II — Das coisas

ARTIGO 202.º

(Noção)

1. Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas.

2. Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual.

ARTIGO 203.º

(Classificação das coisas)

As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas, fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras.

ARTIGO 204.º

(Coisas imóveis)

1. São coisas imóveis:

a) Os prédios rústicos é urbanos;

b) As águas;

c) As árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo;

d) Os direitos inerentes aos imóveis mencionados nas alíneas anteriores;

e) As partes integrantes dos prédios rústicos e urbanos.

2. Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as construções nele existentes que não tenham autonomia económica, e por prédio urbano qualquer edifício incorporado no solo, com os terrenos que lhe sirvam de logradouro.

3. E parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência.

ARTIGO 205.º

(Coisas móveis)

1. São móveis todas as coisas não compreendidas no artigo anterior.

2. As coisas móveis sujeitas a registo público é aplicável o regime das coisas móveis em tudo o que não seja especialmente regulado.

ARTIGO 206.º

(Coisas compostas)

1. É havida como coisa composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário.

2. As coisas singulares que constituem a universalidade podem ser objecto de relações jurídicas próprias.

ARTIGO 207.º

(Coisas fungíveis)

São fungíveis as coisas que se determinam pelo seu género, qualidade e quantidade, quando constituam objecto de relações jurídicas.

ARTIGO 208.º

(Coisas consumíveis)

São consumíveis as coisas cujo uso regular importa a sua destruição ou a sua alienação.

ARTIGO 209.º

(Coisas divisíveis)

São divisíveis as coisas que podem ser fraccionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam.

ARTIGO 210.º

(Coisas acessórias)

1. São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo partes integrantes, estão afectadas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de uma outra.

2. Os negócios jurídicos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as coisas acessórias.

ARTIGO 211.º

(Coisas futuras)

São coisas futuras as que não estão em poder do disponente, ou a que este não tem direito, ao tempo da declaração negocial.

ARTIGO 212.º

(Frutos)

1. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periòdicamente, sem prejuízo da sua substância.

2. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm directamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica.

3. Consideram-se frutos das universalidades de animais as crias não destinadas à substituição das cabeças que por qualquer causa vierem a faltar, os despojos, e todos os proventos auferidos, ainda que a título eventual.

ARTIGO 213.º

(Partilha dos frutos)

1. Os que têm direito aos frutos naturais até um momento determinado, ou a partir de certo momento, fazem seus todos os frutos percebidos durante a vigência do seu direito.

2. Quanto a frutos civis, a partilha faz-se proporcionalmente à duração do direito.

ARTIGO 214.º

(Frutos colhidos prematuramente)

Quem colher prematuramente frutos naturais é obrigado a restituí-los, se vier a extinguir-se o seu direito antes da época normal das colheitas.

ARTIGO 215.º

(Restituição de frutos)

1. Quem for obrigado por lei à restituição de frutos percebidos tem direito a ser indemnizado das despesas de cultura, sementes e matérias-primas e dos restantes encargos de produção e colheita, desde que não sejam superiores ao valor desses frutos.

2. Quando se trate de frutos pendentes, o que é obrigado à entrega da coisa não tem direito a qualquer indemnização, salvo nos casos especialmente previstos na lei.

ARTIGO 216.º

(Benfeitorias)

1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.

SUBTÍTULO III — Dos factos jurídicos

CAPÍTULO I — Negócio jurídico

SECÇÃO I — Declaração negocial

SUBSECÇÃO I — Modalidades da declaração
ARTIGO 217.º

(Declaração expressa e declaração tácita)

1. A declaração negocial pode ser expressa ou tácita: é expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita, quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

2. O carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tàcitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.

ARTIGO 218.º

(O silêncio como meio declarativo)

O silêncio vale como declaração negocial, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção.

SUBSECÇÃO II — Forma
ARTIGO 219.º

(Liberdade de forma)

A validade da declaração negocial não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei a exigir.

ARTIGO 220.º

(Inobservância da forma legal)

A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.

ARTIGO 221.º

(Âmbito da forma legal)

1. As estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são nulas, salvo quando a razão determinante da forma lhes não seja aplicável e se prove que correspondem à vontade do autor da declaração.

2. As estipulações posteriores ao documento só estão sujeitas à forma legal prescrita para a declaração se as razões da exigência especial da lei lhes forem aplicáveis.

ARTIGO 222.º

(Âmbito da forma voluntária)

1. Se a forma escrita não for exigida por lei, mas tiver sido adoptada pelo autor da declaração, as estipulações verbais acessórias anteriores ao escrito, ou contemporâneas dele, são válidas, quando se mostre que correspondem à vontade do declarante e a lei as não sujeite à forma escrita.

2. As estipulações verbais posteriores ao documento são válidas, excepto se, para o efeito, a lei exigir a forma escrita.

ARTIGO 223.º

(Forma convencional)

1. Podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada.

2. Se, porém, a forma só for convencionada depois de o negócio estar concluído ou no momento da sua conclusão, e houver fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo, presume-se que a convenção teve em vista a consolidação do negócio, ou qualquer outro efeito, mas não a sua substituição.

SUBSECÇÃO III — Perfeição da declaração negocial
ARTIGO 224.º

(Eficácia da declaração negocial)

1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.

2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.

3. A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz.

ARTIGO 225.º

(Anúncio público da declaração)

A declaração pode ser feita mediante anúncio publicado num dos jornais da residência do declarante, quando se dirija a pessoa desconhecida ou cujo paradeiro seja por aquele ignorado.

ARTIGO 226.º

(Morte, incapacidade ou indisponibilidade superveniente)

1. A morte ou incapacidade do declarante, posterior à emissão da declaração, não prejudica a eficácia desta, salvo se o contrário resultar da própria declaração.

2. A declaração é ineficaz, se o declarante, enquanto o destinatário não a receber ou dela não tiver conhecimento, perder o poder de disposição do direito a que ela se refere.

ARTIGO 227.º

(Culpa na formação dos contratos)

1. Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.

2. A responsabilidade prescreve nos termos do artigo 498.º

ARTIGO 228.º

(Duração da proposta contratual)

1. A proposta de contrato obriga o proponente nos termos seguintes:

a) Se for fixado pelo proponente ou convencionado pelas partes um prazo para a aceitação, a proposta mantém-se até o prazo findar;

b) Se não for fixado prazo, mas o proponente pedir resposta imediata, a proposta mantém-se até que, em condições normais, esta e a aceitação cheguem ao seu destino;

c) Se não for fixado prazo e a proposta for feita a pessoa ausente ou, por escrito, a pessoa presente, manter-se-á até cinco dias depois do prazo que resulta do preceituado na alínea precedente.

2. O disposto no número anterior não prejudica o direito de revogação da proposta nos termos em que a revogação é admitida no artigo 230.º

ARTIGO 229.º

(Recepção tardia)

1. Se o proponente receber a aceitação tardiamente, mas não tiver razões para admitir que ela foi expedida fora de tempo, deve avisar imediatamente o aceitante de que o contrato se não concluiu, sob pena de responder pelo prejuízo havido.

2. O proponente pode, todavia, considerar eficaz a resposta tardia, desde que ela tenha sido expedida em tempo oportuno; em qualquer outro caso, a formação do contrato depende de nova proposta e nova aceitação.

ARTIGO 230.º

(Irrevogabilidade da proposta)

1. Salvo declaração em contrário, a proposta de contrato é irrevogável depois de ser recebida pelo destinatário ou de ser dele conhecida.

2. Se, porém, ao mesmo tempo que a proposta, ou antes dela, o destinatário receber a retractação do proponente ou tiver por outro meio conhecimento dela, fica a proposta sem efeito.

3. A revogação da proposta, quando dirigida ao público, é eficaz, desde que seja feita na forma da oferta ou em forma equivalente.

ARTIGO 231.º

(Morte ou incapacidade do proponente ou do destinatário)

1. Não obsta à conclusão do contrato a morte ou incapacidade do proponente, excepto se houver fundamento para presumir que outra teria sido a sua vontade.

2. A morte ou incapacidade do destinatário determina a ineficácia da proposta.

ARTIGO 232.º

(Âmbito do acordo de vontades)

O contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo.

ARTIGO 233.º

(Aceitação com modificações)

A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa rejeição da proposta; mas, se a modificação for suficientemente precisa, equivale a nova proposta, contanto que outro sentido não resulte da declaração.

ARTIGO 234.º

(Dispensa da declaração de aceitação)

Quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.

ARTIGO 235.º

(Revogação da aceitação ou da rejeição)

1. Se o destinatário rejeitar a proposta, mas depois a aceitar, prevalece a aceitação, desde que esta chegue ao poder do proponente, ou seja dele conhecida, ao mesmo tempo que a rejeição, ou antes dela.

2. A aceitação pode ser revogada mediante declaração que ao mesmo tempo, ou antes dela, chegue ao poder do proponente ou seja dele conhecida.

SUBSECÇÃO IV — Interpretação e integração
ARTIGO 236.º

(Sentido normal da declaração)

1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoàvelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

ARTIGO 237.º

(Casos duvidosos)

Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

ARTIGO 238.º

(Negócios formais)

1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

ARTIGO 239.º

(Integração)

Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta.

SUBSECÇÃO V — Falta e vícios da vontade
ARTIGO 240.º

(Simulação)

1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.

2. O negócio simulado é nulo.

ARTIGO 241.º

(Simulação relativa)

1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado.

2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei.

ARTIGO 242.º

(Legitimidade para arguir a simulação)

1. Sem prejuízo do disposto no artigo 286.º, a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta.

2. A nulidade pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.

ARTIGO 243.º

(Inoponibilidade da simulação a terceiros de boa fé)

1. A nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de boa fé.

2. A boa fé consiste na ignorância da simulação ao tempo em que foram constituídos os respectivos direitos.

3. Considera-se sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito posteriormente ao registo da acção de simulação, quando a este haja lugar.

ARTIGO 244.º

(Reserva mental)

1. Há reserva mental, sempre que é emitida uma declaração contrária à vontade real com o intuito de enganar o declaratário.

2. A reserva não prejudica a validade da declaração, excepto se for conhecida do declaratário; neste caso, a reserva tem os efeitos da simulação.

ARTIGO 245.º

(Declarações não sérias)

1. A declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece de qualquer efeito.

2. Se, porém, a declaração for feita em circunstâncias que induzam o declaratário a aceitar justificadamente a sua seriedade, tem ele o direito de ser indemnizado pelo prejuízo que sofrer.

ARTIGO 246.º

(Falta de consciência da declaração e coacção física)

A declaração não produz qualquer efeito, se o declarante não tiver a consciência de fazer uma declaração negocial ou for coagido pela força física a emiti-la; mas, se a falta de consciência da declaração foi devida a culpa, fica o declarante obrigado a indemnizar o declaratário.

ARTIGO 247.º

(Erro na declaração)

Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.

ARTIGO 248.º

(Validação do negócio)

A anulabilidade fundada em erro na declaração não procede, se o declaratário aceitar o negócio como o declarante o queria.

ARTIGO 249.º

(Erro de cálculo ou de escrita)

O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.

ARTIGO 250.º

(Erro na transmissão da declaração)

1. A declaração negocial inexactamente transmitida por quem seja incumbido da transmissão pode ser anulada nos termos do artigo 247.º

2. Quando, porém, a inexactidão for devida a dolo do intermediário, a declaração é sempre anulável.

ARTIGO 251.º

(Erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio)

O erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º

ARTIGO 252.º

(Erro sobre os motivos)

1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.

ARTIGO 253.º

(Dolo)

1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.

2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções.

ARTIGO 254.º

(Efeitos do dolo)

1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.

2. Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele; mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido.

ARTIGO 255.º

(Coacção moral)

1. Diz-se feita sob coacção moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.

2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro.

3. Não constitui coacção a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverencial.

ARTIGO 256.º

(Efeitos da coacção)

A declaração negocial extorquida por coacção é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação.

ARTIGO 257.º

(Incapacidade acidental)

1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.

2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.

SUBSECÇÃO VI — Representação
DIVISÃO I — Princípios gerais
ARTIGO 258.º

(Efeitos da representação)

O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último.

ARTIGO 259.º

(Falta ou vícios da vontade e estados subjectivos relevantes)

1. A excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.

2. Ao representado de má fé não aproveita a boa fé do representante.

ARTIGO 260.º

(Justificação dos poderes do representante)

1. Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.

2. Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante.

ARTIGO 261.º

(Negócio consigo mesmo)

1. É anulável o negócio celebrado pelo representante consigo mesmo, seja em nome próprio, seja em representação de terceiro, a não ser que o representado tenha especificadamente consentido na celebração, ou que o negócio exclua por sua natureza a possibilidade de um conflito de interesses.

2. Considera-se celebrado pelo representante, para o efeito do número precedente, o negócio realizado por aquele em quem tiverem sido substabelecidos os poderes de representação.

DIVISÃO II — Representação voluntária
ARTIGO 262.º

(Procuração)

1. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntàriamente, poderes representativos.

2. Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.

ARTIGO 263.º

(Capacidade do procurador)

O procurador não necessita de ter mais do que a capacidade de entender e querer exigida pela natureza do negócio que haja de efectuar.

ARTIGO 264.º

(Substituição do procurador)

1. O procurador só pode fazer-se substitutir por outrem se o representado o permitir ou se a faculdade de substituição resultar do conteúdo da procuração ou da relação jurídica que a determina.

2. A substituição não envolve exclusão do procurador primitivo, salvo declaração em contrário.

3. Sendo autorizada a substituição, o procurador só é responsável para com o representado se tiver agido com culpa na escolha do substituto ou nas instruções que lhe deu.

4. O procurador pode servir-se de auxiliares na execução da procuração, se outra coisa não resultar do negócio ou da natureza do acto que haja de praticar.

ARTIGO 265.º

(Extinção da procuração)

1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado.

2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.

3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.

ARTIGO 266.º

(Protecção de terceiros)

1. As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.

2. As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que, sem culpa, as tenha ignorado.

ARTIGO 267.º

(Restituição do documento da representação)

1. O representante deve restituir o documento de onde constem os seus poderes, logo que a procuração tiver caducado.

2. O representante não goza do direito de retenção do documento.

ARTIGO 268.º

(Representação sem poderes)

1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.

2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.

3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.

4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.

ARTIGO 269.º

(Abuso da representação)

O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.

SUBSECÇÃO VII — Condição e termo
ARTIGO 270.º

(Noção de condição)

As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva.

ARTIGO 271.º

(Condições ilícitas ou impossíveis)

1. É nulo o negócio jurídico subordinado a uma condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes.

2. É igualmente nulo o negócio sujeito a uma condição suspensiva que seja física ou legalmente impossível; se for resolutiva, tem-se a condição por não escrita.

ARTIGO 272.º

(Pendência da condição)

Aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, ou adquirir um direito sob condição resolutiva, deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.

ARTIGO 273.º

(Pendência da condição: actos conservatórios)

Na pendência da condição suspensiva, o adquirente do direito pode praticar actos conservatórios, e igualmente os pode realizar, na pendência da condição resolutiva, o devedor ou o alienante condicional.

ARTIGO 274.º

(Pendência da condição: actos dispositivos)

1. Os actos de disposição dos bens ou direitos que constituem objecto do negócio condicional, realizados na pendência da condição, ficam sujeitos à eficácia ou ineficácia do próprio negócio, salvo estipulação em contrário.

2. Se houver lugar à restituição do que tiver sido alienado, é aplicável, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes em relação ao possuidor de boa fé.

ARTIGO 275.º

(Verificação e não verificação da condição)

1. A certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação.

2. Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.

ARTIGO 276.º

(Retroactividade da condição)

Os efeitos do preenchimento da condição retrotraem-se à data da conclusão do negócio, a não ser que, pela vontade das partes ou pela natureza do acto, hajam de ser reportados a outro momento.

ARTIGO 277.º

(Não retroactividade)

1. Sendo a condição resolutiva aposta a um contrato de execução continuada ou periódica, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 434.º

2. O preenchimento da condição não prejudica a validade dos actos de administração ordinária realizados, enquanto a condição estiver pendente, pela parte a quem incumbir o exercício do direito.

3. A aquisição de frutos pela parte a que se refere o número anterior são aplicáveis as disposições relativas à aquisição de frutos pelo possuidor de foa fé.

ARTIGO 278.º

(Termo)

Se for estipulado que os efeitos do negócio jurídico comecem ou cessem a partir de certo momento, é aplicável à estipulação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 272.º e 273.º

ARTIGO 279.º

(Cômputo do termo)

À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respectivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respectivamente, primeiro dia do ano, o dia 30 de Junho e o dia 31 de Dezembro;

b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

d) É havido, respectivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por oito ou quinze dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por 24 ou 48 horas;

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.

SECÇÃO II — Objecto negocial. Negócios usurários

ARTIGO 280.º

(Requisitos do objecto negocial)

1. É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.

6. É nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes.

ARTIGO 281.º

(Fim contrário à lei ou à ordem pública,

ou ofensivo dos bons costumes)

Se apenas o fim do negócio jurídico for contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes, o negócio só é nulo quando o fim for comum a ambas as partes.

ARTIGO 282.º

(Negócios usurários)

1 — É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.

2 — Fica ressalvado o regime especial estabelecido aos artigos 559.º-A e 1146.º

ARTIGO 283.º

(Modificação dos negócios usurários)

1. Em lugar da anulação, o lesado pode requerer a modificação do negócio segundo juízos de equidade.

2. Requerida a anulação, a parte contrária tem a faculdade de opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do negócio nos termos do número anterior.

ARTIGO 284.º

(Usura criminosa)

Quando o negócio usurário constituir crime, o prazo para o exercício do direito de anulação ou modificação não termina enquanto o crime não prescrever; e, se a responsabilidade criminal se extinguir por causa diferente da prescrição ou no juízo penal for proferida sentença que transite em julgado, aquele prazo conta-se da data da extinção da responsabilidade criminal ou daquela em que a sentença transitar em julgado, salvo se houver de contar-se a partir de momento posterior, por força do disposto no n.º 1 do artigo 287.º

SECÇÃO III — Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico

ARTIGO 285.º

(Disposição geral)

Na falta de regime especial, são aplicáveis à nulidade e à anulabilidade do negócio jurídico as disposições dos artigos subsequentes.

ARTIGO 286.º

(Nulidade)

A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal.

ARTIGO 287.º

(Anulabilidade)

1. Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.

2. Enquanto, porém, o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de acção como por via de excepção.

ARTIGO 286.º

(Confirmação)

1. A anulabilidade é sanável mediante confirmação.

2. A confirmação compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação, e só é eficaz quando for posterior à cessação do vício que serve de fundamento à anulabilidade e o seu autor tiver conhecimento do vício e do direito à anulação.

3. A confirmação pode ser expressa ou tácita e não depende de forma especial.

4. A confirmação tem eficácia retroactiva, mesmo em relação a terceiro.

ARTIGO 289.º

(Efeitos da declaração de nulidade e da anulação)

1. Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento.

3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes.

ARTIGO 290.º

(Momento da restituição)

As obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultâneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção de não cumprimento do contrato.

ARTIGO 291.º

(Inoponibilidade da nulidade e da anulação)

1. A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio.

2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável.

ARTIGO 292.º

(Redução)

A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

ARTIGO 293.º

(Conversão)

O negócio nulo ou anulado pode converter-se num negócio de tipo ou conteúdo diferente, do qual contenha os requisitos essenciais de substância e de forma, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido, se tivessem previsto a invalidade.

ARTIGO 294.º

(Negócios celebrados contra a lei)

Os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.

CAPÍTULO II — Actos jurídicos

ARTIGO 295.º

(Disposições reguladoras)

Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, as disposições do capítulo precedente.

CAPÍTULO III — O tempo e sua repercussão nas relações jurídicas

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 296.º

(Contagem dos prazos)

As regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

ARTIGO 297.º

(Alteração de prazos)

1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.

2. A lei que fixar um prazo mais longa é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu momento inicial.

3. A doutrina dos números anteriores é extensiva, na parte aplicável, aos prazos fixados pelos tribunais ou por qualquer autoridade.

ARTIGO 298.º

(Prescrição, caducidade e não uso do direito)

1. Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição.

2. Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.

3. Os direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície e servidão não prescrevem, mas podem extinguir-se pelo não uso nos casos especialmente previstos na lei, sendo aplicáveis nesses casos, na falta de disposição em contrário, as regras da caducidade.

ARTIGO 299.º

(Alteração de qualificação)

1. Se a lei considerar de caducidade um prazo que a lei anterior tratava como prescricional, ou se, ao contrário, considerar como prazo de prescrição o que a lei antiga tratava como caso de caducidade, a nova qualificação é também aplicável aos prazos em curso.

2. No primeiro caso, porém, se a prescrição estiver suspensa ou tiver sido interrompida no domínio da lei antiga, nem a suspensão nem a interrupção serão atingidas pela aplicação da nova lei; no segundo, o prazo passa a ser susceptível de suspensão e interrupção nos termos gerais da prescrição.

SECÇÃO II — Prescrição

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais
ARTIGO 300.º

(Inderrogabilidade do regime da prescrição)

São nulos os negócos jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.

ARTIGO 301.º

(A quem aproveita a prescrição)

A prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes.

ARTIGO 302.º

(Renúncia da prescrição)

1. A renúncia da prescrição só é admitida depois de haver decorrido o prazo prescricional.

2. A renúncia pode ser tácita e não necessita de ser aceita pelo beneficiário.

3. Só tem legitimidade para renunciar à prescrição quem puder dispor do benefício que a prescrição tenha criado.

ARTIGO 303.º

(Invocação da prescrição)

O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição: esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

ARTIGO 304.º

(Efeitos da prescrição)

1. Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

2. Não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontâneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias.

3. No caso de venda com reserva de propriedade até ao pagamento do preço, se prescrever o crédito do preço, pode o vendedor, não obstante a prescrição, exigir a restituição da coisa quando o preço não seja pago.

ARTIGO 305.º

(Oponibilidade da prescrição por terceiro)

1. A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado.

2. Se, porém, o devedor tiver renunciado, a prescrição só pode ser invocada pelos credores desde que se verifiquem os requisitos exigidos para a impugnação pauliana.

3. Se, demandado o devedor, este não alegar a prescrição e for condenado, o caso julgado não afecta o direito reconhecido aos seus credores.

ARTIGO 306.º

(Início do curso da prescrição)

1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário de prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.

2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.

3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele.

4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.

ARTIGO 307.º

(Prestações periódicas)

Tratando-se de renda perpétua ou vitalícia ou de outras prestações periódicas análogas, a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.

ARTIGO 308.º

(Transmissão)

1. Depois de iniciada, a prescrição continua a correr, ainda que o direito passe para novo titular.

2. Se a dívida for assumida por terceiro, a prescrição continua a correr em benefício dele, a não ser que a assunção importe reconhecimento interruptivo da prescrição.

SUBSECÇÃO II — Prazos da prescrição
ARTIGO 309.º

(Prazo ordinário)

O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.

ARTIGO 310.º

(Prescrição de cinco anos)

Prescrevem no prazo de cinco anos:

a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;

b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;

c) Os foros;

d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;

e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;

f) As pensões alimentícias vencidas;

g) Quaisquer outras prestações periòdicamente renováveis.

ARTIGO 311.º

(Direitos reconhecidos em sentença ou título executivo)

1. O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo.

2. Quando, porém, a sentença ou o outro título se referir a prestações ainda não devidas, a prescrição continua a ser, em relação a elas, a de curto prazo.

SUBSECÇÃO III — Prescrições presuntivas
ARTIGO 312.º

(Fundamento das prescrições presuntivas)

As prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de cumprimento.

ARTIGO 313.º

(Confissão do devedor)

1. A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.

2. A confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito.

ARTIGO 314.º

(Confissão tácita)

Considera-se confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.

ARTIGO 315.º

(Aplicação das regras gerais)

As obrigações sujeitas a prescrição presuntiva estão subordinadas, nos termos gerais, às regras da prescrição ordinária.

ARTIGO 316.º

(Prescrição de seis meses)

Prescrevem no prazo de seis meses os créditos de estabelecimentos de alojamento, comidas ou bebidas, pelo alojamento, comidas ou bebidas que forneçam, sem prejuízo do disposto na alínea a) ao artigo seguinte.

ARTIGO 317.º

(Prescrição de dois anos)

Prescrevem no prazo de dois anos:

a) Os créditos dos estabelecimentos que forneçam alojamento, ou alojamento e alimentação, a estudantes, bem como os créditos dos estabelecimentos de ensino, educação, assistência ou tratamento, relativamente aos serviços prestados;

b) Os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio, e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor;

c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.

SUBSECÇÃO IV — Suspensão da prescrição
ARTIGO 316.º

(Causas bilaterais da suspensão)

A prescrição não começa nem corre:

a) Entre os cônjuges, ainda que separados judicialmente de pessoas e bens;

b) Entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, entre o tutor e o tutelado ou entre o curador e o curatelado;

c) Entre as pessoas cujos bens estejam sujeitos, por lei ou por determinação judicial ou de terceiro, à administração de outrem e aquelas que exercem a administração, até serem aprovadas as contas finais;

d) Entre as pessoas colectivas e os respectivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem;

e) Entre quem presta o trabalho doméstico e o respectivo patrão, enquanto o contrato durar;

f) Enquanto o devedor for usufrutuário do crédito ou tiver direito de penhor sobre ele.

ARTIGO 319.º

(Suspensão a favor de militares e pessoas adstritas

às forças militares)

A prescrição não começa nem corre contra militares em serviço, durante o tempo de guerra ou mobilização, dentro ou fora do País, ou contra as pessoas que estejam, por motivo de serviço, adstritas às forças militares.

ARTIGO 320.º

Suspensão a favor de menores e dos maiores acompanhados

1 — A prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.

2 — Tratando-se de prescrições presuntivas, a prescrição não se suspende, mas não se completa sem ter decorrido um ano sobre a data em que o menor passou a ter representante legal ou administrador dos seus bens ou adquiriu plena capacidade.

3 — O disposto nos números anteriores é aplicável aos maiores acompanhados que não tenham capacidade para exercer o seu direito, com a diferença de que a incapacidade se considera finda, caso não tenha cessado antes, passados três anos sobre o termo do prazo que seria aplicável se a suspensão se não houvesse verificado.

ARTIGO 321.º

(Suspensão por motivo de força maior ou dolo do obrigado)

1. A prescrição suspende-se durante o tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito, por motivo de força maior, no decurso dos últimos três meses do prazo.

2. Se o titular não tiver exercido o seu direito em consequência de dolo do obrigado, é aplicável o disposto no número anterior.

ARTIGO 322.º

(Prescrição dos direitos da herança ou contra ela)

A prescrição de direitos da herança ou contra ela não se completa antes de decorridos seis meses depois de haver pessoa por quem ou contra quem os direitos possam ser invocados.

SUBSECÇÃO V — Interrupção da prescrição
ARTIGO 323.º

(Interrupção promovida pelo titular)

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

ARTIGO 324.º

(Compromisso arbitral)

1. O compromisso arbitral interrompe a prescrição relativamente ao direito que se pretende tornar efectivo.

2. Havendo cláusula compromissória ou sendo o julgamento arbitral determinado por lei, a prescrição considera-se interrompida quando se verifique algum dos casos previstos no artigo anterior.

ARTIGO 325.º

(Reconhecimento)

1. A prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.

2. O reconhecimento tácito só é relevante quando resulto de factos que inequivocamente o exprimam.

ARTIGO 326.º

(Efeitos da interrupção)

1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.º 1 e 3 do artigo seguinte.

2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.º

ARTIGO 327.º

(Duração da interrupção)

1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.

3. Se, por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instância ou ficar sem efeito o compromisso arbitral, e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao trânsito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna ineficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses.

SECÇÃO III — Caducidade

ARTIGO 328.º

(Suspensão e interrupção)

O prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.

ARTIGO 329.º

(Começo do prazo)

O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.

ARTIGO 330.º

(Estipulações válidas sobre a caducidade)

1. São válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal desta ou se renuncie a ela, contanto que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais da prescrição.

2. São aplicáveis aos casos convencionais de caducidade, na dúvida acerca da vontade dos contraentes, as disposições relativas à suspensão da prescrição.

ARTIGO 331.º

(Causas impeditivas da caducidade)

1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.

2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

ARTIGO 332.º

(Absolvição e interrupção da instância e ineficácia

do compromisso arbitral)

1. Quando a caducidade se referir ao direito de propor certa acção em juízo e esta tiver sido tempestivamente proposta, é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 327.º; mas, se o prazo fixado para a caducidade for inferior a dois meses, é substituído por ele o designado nesse preceito.

2. Nos casos previstos na primeira parte do número anterior, se a instância se tiver interrompido, não se conta para efeitos de caducidade o prazo decorrido entre a proposição da acção e a interrupção da instância.

ARTIGO 333.º

(Apreciação oficiosa da caducidade)

1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.

2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º

SUBTÍTULO IV — Do exercício e tutela dos direitos

CAPÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 334.º

(Abuso do direito)

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

ARTIGO 335.º

(Colisão de direitos)

1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.

2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.

ARTIGO 336.º

(Acção directa)

1. É lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, quando a acção directa for indispensável, pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercivos normais, para evitar a inutilização prática desse direito, contanto que o agente não exceda o que for necessário para evitar o prejuízo.

2. A acção directa pode consistir na apropriação, destruição ou deterioração de uma coisa, na eliminação da resistência irregularmente oposta ao exercício do direito, ou noutro acto análogo.

3. A acção directa não é lícita, quando sacrifique interesses superiores aos que o agente visa realizar ou assegurar.

ARTIGO 337.º

(Legítima defesa)

1. Considera-se justificado o acto destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo acto não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.

2. O acto considera-se igualmente justificado, ainda que haja excesso de legítima defesa, se o excesso for devido a perturbação ou medo não culposo do agente.

ARTIGO 338.º

(Erro acerca dos pressupostos da acção directa

ou da legítima defesa)

Se o titular do direito agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a acção directa ou a legítima defesa, é obrigado a indemnizar o prejuízo causado, salvo se o erro for desculpável.

ARTIGO 339.º

(Estado de necessidade)

1. É lícita a acção daquele que destruir ou danificar coisa alheia com o fim de remover o perigo actual de um dano manifestamente superior, quer do agente, quer de terceiro.

2. O autor da destruição ou do dano é, todavia, obrigado a indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido, se o perigo for provocado por sua culpa exclusiva; em qualquer outro caso, o tribunal pode fixar uma indemnização equitativa e condenar nela não só o agente, como aqueles que tiraram proveito do acto ou contribuíram para o estado de necessidade.

ARTIGO 340.º

(Consentimento do lesado)

1. O acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão.

2. O consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes.

3. Tem-se por consentida a lesão, quando esta se deu no interesse do lesado e de acordo com a sua vontade presumível.

CAPÍTULO II — Provas

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 341.º

(Função das provas)

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.

ARTIGO 342.º

(Ónus da prova)

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

ARTIGO 343.º

(Ónus da prova em casos especiais)

1. Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

2. Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.

3. Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo.

ARTIGO 344.º

(Inversão do ónus da prova)

1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.

2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.

ARTIGO 345.º

(Convenções sobre as provas)

1. É nula a convenção que inverta o ónus da prova, quando se trate de direito indisponível ou a inversão torne excessivamente difícil a uma das partes o exercício do direito.

2. É nula, nas mesmas condições, a convenção que excluir algum meio legal de prova ou admitir um meio de prova diverso dos legais; mas, se as determinações legais quanto à prova tiverem por fundamento razões de ordem pública, a convenção é nula em quaisquer circunstâncias.

ARTIGO 346.º

(Contraprova)

Salvo o disposto no artigo seguinte, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova.

ARTIGO 347.º

(Modo de contrariar a prova legal plena)

A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei.

ARTIGO 348.º

(Direito consuetudinário, local, ou estrangeiro)

1. Aquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.

2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.

3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do direito comum português.

SECÇÃO II — Presunções

ARTIGO 349.º

(Noção)

Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.

ARTIGO 350.º

(Presunções legais)

1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.

2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.

ARTIGO 351.º

(Presunções judiciais)

As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.

SECÇÃO III — Confissão

ARTIGO 352.º

(Noção)

Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.

ARTIGO 353.º

(Capacidade e legitimação)

1. A confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira.

2. A confissão feita pelo litisconsorte é eficaz, se o litisconsórcio for voluntário, embora o seu efeito se restrinja ao interesse do confitente; mas não o é, se o litisconsórcio for necessário.

3. A confissão feita por um substituto processual não é eficaz contra o substituído.

ARTIGO 354.º

(Inadmissibilidade da confissão)

A confissão não faz prova contra o confitente:

a) Se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba;

b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis;

c) Se o facto confessado for impossível ou notòriamente inexistente.

ARTIGO 355.º

(Modalidades)

1. A confissão pode ser judicial ou extrajudicial.

2. Confissão judicial é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária.

3. A confissão feita num processo só vale como judicial nesse processo; a realizada em qualquer procedimento preliminar ou incidental só vale como confissão judicial na acção correspondente.

4. Confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial.

ARTIGO 356.º

(Formas da confissão judicial)

1. A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado.

2. A confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal.

ARTIGO 357.º

(Declaração confessória)

1. A declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar.

2. Se for ordenado o depoimento de parte ou o comparecimento desta para prestação de informações ou esclarecimentos, mas ela não comparecer ou se recusar a depor ou a prestar as informações ou esclarecimentos, sem provar justo impedimento, ou responder que não se recorda ou nada sabe, o tribunal apreciará livremente o valor da conduta da parte para efeitos probatórios.

ARTIGO 358.º

(Força probatória da confissão)

1. A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.

2. A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita á parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.

3. A confissão extrajudicial não constante de documento não pode ser provada por testemunhas nos casos em que não é admitida a prova testemunhal; quando esta seja admitida, a força probatória da confissão é livremente apreciada pelo tribunal.

4. A confissão judicial que não seja escrita e a confissão extrajudicial feita a terceiro ou contida em testamento são apreciadas livremente pelo tribunal.

ARTIGO 359.º

(Nulidade e anulabilidade da confissão)

1. A confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação.

2. O erro, desde que seja essencial, não tem de satisfazer aos requisitos exigidos para a anulação dos negócios jurídicos.

ARTIGO 360.º

(Indivisibilidade da confissão)

Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão.

ARTIGO 361.º

(Valor do reconhecimento não confessório)

O reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente.

SECÇÃO IV — Prova documental

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais
ARTIGO 362.º

(Noção)

Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto.

ARTIGO 363.º

(Modalidades dos documentos escritos)

1. Os documentos escritos podem ser autênticos ou particulares.

2. Autênticos são os documentos exarados, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública; todos os outros documentos são particulares.

3. Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais.

ARTIGO 364.º

(Exigência legal de documento escrito)

1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.

ARTIGO 365.º

(Documentos passados em país estrangeiro)

1. Os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal.

2. Se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização.

ARTIGO 366.º

(Falta de requisitos legais)

A força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal.

ARTIGO 367.º

(Reforma de documentos escritos)

Podem ser reformados judicialmente os documentos escritos que por qualquer modo tiverem desaparecido.

ARTIGO 368.º

(Reproduções mecânicas)

As reproduções fotográficas ou cinematográficas, os registos fonográficos e, de um modo geral, quaisquer outras reproduções mecânicas de factos ou de coisas fazem prova plena dos factos e das coisas que representam, se a parte contra quem os documentos são apresentados não impugnar a sua exactidão.

SUBSECÇÃO II — Documentos autênticos
ARTIGO 369.º

(Competência da autoridade ou oficial público)

1. O documento só é autêntico quando a autoridade ou oficial público que o exara for competente, em razão da matéria e do lugar, e não estiver legalmente impedido de o lavrar.

2. Considera-se, porém, exarado por autoridade ou oficial público competente o documento lavrado por quem exerça pùblicamente as respectivas funções, a não ser que os intervenientes ou beneficiários conhecessem, no momento da sua feitura, a falsa qualidade da autoridade ou oficial público, a sua incompetência ou a irregularidade da sua investidura.

ARTIGO 370.º

(Autenticidade)

1. Presume-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído, quando estiver subscrito pelo autor com assinatura reconhecida por notário ou com o selo do respectivo serviço.

2. A presunção de autenticidade pode ser ilidida mediante prova em contrário, e pode ser excluída oficiosamente pelo tribunal quando seja manifesta pelos sinais exteriores do documento a sua falta de autenticidade; em caso de dúvida, pode ser ouvida a autoridade ou oficial público a quem o documento é atribuído.

3. Quando o documento for anterior ao século XVIII, a sua autenticidade será estabelecida por meio de exame feito na Torre do Tombo, desde que seja contestada ou posta em dúvida por alguma das partes ou pela entidade a quem o documento for apresentado.

ARTIGO 371.º

(Força probatória)

1. Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.

2. Se o documento contiver palavras emendadas, truncadas ou escritas sobre rasuras ou entrelinhas, sem a devida ressalva, determinará o julgador livremente a medida em que os vícios externos do documento excluem ou reduzem a sua força probatória.

ARTIGO 372.º

(Falsidade)

1. A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade.

2. O documento é falso, quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi.

3. Se a falsidade for evidente em face dos sinais exteriores do documento, pode o tribunal, oficiosamente, declará-lo falso.

SUBSECÇÃO III — Documentos particulares
ARTIGO 373.º

(Assinatura)

1. Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor, ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar.

2. Nos títulos emitidos em grande número ou nos demais casos em que o uso o admita, pode a assinatura ser substituída por simples reprodução mecânica.

3. Se o documento for subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler, a subscrição só obriga quando feita ou confirmada perante notário, depois de lido o documento ao subscritor.

4. O rogo deve igualmente ser dado ou confirmado perante notário, depois de lido o documento ao rogante.

ARTIGO 374.º

(Autoria da letra e da assinatura)

1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.

2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.

ARTIGO 375.º

(Reconhecimento notarial)

1. Se estiverem reconhecidas presencialmente, nos termos das leis notariais, a letra e a assinatura do documento, ou só a assinatura, têm-se por verdadeiras.

2. Se a parte contra quem o documento é apresentado arguir a falsidade do reconhecimento presencial da letra da assinatura, ou só da assinatura, a ela incumbe a prova dessa falsidade.

3. Salvo disposição legal em contrário, o reconhecimento por semelhança vale como mero juízo pericial.

ARTIGO 376.º

(Força probatória)

1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.

2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.

3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.

ARTIGO 377.º

(Documentos autenticados)

Os documentos particulares autenticados nos termos da lei notarial têm a força probatória dos documentos autênticos, mas não os substituem quando a lei exija documento desta natureza para a validade do acto.

ARTIGO 378.º

(Assinatura em branco)

Se o documento tiver sido assinado em branco, total ou parcialmente, o seu valor probatório pode ser ilidido, mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído.

ARTIGO 379.º

(Valor dos telegramas)

Os telegramas cujos originais tenham sido escritos e assinados, ou semente assinados, pela pessoa em nome de quem são expedidos, ou por outrem a seu rogo, nos termos do n.º 4 do artigo 373.º, são considerados para todos os efeitos como documentos particulares e estão sujeitos, como tais, ao disposto nos artigos anteriores.

SUBSECÇÃO IV — Disposições especiais
ARTIGO 380.º

(Registos e outros escritos)

1. Os registos e outros escritos onde habitualmente alguém tome nota dos pagamentos que lhe são efectuados fazem prova contra o seu autor, se indicarem inequivocamente, posto que mediante um simples sinal, a recepção de algum pagamento; mas o autor do escrito pode provar, por qualquer meio, que a nota não corresponde à realidade.

2. Têm igual força probatória os mesmos escritos, quando feitos e assinados por outrem, segundo instruções do credor.

3. É aplicável nestes casos a regra da indivisibilidade, nos termos prescritos para a prova por confissão.

ARTIGO 381.º

(Notas em seguimento, à margem ou no verso do documento)

1. A nota escrita pelo credor, ou por outrem segundo instruções dele, em seguimento, à margem ou no verso do documento que ficou em poder do credor, ainda que não esteja datada nem firmada, faz prova do facto anotado, se favorecer a exoneração do devedor.

2. Idêntico valor é atribuído à nota escrita pelo credor, ou segundo instruções dele, em seguimento, à margem ou no verso de documento de quitação ou de título de dívida em poder do devedor.

3. A força probatória das notas pode ser contrariada por qualquer meio de prova; mas, quando se trate de quitação no documento ou título em poder do devedor, se a nota estiver assinada pelo credor, são aplicáveis as regras legais acerca dos documentos particulares assinados pelo seu autor.

ARTIGO 382.º

(Cancelamento dos escritos ou notas)

Se forem cancelados pelo credor, os escritos a que se referem os dois artigos anteriores perdem a força probatória que neles lhes é atribuída, ainda que o cancelamento não prejudique a sua leitura, salvo quando forem feitos por exigência do devedor ou de terceiro, nos termos do artigo 788.º

ARTIGO 383.º

(Certidões)

1. As certidões de teor extraídas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas, quando expedidas pelo notário ou por outro depositário público autorizado, têm a força probatória dos originais.

2. A prova resultante da certidão de teor parcial pode ser invalidada ou modificada por meio da certidão de teor integral.

3. Qualquer interessado, e bem assim a autoridade pública a quem for exibida, para efeito de prova, uma certidão parcial, podem exigir do apresentante a exibição da certidão integral correspondente.

ARTIGO 384.º

(Certidões de certidões)

As certidões de certidões, expedidas na conformidade da lei, têm a força probatória das certidões de que forem extraídas.

ARTIGO 385.º

(Invalidação da força probatória das certidões)

1. A força probatória das certidões pode ser invalidada ou modificada por confronto com o original ou com a certidão de que foram extraídas.

2. A pessoa contra quem for apresentada a certidão pode exigir que o confronto seja feito na sua presença.

ARTIGO 386.º

(Públicas-formas)

1. As cópias de teor, total ou parcial, expedidas por oficial público autorizado e extraídas de documentos avulsos que lhe sejam apresentados para esse efeito têm a força probatória do respectivo original, se a parte contra a qual forem apresentadas não requerer a exibição desse original.

2. Requerida a exibição, a pública-forma não tem a força probatória do original, se este não for apresentado ou, sendo-o, se não mostrar conforme com ela.

ARTIGO 387.º

(Fotocópias de documentos)

1. As cópias fotográficas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas têm a força probatória das certidões de teor, se a conformidade delas com o original for atestada pela entidade competente para expedir estas últimas; é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 385.º

2. As cópias fotográficas de documentos estranhos aos arquivos mencionados no número anterior têm o valor da pública-forma, se a sua conformidade com o original for atestada por notário; é aplicável, neste caso, o disposto no artigo 386.º

SECÇÃO V — Prova pericial

ARTIGO 388.º

(Objecto)

A prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.

ARTIGO 389.º

(Força probatória)

A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.

SECÇÃO VI — Prova por inspecção

ARTIGO 390.º

(Objecto)

A prova por inspecção tem por fim a percepção directa de factos pelo tribunal.

ARTIGO 391.º

(Força probatória)

O resultado da inspecção é livremente apreciado pelo tribunal.

SECÇÃO VII — Prova testemunhal

ARTIGO 392.º

(Admissibilidade)

A prova por testemunhas é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada.

ARTIGO 393.º

(Inadmissibilidade da prova testemunhal)

1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.

2. Também não é admitida prova por testemunhas; quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.

3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.

ARTIGO 394.º

(Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele)

1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

4. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

5. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.

ARTIGO 395.º

(Factos extintivos da obrigação)

As disposições dos artigos precedentes são aplicáveis ao cumprimento, remissão, novação, compensação e, de um modo geral, aos contratos extintivos da relação obrigacional, mas não aos factos extintivos da obrigação, quando invocados por terceiro.

ARTIGO 396.º

(Força probatória)

A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.

LIVRO II — DIREITO DAS OBRIGAÇÕES

TÍTULO I — Das obrigações em geral

CAPÍTULO I — Disposições gerais

SECÇÃO I — Conteúdo da obrigação

ARTIGO 397.º

(Noção)

Obrigação é o vínculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.

ARTIGO 398.º

(Conteúdo da prestação)

1. As partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação.

2. A prestação não necessita de ter valor pecuniário; mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de protecção legal.

ARTIGO 399.º

(Prestação de coisa futura)

É admitida a prestação de coisa futura sempre que a lei não a proíba.

ARTIGO 400.º

(Determinação da prestação)

1. A determinação da prestação pode ser confiada a uma ou outra das partes ou a terceiro; em qualquer dos casos deve ser feita segundo juízos de equidade, se outros critérios não tiverem sido estipulados.

2. Se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto acerca das obrigações genéricas e alternativas.

ARTIGO 401.º

(Impossibilidade originária da prestação)

1. A impossibilidade originária da prestação produz a nulidade do negócio jurídico.

2. O negócio é, porém, válido, se a obrigação for assumida para o caso de a prestação se tornar possível, ou se, estando o negócio dependente de condição suspensiva ou de termo inicial, a prestação se tornar possível até à verificação da condição ou até ao vencimento do termo.

3. Só se considera impossível a prestação que o seja relativamente ao objecto, e não apenas em relação à pessoa do devedor.

SECÇÃO II — Obrigações naturais

ARTIGO 402.º

(Noção)

A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.

ARTIGO 403.º

(Não repetição do indevido)

1. Não pode ser repetido o que for prestado espontâneamente em cumprimento de obrigação natural, excepto se o devedor não tiver capacidade para efectuar a prestação.

2. A prestação considera-se espontânea, quando é livre de toda a coacção.

ARTIGO 404.º

(Regime)

As obrigações naturais estão sujeitas ao regime das obrigações civis em tudo o que não se relacione com a realização coactiva da prestação, salvas as disposições especiais da lei.

CAPÍTULO II — Fontes das obrigações

SECÇÃO I — Contratos

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 405.º

(Liberdade contratual)

1. Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.

2. As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei.

ARTIGO 406.º

(Eficácia dos contratos)

1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só podo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.

2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei.

ARTIGO 407.º

(Incompatibilidade entre direitos pessoais de gozo)

Quando, por contratos sucessivos, se constituírem, a favor de pessoas diferentes, mas sobre a mesma coisa, direitos pessoais de gozo incompatíveis entre si, prevalece o direito mais antigo em data, sem prejuízo das regras próprias do registo.

ARTIGO 408.º

(Contratos com eficácia real)

1. A constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas na lei.

2. Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação.

ARTIGO 409.º

(Reserva da propriedade)

1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento.

2. Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula constante do registo é oponível a terceiros.

SUBSECÇÃO II — Contrato-promessa

ARTIGO 410.º

(Regime aplicável)

1 — À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

2 — Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.

3 — No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.

ARTIGO 411.º

(Promessa unilateral)

Se o contrato-promessa vincular apenas uma das partes e não se fixar o prazo dentro da qual o vínculo é eficaz, podo o tribunal, a requerimento do promitente, fixar à outra parte um prazo para o exercício do direito, findo o qual este caducará.

ARTIGO 412.º

(Transmissão dos direitos e obrigações das partes)

1 — Os direitos e obrigações resultantes do contrato-promessa, que não sejam exclusivamente pessoais, transmitem-se aos sucessores das partes.

2 — A transmissão por acto entre vivos está sujeita às regras gerais.

ARTIGO 413.º

(Eficácia real da promessa)

1 — À promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo.

2 — Salvo o disposto em lei especial, deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado a promessa a que as partes atribuam eficácia real; porém, quando a lei não exija essa forma para o contrato prometido, é bastante documento particular com reconhecimento da assinatura da parte que se vincula ou de ambas, consoante se trate de contrato-promessa unilateral ou bilateral.

SUBSECÇÃO III — Pactos de preferência

ARTIGO 414.º

(Noção)

O pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem ria venda de determinada coisa.

ARTIGO 415.º

(Forma)

É aplicável ao pacto de preferência o disposto no n.º 2 de artigo 410.º

ARTIGO 416.º

(Conhecimento do preferente)

1. Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato.

2. Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo.

ARTIGO 417.º

(Venda da coisa juntamente com outras)

1. Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito, porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes, se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável.

2. O disposto no número anterior é aplicável ao caso de o direito de preferência ter eficácia real e a coisa ter sido vendida a terceiro juntamente com outra ou outras.

ARTIGO 418.º

(Prestação acessória)

1. Se o obrigado receber de terceiro a promessa de uma prestação acessória que o titular do direito de preferência não possa satisfazer, será essa prestação compensada em dinheiro; não sendo avaliável em dinheiro, é excluída a preferência, salvo se for lícito presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, a venda não deixaria de ser efectuada, ou que a prestação foi convencionada para afastar a preferência.

2. Se a prestação acessória tiver sido convencionada para afastar a preferência, o preferente não é obrigado a satisfazê-la, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro.

ARTIGO 419.º

(Pluralidade de titulares)

1. Pertencendo simultâneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto; mas, se o direito se extinguir em relação a algum deles, ou algum declarar que não o quer exercer acresce o seu direito aos restantes.

2. Se o direito pertencer a mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, na falta de designação abrir-se-á licitação entre todos, revertendo o excesso para o alienante.

ARTIGO 420.º

(Transmissão do direito e da obrigação de preferência)

O direito e a obrigação de preferência não são transmissíveis em vida nem por morte, salvo estipulação em contrário.

ARTIGO 421.º

(Eficácia real)

1 — O direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no artigo 413.º

2 — É aplicável neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 1410.º

ARTIGO 422.º

(Valor relativo do direito de preferência)

O direito convencional de preferência não prevalece contra os direitos legais de preferência; e, se não gozar de eficácia real, também não procede relativamente à alienação efectuada em execução, falência, insolvência ou casos análogos.

ARTIGO 423.º

(Extensão das disposições anteriores a outros contratos)

As disposições dos artigos anteriores relativas à compra e venda são extensivas, na parte aplicável, à obrigação de preferência que tiver por objecto outros contratos com ela compatíveis.

SUBSECÇÃO IV — Cessão da posição contratual

ARTIGO 424.º

(Noção. Requisitos)

1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.

2. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.

ARTIGO 425.º

(Regime)

A forma da transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão.

ARTIGO 426.º

(Garantia da existência da posição contratual)

1. O cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.

2. A garantia do cumprimento das obrigações só existe se for convencionada nos termos gerais.

ARTIGO 427.º

(Relações entre o outro contraente e o cessionário)

A outra parte no contrato tem o direito de opor ao cessionário os meios de defesa provenientes desse contrato, mas não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser que os tenha reservado ao consentir na cessão.

SUBSECÇÃO V — Excepção de não cumprimento do contrato

ARTIGO 428.º

(Noção)

1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.

ARTIGO 429.º

(Insolvência ou diminuição de garantias)

Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.

ARTIGO 430.º

(Prescrição)

Prescrito um dos direitos, o respectivo titular continua a gozar da excepção de não cumprimento, excepto quando se trate de prescrição presuntiva.

ARTIGO 431.º

(Eficácia em relação a terceiros)

A excepção de não cumprimento é oponível aos que no contrato vierem a substituir qualquer dos contraentes nos seus direitos e obrigações.

SUBSECÇÃO VI — Resolução do contrato

ARTIGO 432.º

(Casos em que é admitida)

1. É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.

2. A parte, porém, que, por circunstâncias não imputáveis ao outro contraente, não estiver em condições de restituir o que houver recebido não tem o direito de resolver o contrato.

ARTIGO 433.º

(Efeitos entre as partes)

Na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes.

ARTIGO 434.º

(Retroactividade)

1. A resolução tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução.

2. Nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas.

ARTIGO 435.º

(Efeitos em relação a terceiros)

1. A resolução, ainda que expressamente convencionada, não prejudica os direitos adquiridos por terceiro.

2. Porém, o registo da acção de resolução que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, torna o direito de resolução oponível a terceiro que não tenha registado o seu direito antes do registo da acção.

ARTIGO 436.º

(Como e quando se efectiva a resolução)

1. A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte.

2. Não havendo prazo convencionado para a resolução do contrato, pode a outra parte fixar ao titular do direito de resolução um prazo razoável para que o exerça, sob pena de caducidade.

SUBSECÇÃO VII — Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias

ARTIGO 437.º

(Condições de admissibilidade)

1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2. Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se ao pedido, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior.

ARTIGO 438.º

(Mora da parte lesada)

A parte lesada não goza do direito de resolução ou modificação do contrato, se estava em mora no momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.

ARTIGO 439.º

(Regime)

Resolvido o contrato, são aplicáveis à resolução as disposições da subsecção anterior.

SUBSECÇÃO VIII — Antecipação do cumprimento. Sinal

ARTIGO 440.º

(Antecipação do cumprimento)

Se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal.

ARTIGO 441.º

(Contrato-promessa de compra e venda)

No contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço.

ARTIGO 442.º

(Sinal)

1 — Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.

2 — Se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objectivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.

3 — Em qualquer dos casos previstos no número anterior, o contraente não faltoso pode, em alternativa, requerer a execução específica do contrato, nos termos do artigo 830.º; se o contraente não faltoso optar pelo aumento do valor da coisa ou do direito, como se estabelece no número anterior, pode a outra parte opor-se ao exercício dessa faculdade, oferecendo-se para cumprir a promessa, salvo o disposto no artigo 808.º

4 — Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro deste, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.

SUBSECÇÃO IX — Contrato a favor de terceiro

ARTIGO 443.º

(Noção)

1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.

2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.

ARTIGO 444.º

(Direitos do terceiro e do promissário)

1. O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação.

2. O promissário tem igualmente o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa, a não ser que outra tenha sido a vontade dos contraentes.

3. Quando se trate da promessa de exonerar o promissário de uma dívida para com terceiro, só àquele é lícito exigir o cumprimento da promessa.

ARTIGO 445.º

(Prestações em benefício de pessoa indeterminada)

Se a prestação for estipulada em benefício de um conjunto indeterminado de pessoas ou no interesse público, o direito de a reclamar pertence não só ao promissário ou seus herdeiros, como às entidades competentes para defender os interesses em causa.

ARTIGO 446.º

(Direitos dos herdeiros do promissário)

1. Nem os herdeiros do promissário, nem as entidades a que o artigo anterior se refere, podem dispor do direito à prestação ou autorizar qualquer modificação do seu objecto.

2. Quando a prestação se torne impossível por causa imputável ao promitente, têm os herdeiros do promissário, bem como as entidades competentes para reclamar o cumprimento da prestação, o direito de exigir a correspondente indemnização, para os fins convencionados.

ARTIGO 447.º

(Rejeição ou adesão do terceiro beneficiário)

1. O terceiro pode rejeitar a promessa ou aderir a ela.

2. A rejeição faz-se mediante declaração ao promitente, o qual deve comunicá-la ao promissário; se culposamento deixar de o fazer, é responsável em face deste.

3. A adesão faz-se mediante declaração, tanto ao promitente como ao promissário.

ARTIGO 448.º

(Revogação pelos contraentes)

1. Salvo estipulação em contrário, a promessa é revogável enquanto o terceiro não manifestar a sua adesão, ou enquanto o promissário for vivo, quando se trate de promessa que haja de ser cumprida depois da morte deste.

2. O direito de revogação pertence ao promissário; se, porém, a promessa foi feita no interesse de ambos os outorgantes, a revogação depende do consentimento do promitente.

ARTIGO 449.º

(Meios de defesa oponíveis pelo promitente)

São oponíveis ao terceiro, por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de outra relação entre promitente e promissário.

ARTIGO 450.º

(Relações entre o promissário

e pessoas estranhas ao benefício)

1. Só no que respeita à contribuição do promissário para a prestação a terceiro são aplicáveis as disposições relativas à colação, imputação e redução das doações e impugnação pauliana.

2. Se a designação de terceiro for feita a título de liberalidade, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas relativas à revogação das doações por ingratidão do donatário.

ARTIGO 451.º

(Promessa a cumprir depois da morte do promissário)

1. Se a prestação a terceiro houver de ser efectuada após a morte do promissário, presume-se que só depois do falecimento deste o terceiro adquire direito a ela.

2. Se, porém, o terceiro morrer antes do promissário, os seus herdeiros são chamados em lugar dele à titularidade da promessa.

SUBSECÇÃO X — Contrato para pessoa a nomear

ARTIGO 452.º

(Noção)

1. Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os direitos e assuma as obrigações provenientes desse contrato.

2. A reserva de nomeação não é possível nos casos em que não é admitida a representação ou é indispensável a determinação dos contraentes.

ARTIGO 453.º

(Nomeação)

1. A nomeação deve ser feita mediante declaração por escrito ao outro contraente, dentro do prazo convencionado ou, na falta de convenção, dentro dos cinco dias posteriores à celebração do contrato.

2. A declaração de nomeação deve ser acompanhada, sob pena de ineficácia, do instrumento de ratificação do contrato ou de procuração anterior à celebração deste.

ARTIGO 454.º

(Forma da ratificação)

1. A ratificação deve constar de documento escrito.

2. Se, porém, o contrato tiver sido celebrado por meio de documento de maior força probatória, necessita a ratificação de revestir igual forma.

ARTIGO 455.º

(Efeitos)

1. Sendo a declaração de nomeação feita nos termos do artigo 453.º, a pessoa nomeada adquire os direitos e assume, as obrigações provenientes do contrato a partir da celebração dele.

2. Não sendo feita a declaração de nomeação nos termos legais, o contrato produz os seus efeitos relativamente ao contraente originário, desde que não haja estipulação em contrário.

ARTIGO 456.º

(Publicidade)

1. Se o contrato estiver sujeito a registo, pode este ser feito em nome do contraente originário, com indicação da cláusula para pessoa a nomear, fazendo-se posteriormente os necessários averbamentos.

2. O disposto no número anterior é extensivo a qualquer outra forma de publicidade a que o contrato esteja sujeito.

SECÇÃO II — Negócios unilaterais

ARTIGO 457.º

(Princípio geral)

A promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.

ARTIGO 458.º

(Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida)

1. Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

2. A promessa ou reconhecimento deve, porém, constar de documento escrito, se outras formalidades não forem exigidas para a prova da relação fundamental.

ARTIGO 459.º (Promessa pública)

1. Aquele que, mediante anúncio público, prometer uma prestação a quem se encontre em determinada situação ou pratique certo facto, positivo ou negativo, fica vinculado desde logo à promessa.

2. Na falta de declaração em contrário, o promitente fica obrigado mesmo em relação àqueles que se encontrem na situação prevista ou tenham praticado o facto sem atender à promessa ou na ignorância dela.

ARTIGO 460.º

(Prazo de validade)

A promessa pública sem prazo de validade fixado pelo promitente ou imposto pela natureza ou fim da promessa mantém-se enquanto não for revogada.

ARTIGO 461.º

(Revogação)

1. Não tendo prazo de validade, a promessa pública é revogável a todo o tempo pelo promitente; se houver prazo, só é revogável ocorrendo justa causa.

2. Em qualquer dos casos, a revogação não é eficaz, se não for feita na forma da promessa ou em forma equivalente, ou se a situação prevista já se tiver verificado ou o facto já tiver sido praticado.

ARTIGO 462.º

(Cooperação de várias pessoas)

Se na produção do resultado previsto tiverem cooperado várias pessoas, conjunta ou separadamente, e todas tiverem direito à prestação, esta será dividida equitativamente, atendendo-se à parte que cada uma delas teve nesse resultado.

ARTIGO 463.º

(Concursos públicos)

1. A oferta da prestação como prémio de um concurso só é válida quando se fixar no anúncio público o prazo para a apresentação dos concorrentes.

2. A decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação, ao promitente.

SECÇÃO III — Gestão de negócios

ARTIGO 464.º

(Noção)

Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assuma a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada.

ARTIGO 465.º

(Deveres do gestor)

O gestor deve:

a) Conformar-se com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, sempre que esta não seja contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes;

b) Avisar o dono do negócio, logo que seja possível, de que assumiu a gestão;

c) Prestar contas, findo o negócio ou interrompida a gestão, ou quando o dono as exigir;

d) Prestar a este todas as informações relativas à gestão;

e) Entregar-lhe tudo o que tenha recebido de terceiros no exercício da gestão ou o saldo das respectivas contas, com os juros legais, relativamente às quantias em dinheiro, a partir do momento em que a entrega haja de ser efectuada.

ARTIGO 466.º

(Responsabilidade do gestor)

1. O gestor responde perante o dono do negócio, tanto pelos danos a que der causa, por culpa sua, no exercício da gestão, como por aqueles que causar com a injustificada interrupção dela.

2. Considera-se culposa a actuação do gestor, quando ele agir em desconformidade com o interesse ou a vontade, real ou presumível, do dono do negócio.

ARTIGO 467.º

(Solidariedade dos gestores)

Havendo dois ou mais gestores que tenham agido conjuntamente, são solidárias as obrigações deles para com o dono do negócio.

ARTIGO 468.º

(Obrigações do dono do negócio)

1. Se a gestão tiver sido exercida em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio, é este obrigado a reembolsar o gestor das despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais a contar do momento em que foram feitas, e a indemnizá-lo do prejuízo que haja sofrido.

2. Se a gestão não foi exercida nos termos do número anterior, o dono do negócio responde apenas segundo as regras do enriquecimento sem causa, com ressalva do disposto no artigo seguinte.

ARTIGO 469.º

(Aprovação da gestão)

A aprovação da gestão implica a renúncia ao direito de indemnização pelos danos devidos a culpa do gestor e vale como reconhecimento dos direitos que a este são conferidos no n.º 1 do artigo anterior.

ARTIGO 470.º

(Remuneração do gestor)

1. A gestão não dá direito a qualquer remuneração, salvo se corresponder ao exercício da actividade profissional do gestor.

2. À fixação da remuneração é aplicável, neste caso, o disposto no n.º 2 do artigo 1158.º

ARTIGO 471.º

(Representação sem poderes e mandato sem representação)

Sem prejuízo do que preceituam os artigos anteriores quanto às relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no artigo 268.º; se o gestor os realizar em seu próprio nome, são extensivas a esses negócios, na parte aplicável, as disposições relativas ao mandato sem representação.

ARTIGO 472.º

(Gestão de negócio alheio julgado próprio)

1. Se alguém gerir negócio alheio, convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta secção se houver aprovação da gestão; em quaisquer outras circunstâncias, são aplicáveis à gestão as regras do enriquecimento sem causa, sem prejuízo de outras que ao caso couberem.

2. Se houver culpa do gestor na violação do direito alheio, são aplicáveis ao caso as regras da responsabilidade civil.

SECÇÃO IV — Enriquecimento sem causa

ARTIGO 473.º

(Princípio geral)

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

ARTIGO 474.º

(Natureza subsidiária da obrigação)

Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.

ARTIGO 475.º

(Falta do resultado previsto)

Também não há lugar à restituição se, ao efectuar a prestação, o autor sabia que o efeito com ela previsto era impossível, ou se, agindo contra a boa fé, impediu a sua verificação.

ARTIGO 476.º

(Repetição do indevido)

1. Sem prejuízo do disposto acerca das obrigações naturais, o que for prestado com a intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação.

2. A prestação feita a terceiro pode ser repetida pelo devedor enquanto não se tornar liberatória nos termos do artigo 770.º

3. A prestação feita por erro desculpável antes do vencimento da obrigação só dá lugar à repetição daquilo com que o credor se enriqueceu por efeito do cumprimento antecipado.

ARTIGO 477.º

(Cumprimento de obrigação alheia

na convicção de que é própria)

1. Aquele que, por erro desculpável, cumprir uma obrigação alheia, julgando-a própria, goza do direito de repetição, excepto se o credor, desconhecendo o erro do autor da prestação, se tiver privado do título ou das garantias do crédito, tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito, ou não o tiver exercido contra o devedor ou contra o fiador enquanto solventes.

2. Quando não existe o direito de repetição, fica o autor da prestação sub-rogado nos direitos do credor.

ARTIGO 478.º

(Cumprimento de obrigação alheia

na convicção de estar obrigado a cumpri-la)

Aquele que cumprir obrigação alheia, na convicção errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la, não tem o direito de repetição contra o credor, mas apenas o direito de exigir do devedor exonerado aquilo com que este injustamente se locupletou, excepto se o credor conhecia o erro ao receber a prestação.

ARTIGO 479.º

(Objecto da obrigação de restituir)

1. A obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.

2. A obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte.

ARTIGO 480.º

(Agravamento da obrigação)

O enriquecido passa a responder também pelo perecímento ou deterioração culposa da coisa, pelos frutos que por sua culpa deixem de ser percebidos e pelos juros legais das quantias a que o empobrecido tiver direito, depois de se verificar algumas das seguintes circunstâncias:

a) Ter sido o enriquecido citado judicialmente para a restituição;

b) Ter ele conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento ou da falta do efeito que se pretendia obter com a prestação.

ARTIGO 481.º

(Obrigação de restituir no caso de alienação gratuita)

1. Tendo o enriquecido alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, fica o adquirente obrigado em lugar dele, mas só na medida do seu próprio enriquecimento.

2. Se, porém, a transmissão teve lugar depois da verificação de algum dos factos referidos no artigo anterior, o alienante é responsável nos termos desse artigo, e o adquirente, se estiver de má fé, é responsável nos mesmos termos.

ARTIGO 482.º

(Prescrição)

O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.

SECÇÃO V — Responsabilidade civil

SUBSECÇÃO I — Responsabilidade por factos ilícitos

ARTIGO 483.º

(Princípio geral)

1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

ARTIGO 464.º

(Ofensa do crédito ou do bom nome)

Quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.

ARTIGO 465.º

(Conselhos, recomendações ou informações)

1. Os simples conselhos, recomendações ou informações não responsabilizam quem os dá, ainda que haja negligência da sua parte.

2. A obrigação de indemnizar existe, porém, quando se tenha assumido a responsabilidade pelos danos, quando havia o dever jurídico de dar o conselho, recomendação ou informação e se tenha procedido com negligência ou intenção de prejudicar, ou quando o procedimento do agente constitua facto punível.

ARTIGO 486.º

(Omissões)

As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.

ARTIGO 487.º

(culpa)

1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.

2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

ARTIGO 488.º

(Imputabilidade)

1 — Não responde pelas consequências do facto danoso quem, no momento em que o facto ocorreu, estava, por qualquer causa, incapacitado de entender ou querer, salvo se o agente se colocou culposamente nesse estado, sendo este transitório.

2 — Presume-se falta de imputabilidade nos menores de sete anos.

ARTIGO 489.º

(Indemnização por pessoa não imputável)

1. Se o acto causador dos danos tiver sido praticado por pessoa não imputável, pode esta, por motivo de equidade, ser condenada a repará-los, total ou parcialmente, desde que não seja possível obter a devida reparação das pessoas a quem incumbe a sua vigilância.

2. A indemnização será, todavia, calculada por forma a não privar a pessoa não imputável dos alimentos necessários, conforme o seu estado e condição, nem dos meios indispensáveis para cumprir os seus deveres legais de alimentos.

ARTIGO 490.º

(Responsabilidade dos autores, instigadores e auxiliares)

Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado.

ARTIGO 491.º

(Responsabilidade das pessoas obrigadas

à vigilância de outrem)

As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.

ARTIGO 492.º

(Danos causados por edifícios ou outras obras)

1. O proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação.

ARTIGO 493.º

(Danos causados por coisas, animais ou actividades)

1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

Artigo 493.º-A

Indemnização em caso de lesão ou morte de animal

1 — No caso de lesão de animal, é o responsável obrigado a indemnizar o seu proprietário ou os indivíduos ou entidades que tenham procedido ao seu socorro pelas despesas em que tenham incorrido para o seu tratamento, sem prejuízo de indemnização devida nos termos gerais.

2 — A indemnização prevista no número anterior é devida mesmo que as despesas se computem numa quantia superior ao valor monetário que possa ser atribuído ao animal.

3 — No caso de lesão de animal de companhia de que tenha provindo a morte, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o seu proprietário tem direito, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º, a indemnização adequada pelo desgosto ou sofrimento moral em que tenha incorrido, em montante a ser fixado equitativamente pelo tribunal.

ARTIGO 494.º

(Limitação da indemnização no caso de mera culpa)

Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

ARTIGO 495.º

(Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal)

1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.

2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.

3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.

ARTIGO 496.º

(Danos não patrimoniais)

1 — Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

2 — Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.

3 — Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.

4 — O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.

ARTIGO 497.º

(Responsabilidade solidária)

1. Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.

2. O direito de regresso entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram, presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.

ARTIGO 498.º

(Prescrição)

1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.

2. Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.

3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.

4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da acção de reivindicação nem da acção de por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra.

SUBSECÇÃO II — Responsabilidade pelo risco

ARTIGO 499.º

(Disposições aplicáveis)

São extensivas aos casos de responsabilidade pelo risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulam a responsabilidade por factos ilícitos.

ARTIGO 500.º

(Responsabilidade do comitente)

1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.

2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º

ARTIGO 501.º

(Responsabilidade do Estado

e de outras pessoas colectivas públicas)

O Estado e demais pessoas colectivas públicas, quando haja danos causados a terceiro pelos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada, respondem civilmente por esses danos nos termos em que os comitentes respondem pelos danos causadas pelos seus comissários.

ARTIGO 502.º

(Danos causados por animais)

Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.

ARTIGO 503.º

(Acidentes causados por veículos)

1. Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.

2. As pessoas não imputáveis respondem nos termos do artigo 489.º

3. Aquele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte; se, porém, o conduzir fora do exercício das suas funções de comissário, responde nos termos do n.º 1.

ARTIGO 504.º

Beneficiários da responsabilidade

1 — A responsabilidade pelos danos causados por veículos aproveita a terceiros, bem como às pessoas transportadas.

2 — No caso de transporte por virtude de contrato, a responsabilidade abrange só os danos que atinjam a própria pessoa e as coisas por ela transportadas.

3 — No caso de transporte gratuito, a responsabilidade abrange apenas os danos pessoais da pessoa transportada.

4 — São nulas as cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade do transportador pelos acidentes que atinjam a pessoa transportada.

ARTIGO 505.º

(Exclusão da responsabilidade)

Sem prejuízo do disposto no artigo 570.º, a responsabilidade fixada pelo n.º 1 do artigo 503.º só é excluída quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

ARTIGO 506.º

(Colisão de veículos)

1. Se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; se os danos forem causadas sòmente por um dos veículos, sem culpa de nenhum dos condutores, só a pessoa por eles responsável é obrigada a indemnizar.

2. Em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores.

ARTIGO 507.º

(Responsabilidade solidária)

1. Se a responsabilidade pelo risco recair sobre várias pessoas, todas respondem solidàriamente pelos danos, mesmo que haja culpa de alguma ou algumas.

2. Nas relações entre os diferentes responsáveis, a obrigação de indemnizar reparte-se de harmonia com o interesse de cada um na utilização do veículo; mas, se houver culpa de algum ou de alguns, apenas os culpados respondem, sendo aplicável quanto ao direito de regresso, entre eles, ou em relação a eles, o disposto no n.º 2 do artigo 497.º

ARTIGO 508.º

(Limites máximos)

1 — A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

2 — Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte colectivo, a indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel estabelecido para os transportes colectivos.

3 — Se o acidente for causado por veículo utilizado em transporte ferroviário, a indemnização tem como limite máximo o capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil estabelecido para essa situação em legislação especial.

ARTIGO 509.º

(Danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás)

1. Aquele que tiver a direcção efectiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia eléctrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da electricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, excepto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.

2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.

3. Os danos causados por utensílios de uso de energia não são reparáveis nos termos desta disposição.

ARTIGO 510.º

(Limites da responsabilidade)

A indemnização fundada na responsabilidade a que se refere o artigo precedente, quando não haja culpa do responsável, tem, para cada acidente, como limite máximo o estabelecido no n.º 1 do artigo 508.º, salvo se, havendo seguro obrigatório, diploma especial estabelecer um capital mínimo de seguro, caso em que a indemnização tem como limite máximo esse capital.

CAPÍTULO III — Modalidades das obrigações

SECÇÃO I — Obrigações de sujeito activo indeterminado

ARTIGO 511.º

(Determinação da pessoa do credor)

A pessoa do credor pode não ficar determinada no momento em que a obrigação é constituída; mas deve ser determinável, sob pena de ser nulo o negócio jurídico do qual a obrigação resultaria.

SECÇÃO II — Obrigações solidárias

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 512.º

(Noção)

1. A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.

2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos credores solidários.

ARTIGO 513.º

(Fontes da solidariedade)

A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.

ARTIGO 514.º

(Meios de defesa)

1. O devedor solidário demandado pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores.

2. Ao credor solidário são oponíveis igualmente não só os meios de defesa comum, como os que pessoalmente lhe respeitem.

ARTIGO 515.º

(Herdeiros dos devedores ou credores solidários)

1. Os herdeiros do devedor solidário respondem colectivamente pela totalidade da dívida; efectuada a partilha, cada co-herdeiro responde nos termos do artigo 2098.º

2. Os herdeiros do credor solidário só conjuntamente podem exonerar o devedor; efectuada a partilha, se o crédito tiver sido adjudicado a dois ou mais herdeiros, também só em conjunto estes podem exonerar o devedor.

ARTIGO 516.º

(Participação nas dívidas e nos créditos)

Nas relações, entre si, presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito.

ARTIGO 517.º

(Litisconsórcio)

1. A solidariedade não impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam por ele conjuntamente demandados.

2. De igual direito gozam os credores solidários relativamente ao devedor e este em relação àqueles.

SUBSECÇÃO II — Solidariedade entre devedores

ARTIGO 518.º

(Exclusão do benefício da divisão)

Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o benefício da divisão; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se libera da obrigação de efectuar a prestação por inteiro.

ARTIGO 519.º

(Direitos do credor)

1. O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas, se exigir júdicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.

2. Se um das devedores tiver qualquer meio de defesa pessoal contra o credor, não fica este inibido de reclamar dos outros a prestação integral, ainda que esse meio já lhe tenha sido oposto.

ARTIGO 520.º

(Impossibilidade da prestação)

Se a prestação se tornar impossível por facto imputável a um dos devedores, todas eles são solidàriamente responsáveis pela seu valor; mas só o devedor a quem o facto é imputável responde pela reparação dos danos que excedam esse valor, e, sendo vários, é. solidária a sua responsabilidade.

ARTIGO 521.º

(Prescrição)

1. Se, por efeito da suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra causa, a obrigação de um dos devedores se mantiver, apesar de prescritas as obrigações dos outros, e aquele for obrigado a cumprir, cabe-lhe o direito de regresso contra os seus condevedores.

2. O devedor que não haja invocado a prescrição não goza do direito de regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde que estes aleguem a prescrição.

ARTIGO 522.º

(Caso julgado)

O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que não se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor.

ARTIGO 523.º

(Satisfação do direito do credor)

A satisfação do direito do credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos as devedores.

ARTIGO 524.º

(Direito de regresso)

O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete.

ARTIGO 525.º

(Meios de defesa oponíveis pelos condevedores)

1. Os condevedores podem opor ao que satisfez o direito do credor a falta de decurso do prazo que lhes tenha sido concedido para o cumprimento da obrigação, bem como qualquer outro meio de defesa, quer este seja comum, quer respeite pessoalmente ao demandado.

2. A faculdade concedida no número anterior tem lugar, ainda que o condevedor tenha deixado, sem culpa sua, de opor ao credor o meio comum de defesa, salvo se a falta de oposição for imputável ao devedor que pretende valer-se do mesmo meio.

ARTIGO 526.º

(Insolvência dos devedores

ou impossibilidade de cumprimento)

1. Se um dos devedores estiver insolvente ou não puder por outro motivo cumprir a prestação a que está adstrito, é a sua quota-parte repartida proporcionalmente entre todos os demais, incluindo o credor de regresso e os devedores que pelo credor hajam sido exonerados da obrigação ou apenas do vínculo da solidariedade.

2. Ao credor de regresso não aproveita o benefício da repartição na medida em que só por negligência sua lhe não tenha sido possível cobrar a parte do seu condevedor na obrigação solidária.

ARTIGO 527.º

(Renúncia à solidariedade)

A renúncia à solidariedade a favor de um ou alguns dos devedores não prejudica o direito do credor relativamente aos restantes, contra os quais conserva o direito à prestação por inteiro.

SUBSECÇÃO III — Solidariedade entre credores

ARTIGO 528.º

(Escolha do credor)

1. É permitido ao devedor escolher o credor solidário a quem satisfaça a prestação, enquanto não tiver sido judicialmente citado para a respectiva acção por outro credor cujo crédito se ache vencido.

2. Se o devedor cumprir perante credor diferente daquele que judicialmente exigiu a prestação, não fica dispensado de realizar a favor deste a prestação integral; mas, quando a solidariedade entre os credores tiver sido estabelecida em favor do devedor, este pode, renunciando total ou parcialmente ao benefício, prestar a cada um dos credores a parte que lhe cabe no crédito comum ou satisfazer a algum dos outros a prestação com dedução da parte do demandante.

ARTIGO 529.º

(Impossibilidade da prestação)

1. Se a prestação se tornar impossível por facto imputável ao devedor, subsiste a solidariedade relativamente ao crédito da indemnização.

2. Se a prestação se tornar impossível por facto imputável a um dos credores, fica este obrigado a indemnizar os outros.

ARTIGO 530.º

(Prescrição)

1. Se o direito de um dos credores se mantiver devido a suspensão ou interrupção da prescrição ou a outra causa, apesar de haverem prescrito os direitos dos restantes credores, pode o devedor opor àquele credor a prescrição do crédito na parte relativa a estes últimos.

2. A renúncia à prescrição, feita pelo devedor em benefício de um dos credores, não produz efeito relativamente aos restantes.

ARTIGO 531.º

(Caso julgado)

O caso julgado entre um dos credores e o devedor não é oponível aos outros credores; mas pode ser oposto por estes ao devedor, sem prejuízo das excepções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação a cada um deles.

ARTIGO 532.º

(Satisfação do direito de um dos credores)

A satisfação do direito de um dos credores, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a todos os credores, da obrigação do devedor.

ARTIGO 533.º

(Obrigação do credor que foi pago)

O credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores tem de satisfazer aos outros a parte que lhes cabe no crédito comum.

SECÇÃO III — Obrigações divisíveis e indivisíveis

ARTIGO 534.º

(Obrigações divisíveis)

São iguais as partes que têm na obrigação divisível os vários credores ou devedores, se outra proporção não resultar da lei ou do negócio jurídico; mas entre os herdeiros do devedor, depois da partilha, serão essas partes fixadas proporcionalmente às suas quotas hereditárias, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 2098.º

ARTIGO 535.º

(Obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores)

1. Se a prestação for indivisível e vários os devedores, só de todos os obrigados pode o credor exigir o cumprimento da prestação, salvo se tiver sido estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei.

2. Quando ao primitivo devedor da prestação indivisível sucedam vários herdeiros, também só de todos eles tem o credor a possibilidade de exigir o cumprimento da prestação.

ARTIGO 536.º

(Extinção relativamente a um dos devedores)

Se a obrigação indivisível se extinguir apenas em relação a algum ou alguns dos devedores, não fica o credor inibido de exigir a prestação dos restantes obrigados, contanto que lhes entregue o valor da parte que cabia ao devedor ou devedores exonerados.

ARTIGO 537.º

(Impossibilidade da prestação)

Se a prestação indivisível se tornar impossível por facto imputável a algum ou alguns dos devedores, ficam os outros exonerados.

ARTIGO 538.º

(Pluralidade de credores)

1. Sendo vários os credores da prestação indivisível, qualquer deles tem o direito de exigi-la por inteiro; mas o devedor, enquanto não for judicialmente citado, só relativamente a todos, em conjunto, se pode exonerar.

2. O caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, se o devedor não tiver, contra estes, meios especiais de defesa.

SECÇÃO IV — Obrigações genéricas

ARTIGO 539.º

(Determinação do objecto)

Se o objecto da prestação for determinado apenas quanto ao género, compete a sua escolha ao devedor, na falta de estipulação em contrário.

ARTIGO 540.º

(Não perecimento do género)

Enquanto a prestação for possível com coisas do género estipulado, não fica o devedor exonerado pelo facto de perecerem aquelas com que se dispunha a cumprir.

ARTIGO 541.º

(Concentração da obrigação)

A obrigação concentra-se, antes do cumprimento, quando isso resultar de acordo das partes, quando o género se extinguir a ponto de restar apenas uma das coisas nele compreendidas, quando o credor incorrer em mora, ou ainda nos termos do artigo 797.º

ARTIGO 542.º

(Concentração por facto do credor ou de terceiro)

1. Se couber ao credor ou a terceiro, a escolha só é eficaz se for declarada, respectivamente, ao devedor ou a ambas as partes, e é irrevogável.

2. Se couber a escolha ao credor e este a não fizer dentro do prazo estabelecido ou daquele que para o efeito lhe for fixado pelo devedor, é a este que a escolha passa a competir.

SECÇÃO V — Obrigações alternativas

ARTIGO 543.º

(Noção)

1. I alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada.

2. Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor.

ARTIGO 544.º

(Indivisibilidade das prestações)

O devedor não pode escolher parte de uma prestação e parte de outra ou outras, nem ao credor ou a terceiro é lícito fazê-lo quando a escolha lhes pertencer.

ARTIGO 545.º

(Impossibilidade não imputável às partes)

Se uma ou algumas das prestações se tornarem impossíveis por causa não imputável às partes, a obrigação considera-se limitada às prestações que forem possíveis.

ARTIGO 546.º

(Impossibilidade imputável ao devedor)

Se a impassibilidade de alguma das prestações for imputável ao devedor e a escolha lhe pertencer, deve efectuar uma das prestações possíveis; se a escolha pertencer ao credor, este poderá exigir uma das prestações possíveis, ou pedir a indemnização pelos danos provede não ter sido efectuada a prestação que se tornou impossível, ou resolver o contrato nos termos gerais.

ARTIGO 547.º

(Impossibilidade imputável ao credor)

Se a impossibilidade de alguma das prestações for imputável ao credor e a escolha lhe pertencer, considera-se cumprida a obrigação; se a escolha pertencer ao devedor, também a obrigação se tem por cumprida, a menos que este prefira efectuar outra prestação e ser indemnizado dos danos que houver sofrido.

ARTIGO 548.º

(Falta de escolha pelo devedor)

O credor, na execução, pode exigir que o devedor, dentro do prazo estipulado ou do estabelecido na lei de processo, declare por qual das prestações quer optar, sob pena de se devolver ao credor o direito de escolha.

ARTIGO 549.º

(Escolha pelo credor ou por terceiro)

À escolha, que o credor ou terceiro deva efectuar é aplicável o disposto no artigo 542.º

SECÇÃO VI — Obrigações pecuniárias

SUBSECÇÃO I — Obrigações de quantidade

ARTIGO 550.º

(Princípio nominalista)

O cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário.

ARTIGO 551.º

(Actualização das obrigações pecuniárias)

Quando a lei permitir a actualização das prestações pecuniárias, por virtude das flutuações do valor da moeda, atender-se-á, na falta de outro critério legal, aos índices dos preços, de modo a restabelecer, entre a prestação e a quantidade de mercadorias a que ela equivale, a relação existente na data em que a obrigação se constituiu.

SUBSECÇÃO II — Obrigações de moeda específica

ARTIGO 552.º

(Validade das obrigações de moeda específica)

O curso legal ou forçado da nota de banco não prejudica a validade do acto pelo qual alguém se comprometa a pagar em moeda metálica ou em valor dessa moeda.

ARTIGO 553.º

(Obrigações de moeda específica sem quantitativo expresso em moeda corrente)

Quando for estipulado o pagamento em certa espécie monetária, o pagamento deve ser feito na espécie estipulada, existindo ela legalmente, embora tenha variado de valor após a data em que a obrigação foi constituída.

ARTIGO 554.º

(Obrigações de moeda específica ou de certo metal

com quantitativo expresso em moeda corrente)

Quando o quantitativo da obrigação é expresso em dinheiro corrente, mas se estipula que o cumprimento será efectuado em certa espécie monetária ou em moedas de certo metal, presume-se que as partes querem vincular-se ao valor corrente que a moeda ou as moedas do metal escolhido tinham à data da estipulação.

ARTIGO 555.º

(Falta da moeda estipulada)

1. Quando se tiver estipulado o cumprimento em determinada espécie monetária, em certo metal ou em moedas de certo metal, e se não encontrem as espécies ou as moedas estipuladas em quantidade bastante, pode o pagamento ser feito, quanto à parte da dívida que não for possível cumprir nos termos acordados, em moeda corrente que perfaça o valor dela, segundo a cotação que a moeda escolhida ou as moedas do metal indicado tiverem na bolsa no dia do cumprimento.

2. Se as moedas estipuladas ou as moedas do metal indicado não tiverem cotação na bolsa, atender-se-á ao valor corrente ou, na falta deste, ao valor corrente do metal; a esse mesmo valor se atenderá, quando a moeda, devido à sua raridade, tenha atingido uma cotação ou preço corrente anormal, com que as partes não hajam contado no momento em que a obrigação se constituiu.

ARTIGO 556.º

(Moeda específica sem curso legal)

1. Sempre que a espécie monetária estipulada ou as moedas do metal estipulado não tenham já curso legal na data do cumprimento, deve a prestação ser feita em moeda que tenha curso legal nessa data, de harmonia com a norma de redução que a lei tiver estabelecido ou, na falta de determinação legal, segundo a relação de valores correntes na data em que a nova moeda for introduzida.

2. Quando o quantitativo da obrigação tiver sido expresso em moeda corrente, estipulando-se o pagamento em espécies monetárias, em certo metal ou em moedas de certo metal, e essas moedas carecerem de curso legal na data do cumprimento, observar-se-á, a doutrina do número anterior, uma vez determinada a quantidade dessas moedas que constituía o montante da prestação em dívida.

ARTIGO 557.º

(Cumprimento em moedas de dois ou mais metais

ou de um entre vários metais)

1. No caso de se ter convencionado o cumprimento em moedas de um entre dois ou mais metais, a determinação da pessoa a quem a escolha pertence é feita de acordo com as regras das obrigações alternativas.

2. Quando se estipular o cumprimento da obrigação em moedas de dois ou mais metais, sem se fixar a proporcão de umas e outras, cumprirá o devedor entregando em partes iguais moedas dos metais especificados.

SUBSECÇÃO III — Obrigações em moeda com curso legal apenas no estrangeiro.

ARTIGO 558.º

(Termos do cumprimento)

1 — A estipulação do cumprimento em moeda com curso legal apenas no estrangeiro não impede o devedor de pagar em moeda com curso legal no País, segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido, salvo se essa faculdade houver sido afastada pelos interessados.

2 — Se, porém, o credor estiver em mora, pode o devedor cumprir de acordo com o câmbio da data em que a mora se deu.

SECÇÃO VII — Obrigações de juros

ARTIGO 559.º

(Taxa de juro)

1 — Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.

2 — A estipulação de juros a taxa superior à fixada nos termos do número anterior deve ser feita por escrito, sob pena de serem apenas devidos na medida dos juros legais.

Artigo 559.º-A

(Juros usurários)

É aplicável o disposto no artigo 1146.º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos.

ARTIGO 560.º

(Anatocismo)

1. Para que os juros vencidos produzam juros é necessária convenção posterior ao vencimento; pode haver também juros de juros, a partir da notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.

2. Só podem ser capitalizados os juros correspondentes ao período mínimo de um ano.

3. Não são aplicáveis as restrições dos números anteriores, se forem contrárias a regras ou usos, particulares do comércio.

ARTIGO 561.º

(Autonomia do crédito de juros)

Desde que se constitui, o crédito de juros não fica necessariamente dependente do crédito principal, podendo qualquer deles ser cedido ou extinguir-se sem o outro.

SECÇÃO VIII — Obrigação de indemnização

ARTIGO 562.º

(Princípio geral)

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

ARTIGO 563.º

(Nexo de causalidade)

A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provàvelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

ARTIGO 564.º

(Cálculo da indemnização)

1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

ARTIGO 565.º

(Indemnização provisória)

Devendo a indemnização ser fixada em liquidação posterior, pode o tribunal condenar desde logo o devedor no pagamento de uma indemnização, dentro do quantitativo que considere já provado.

ARTIGO 566.º

(Indemnização em dinheiro)

1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

3. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

ARTIGO 567.º

(Indemnização em renda)

1. Atendendo à natureza continuada dos danos, pode o tribunal, a requerimento do lesado, dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária, determinando as providências necessárias para garantir o seu pagamento.

2. Quando sofram alteração sensível as circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou imposição de garantias, a qualquer das partes é permitido exigir a correspondente modificação da sentença ou acordo.

ARTIGO 568.º

(Cessão dos direitos do lesado)

Quando a indemnização resulte da perda de qualquer coisa ou direito, o responsável pode exigir, no acto do pagamento ou em momento posterior, que o lesado lhe ceda os seus direitos contra terceiros.

ARTIGO 569.º

(Indicação do montante dos danos)

Quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.

ARTIGO 570.º

(Culpa do lesado)

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

ARTIGO 571.º

(Culpa dos representantes legais e auxiliares)

Ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais e das pessoas de quem ele se tenha utilizado.

ARTIGO 572.º

(Prova da culpa do lesado)

Aquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não seja alegada.

SECÇÃO IX — Obrigação de informação e de apresentação de coisas ou documentos

ARTIGO 573.º

(Obrigação de informação)

A obrigação de informação existe, sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias.

ARTIGO 574.º

(Apresentação de coisas)

1. Ao que invoca um direito, pessoal ou real, ainda que condicional ou a prazo, relativo a certa coisa, móvel ou imóvel, é lícito exigir do possuidor ou detentor a apresentação da coisa, desde que o exame seja necessário para apurar a existência ou o conteúdo do direito e o demandado não tenha motivos para fundadamente se opor à diligência.

2. Quando aquele de quem se exige a apresentação da coisa a detiver em nome de outrem, deve avisar a pessoa em cujo nome a detém, logo que seja exigida a apresentação, a fim de ela, se quiser, usar os meios de defesa que no caso couberem.

ARTIGO 575.º

(Apresentação de documentos)

As disposições do artigo anterior são, com as necessárias adaptações, extensivas aos documentos, desde que o requerente tenha um interesse jurídico atendível no exame deles.

ARTIGO 576.º

(Reprodução das coisas e dos documentos)

Feita a apresentação, o requerente tem a faculdade de tirar cópias ou fotografias, ou usar de outros meios destinados a obter a reprodução da coisa ou documento, desde que a reprodução se mostre necessária e se lhe não oponha motivo grave alegado pelo requerido.

CAPÍTULO IV — Transmissão de créditos e de dívidas

SECÇÃO I — Cessão de créditos

ARTIGO 577.º

(Admissibilidade da cessão)

1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão.

ARTIGO 578.º

(Regime aplicável)

1 — Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base.

2 — Salvo o disposto em lei especial, a cessão de créditos hipotecários, quando não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado.

ARTIGO 579.º

(Proibição da cessão de direitos litigiosos)

1. A cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta pessoa, a juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou mandatários judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares da justiça que tenham intervenção no respectivo processo.

2. Entende-se que a cessão é efectuada por interposta pessoa, quando é feita ao cônjuge do inibido ou a pessoa de quem este seja herdeiro presumido, ou quando é feita a terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito cedido.

3. Diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.

ARTIGO 580.º

(Sanções)

1. A cessão feita com quebra do disposto no artigo anterior, além de nula, sujeita o cessionário à obrigação de reparar os danos causados, nos termos gerais.

2. A nulidade da cessão não pode ser invocada pelo cessionário.

ARTIGO 581.º

(Excepções)

A proibição da cessão dos créditos ou direitos litigiosos não tem lugar nos casos seguintes:

a) Quando a cessão for feita ao titular de um direito de preferência ou de remição relativo ao direito cedido;

b) Quando a cessão se realizar para defesa de bens possuídos pelo cessionário;

c) Quando a cessão se fizer ao credor em cumprimento do que lhe é devido.

ARTIGO 582.º

(Transmissão de garantias e outros acessórios)

1. Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente.

2. A coisa empenhada que estiver na posse do cedente será entregue ao cessionário, mas não a que estiver na posse de terceiro.

ARTIGO 583.º

(Efeitos em relação ao devedor)

1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.

2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.

ARTIGO 584.º

(Cessão a várias pessoas)

Se o mesmo crédito for cedido a várias pessoas, prevalece a cessão que primeiro for notificada ao devedor ou que por este tiver sido aceita.

ARTIGO 585.º

(Meios de defesa oponíveis pelo devedor)

O devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão.

ARTIGO 586.º

(Documentos e outros meios probatórios)

O cedente é obrigado a entregar ao cessionário os documentos e outros meios probatórios do crédito, que estejam na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo.

ARTIGO 587.º

(Garantia da existência do crédito e da solvência do devedor)

1. O cedente garante ao cessionário a existência e a exigibilidade do crédito ao tempo da cessão, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.

2. O cedente só garante a solvência do devedor se a tanto expressamente se tiver obrigado.

ARTIGO 588.º

(Aplicação das regras da cessão a outras figuras)

As regras da cessão de créditos são extensivas, na parte aplicável, à cessão de quaisquer outros direitos não exceptuados por lei, bem como à transferência legal ou judicial de créditos.

SECÇÃO II — Sub-rogação

ARTIGO 589.º

(Sub-rogação pelo credor)

O credor que recebe a prestação de terceiro pode sub-rogá-lo nos seus direitos, desde que o faça expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação.

ARTIGO 590.º

(Sub-rogação pelo devedor)

1. O terceiro que cumpre a obrigação pode ser igualmente sub-rogado pelo devedor até ao momento do cumprimento, sem necessidade do consentimento do credor.

2. A vontade de sub-rogar deve ser expressamente manifestada.

ARTIGO 591.º

(Sub-rogação em consequência de empréstimo

feito ao devedor)

1. O devedor que cumpre a obrigação com dinheiro ou outra coisa fungível emprestada por terceiro pode sub-rogar este nos direitos do credor.

2. A sub-rogação não necessita do consentimento do credor, mas só se verifica quando haja declaração expressa, no documento do empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor.

ARTIGO 592.º

(Sub-rogação legal)

1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito.

2. Ao cumprimento é equiparada a dação em cumprimento, a consignação em depósito, a compensação ou outra causa de satisfação do crédito compatível com a sub-rogação.

ARTIGO 593.º

(Efeitos da sub-rogação)

1. O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

2. No caso de satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada.

3. Havendo vários sub-rogados, ainda que em momentos sucessivos, por satisfações parciais do crédito, nenhum deles tem preferência sobre os demais.

ARTIGO 594.º

(Disposições aplicáveis)

É aplicável à sub-rogação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 582.º a 584.º

SECÇÃO III — Transmissão singular de dívidas

ARTIGO 595.º

(Assunção de dívida)

1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:

a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;

b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.

2. Em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidàriamente com o novo obrigado.

ARTIGO 596.º

(Ratificação do credor)

1. Enquanto não for ratificado pelo credor, podem as partes distratar o contrato a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo anterior.

2. Qualquer das partes tem o direito de fixar ao credor um prazo para a ratificação, findo o qual esta se considera recusada.

ARTIGO 587.º

(Invalidade da transmissão)

Se o contrato de transmissão da dívida for declarado nulo ou anulado e o credor tiver exonerado o anterior obrigado, renasce a obrigação deste, mas consideram-se extintas as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na altura em que teve notícia da transmissão.

ARTIGO 598.º

(Meios de defesa)

Na falta de convenção em contrário, o novo devedor não tem o direito de opor ao credor os meios de defesa baseados nas relações entre ele e o antigo devedor, mas pode opor-lhe os meios de defesa derivados das relações entre o antigo devedor e o credor, desde que o seu fundamento seja anterior à assunção da dívida e se não trate de meios de defesa pessoais do antigo devedor.

ARTIGO 599.º

(Transmissão de garantias e acessórios)

1. Com a dívida transmitem-se para o novo devedor, salvo convenção em contrário, as obrigações acessórias do antigo devedor que não sejam inseparáveis da pessoa deste.

2. Mantêm-se nos mesmos termos as garantias do crédito, com excepção das que tiverem sido constituídas por terceiro ou pelo antigo devedor, que não haja consentido na transmissão da dívida.

ARTIGO 600.º

(Insolvência do novo devedor)

O credor que tiver exonerado o antigo devedor fica impedido de exercer contra ele o seu direito de crédito ou qualquer direito de garantia, se o novo devedor se mostrar insolvente, a não ser que expressamente haja ressalvado a responsabilidade do primitivo obrigado.

CAPÍTULO V — Garantia geral das obrigações

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 601.º

(Princípio geral)

Pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios.

ARTIGO 602.º

(Limitação da responsabilidade por convenção das partes)

Salvo quando se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes, é possível, por convenção entre elas, limitar a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens no caso de a obrigação não ser voluntàriamente cumprida.

ARTIGO 603.º

(Limitação por determinação de terceiro)

1. Os bens deixados ou doados com a cláusula de exclusão da responsabilidade por dívidas do beneficiário respondem pelas obrigações posteriores à liberalidade, e também pelas anteriores se for registada a penhora antes do registo daquela cláusula.

2. Se a liberalidade tiver por objecto bens não sujeitos a registo, ar cláusula só é oponível aos credores cujo direito seja anterior à liberalidade.

ARTIGO 604.º

(Concurso de credores)

1. Não existindo causas legítimas de preferência, os credores têm o direito de ser pagos proporcionalmente pelo preço dos bens do devedor, quando ele não chegue para integral satisfação dos débitos.

2. São causas legítimas de preferência, além de outras admitidas na lei, a consignação de rendimentos, o penhor, a hipoteca, o privilégio e o direito de retenção.

SECÇÃO II — Conservação da garantia patrimonial

SUBSECÇÃO I — Declaração de nulidade

ARTIGO 605.º

(Legitimidade dos credores)

1. Os credores têm legitimidade para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor, quer estes sejam anteriores, quer posteriores à constituição do crédito, desde que tenham interesse na declaração da nulidade, não sendo necessário que o acto produza ou agrave a insolvência do devedor.

2. A nulidade aproveita não só ao credor que a tenha invocado, como a todos os demais.

SUBSECÇÃO II — Sub-rogação do credor ao devedor

ARTIGO 606.º

(Direitos sujeitos à sub-rogação)

1. Sempre que o devedor o não faça, tem o credor a faculdade de exercer, contra terceiro, os direitos de conteúdo patrimonial que competem àquele, excepto se, por sua própria natureza ou disposição da lei, só puderem ser exercidos pelo respectivo titular.

2. A sub-rogação, porém, só é permitida quando seja essencial à satisfação ou garantia do direito do credor.

ARTIGO 607.º

(Credores sob condição suspensiva ou a prazo)

O credor sob condição suspensiva e o credor a prazo apenas são admitidos a exercer a sub-rogação quando mostrem ter interesse em não aguardar a verificação da condição ou o vencimento do crédito.

ARTIGO 608.º

(Citação do devedor)

Sendo exercida judicialmente a sub-rogação, é necessária a citação do devedor.

ARTIGO 609.º

(Efeitos da sub-rogação)

A sub-rogação exercida por um dos credores aproveita a todos os demais.

SUBSECÇÃO III — Impugnação pauliana

ARTIGO 610.º

(Requisitos gerais)

Os actos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

a) Ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade.

ARTIGO 611.º

(Prova)

Incumbe ao credor a prova do montante das dívidas, e ao devedor ou a terceiro interessado na manutenção do acto a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

ARTIGO 612.º

(Requisito da má fé)

1. O acto oneroso só está sujeito à impugnação pau-liana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé; se o acto for gratuito, a impugnação procede, ainda que um e outro agissem de boa fé.

2. Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor.

ARTIGO 613.º

(Transmissões posteriores

ou constituição posterior de direitos)

1. Para que a impugnação proceda contra as transmissões posteriores, é necessário:

a) Que, relativamente à primeira transmissão, se verifiquem os requisitos da impugnabilidade referidos nos artigos anteriores;

b) Que haja má fé tanto do alienante como do posterior adquirente, no caso de a nova transmissão ser a título oneroso.

2. O disposto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, à constituição de direitos sobre os bens transmitidos em benefício de terceiro.

ARTIGO 614.º

(Créditos não vencidos ou sob condição suspensiva)

1. Não obsta ao exercício da impugnação o facto de o direito do credor não ser ainda exigível.

2. O credor sob condição suspensiva pode, durante a pendência da condição, verificados os requisitos da impugnabilidade, exigir a prestação de caução.

ARTIGO 615.º

(Actos impugnáveis)

1. Não obsta à impugnação a nulidade do acto realizado pelo devedor.

2. O cumprimento de obrigação vencida não está sujeito a impugnação; mas é impugnável o cumprimento tanto da obrigação ainda não exigível como da obrigação natural.

ARTIGO 616.º

(Efeitos em relação ao credor)

1. Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

2. O adquirente de má fé é responsável pelo valor dos bens que tenha alienado, bem como dos que tenham perecido ou se hajam deteriorado por caso fortuito, salvo se provar que a perda ou deterioração se teriam igualmente verificado no caso de os bens se encontrarem no poder do devedor.

3. O adquirente de boa fé responde só na medida do seu enriquecimento.

4. Os efeitos da impugnação aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.

ARTIGO 617.º

(Relações entre devedor e terceiro)

1. Julgada procedente a impugnação, se o acto impugnado for de natureza gratuita, o devedor só é responsável perante o adquirente nos termos do disposto em matéria de doações; sendo o acto oneroso, o adquirente tem sòmente o direito de exigir do devedor aquilo com que este se enriqueceu.

2. Os direitos que terceiro adquira contra o devedor não prejudicam a satisfação dos direitos do credor sobre os bens que são objecto da restituição.

ARTIGO 618.º

(Caducidade)

O direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do acto impugnável.

SUBSECÇÃO IV — Arresto

ARTIGO 619.º

(Requisitos)

1. O credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, nos termos da lei de processo.

2. O credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão.

ARTIGO 620.º

(Caução)

O requerente do arresto é obrigado a prestar caução, se esta lhe for exigida pelo tribunal.

ARTIGO 621.º

(Responsabilidade do credor)

Se o arresto for julgado injustificado ou caducar, o requerente é responsável pelos danos causados ao arrestado, quando não tenha agido com a prudência normal.

ARTIGO 622.º

(Efeitos)

1. Os actos de disposição dos bens arrestados são ineficazes em relação ao requerente do arresto, de acordo com as regras próprias da penhora.

2. Ao arresto são extensivos, na parte aplicável, os demais efeitos da penhora.

CAPÍTULO VI — Garantias especiais das obrigações

SECÇÃO I — Prestação de caução

ARTIGO 623.º

(Caução imposta ou autorizada por lei)

1. Se alguém for obrigado ou autorizado por lei a prestar caução, sem se designar a espécie que ela deve revestir, pode a garantia ser prestada por meio de depósito de dinheiro, títulos de crédito, pedras ou metais preciosos, ou por penhor, hipoteca ou fiança bancária.

2. Se a caução não puder ser prestada por nenhum dos meios referidos, é lícita a prestação de outra espécie de fiança, desde que o fiador renuncie ao benefício da excussão.

3. Cabe ao tribunal apreciar a idoneidade da caução, sempre que não haja acordo dos interessados.

ARTIGO 624.º

(Canção resultante de negócio jurídico

ou determinação do tribunal)

1. Se alguém for obrigado ou autorizado por negócio jurídico a prestar caução, ou esta for imposta pelo tribunal, é permitido prestá-la por meio de qualquer garantia, real ou pessoal.

2. É aplicável, nestes casos, o disposto no n.º 3 do artigo anterior.

ARTIGO 625.º

(Falta de prestação de caução)

1. Se a pessoa obrigada à caução a não prestar, o credor tem o direito de requerer o registo de hipoteca sobre os bens do devedor, ou outra cautela idónea, salvo se for diferente a solução especialmente fixada na lei.

2. A garantia limita-se aos bens suficientes para assegurar o direito do credor.

ARTIGO 626.º

(Insuficiência ou impropriedade da caução)

Quando a caução prestada se torne insuficiente ou imprópria, por causa não imputável ao credor, tem este o direito de exigir que ela seja reforçada ou que seja prestada outra forma de caução.

SECÇÃO II — Fiança

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 627.º

(Noção. Acessoriedade)

1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor.

2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.

ARTIGO 628.º

(Requisitos)

1. A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.

2. A fiança pode ser prestada sem conhecimento do devedor ou contra a vontade dele, e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional.

ARTIGO 629.º

(Mandato de crédito)

1. Aquele que encarrega outrem de dar crédito a terceiro, em nome e por conta do encarregado, responde como fiador, se o encargo for aceito.

2. O autor do encargo tem a faculdade de revogar o mandato enquanto o crédito não for concedido, assim como a todo o momento o pode denunciar, sem prejuízo da responsabilidade pelos danos que haja causado.

3. É lícito ao encarregado recusar o cumprimento do encargo, sempre que a situação patrimonial dos outros contraentes ponha em risco o seu futuro direito.

ARTIGO 630.º

(Subfiança)

Subfiador é aquele que afiança o fiador perante o credor.

ARTIGO 631.º

(Âmbito da fiança)

1. A fiança não pode exceder a dívida principal nem ser contraída em condições mais onerosas, mas pode ser contraída por quantidade menor ou em menos onerosas condições.

2. Se exceder a dívida principal ou for contraída em condições mais onerosas, a fiança não é nula, mas apenas redutível aos precisos termos da dívida afiançada.

ARTIGO 632.º

(Invalidade da obrigação principal)

1. A fiança não é válida se o não for a obrigação principal.

2. Sendo, porém, anulada a obrigação principal, por incapacidade ou por falta ou vício da vontade do devedor, nem por isso a fiança deixa de ser válida, se o fiador conhecia a causa da anulabilidade ao tempo em que a fiança foi prestada.

ARTIGO 633.º

(Idoneidade do fiador. Reforço da fiança)

1. Se algum devedor estiver obrigado a dar fiador, não é o credor forçado a aceitar quem não tiver capacidade para se obrigar ou não tiver bens suficientes para garantir a obrigação.

2. Se o fiador nomeado mudar de fortuna, de modo que haja risco de insolvência, tem o credor a faculdade de exigir o reforço da fiança.

3. Se o devedor não reforçar a fiança ou não oferecer outra garantia idónea dentro do prazo que lhe for fixado pelo tribunal, tem o credor o direito de exigir o imediato cumprimento da obrigação.

SUBSECÇÃO II — Relações entre o credor e o fiador

ARTIGO 634.º

(Obrigação do fiador)

A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.

ARTIGO 635.º

(Caso julgado)

1. O caso julgado entre credor e devedor não é oponível ao fiador, mas a este é lícito invocá-lo em seu benefício, salvo se respeitar a circunstâncias pessoais do devedor que não excluam a responsabilidade do fiador.

2. O caso julgado entre credor e fiador aproveita ao devedor, desde que respeite à obrigação principal, mas não o prejudica o caso julgado desfavorável.

ARTIGO 638.º

(Prescrição: interrupção, suspensão e renúncia)

1. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito contra o fiador, nem a interrupção relativa a este tem eficácia contra aquele; mas, se o credor interromper a prescrição contra o devedor e der conhecimento do facto ao fiador, considera-se a prescrição interrompida contra este na data da comunicação.

2. A suspensão da prescrição relativamente ao devedor não produz efeito em relação ao fiador, nem a suspensão relativa a este se repercute naquele.

3. A renúncia à prescrição por parte de um dos obrigados também não produz efeito relativamente ao outro.

ARTIGO 637.º

(Meios de defesa do fiador)

1. Além dos meios de defesa que lhe são próprios, o fiador tem o direito de opor ao credor aqueles que competem ao devedor, salvo sé forem incompatíveis com a obrigação do fiador.

2. A renúncia do devedor a qualquer meio de defesa não produz efeito em relação ao fiador.

ARTIGO 638.º

(Benefício da excussão)

1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.

2. É licita ainda a recusa, não obstante a excussão de todos os bens do devedor, se o fiador provar que o crédito não foi satisfeito por culpa do credor.

ARTIGO 639.º

(Beneficio da excussão, havendo garantias reais)

1. Se, para segurança da mesma dívida, houver garantia real constituída por terceiro, contemporânea da fiança ou anterior a ela, tem o fiador o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real.

2. Quando as coisas oneradas garantam outros créditos do mesmo credor, o disposto no número anterior só é aplicável se o valor delas for suficiente para satisfazer a todos.

3. O autor da garantia real, depois de executado, não fica sub-rogado nos direitos do credor contra o fiador.

ARTIGO 640.º

(Exclusão dos benefícios anteriores)

O fiador não pode invocar os benefícios constantes dos artigos anteriores:

a) Se houver renunciado ao benefício da excussão e, em especial, se tiver assumido a obrigação de principal pagador;

b) Se o devedor ou o dono dos bens onerados com a garantia não puder, em virtude de facto posterior à constituição da fiança, ser demandado ou executado no território continental ou das ilhas adjacentes.

ARTIGO 641.º

(Chamamento do devedor à demanda)

1. O credor, ainda que o fiador goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só ou juntamente com o devedor; se for demandado só, ainda que não goze do benefício da excussão, o fiador tem a faculdade de chamar o devedor à demanda, para com ele se defender ou ser conjuntamente condenado.

2. Salvo declaração expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do devedor à demanda importa renúncia ao beneficio da excussão.

ARTIGO 642.º

(Outros meios de defesa do fiador)

1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o direito do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.

2. Enquanto o devedor tiver o direito de impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, pode igualmente o fiador recusar o cumprimento.

ARTIGO 643.º

(Subfiador)

O subfiador goza do benefício da excussão, tanto em relação ao fiador como em relação ao devedor.

SUBSECÇÃO III — Relações entre o devedor e o fiador

ARTIGO 644.º

(Sub-rogação)

O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos.

ARTIGO 645.º

(Aviso do cumprimento ao devedor)

1. O fiador que cumprir a obrigação deve avisar do cumprimento o devedor, sob pena de perder o seu direito contra este no caso de o devedor, por erro, efectuar de novo a prestação.

2. O fiador que, nos termos do número anterior, perder o seu direito contra o devedor pode repetir do credor a prestação feita, como se fosse indevida.

ARTIGO 646.º

(Aviso do cumprimento ao fiador)

O devedor que cumprir a obrigação deve avisar o fiador, sob pena de responder pelo prejuízo que causar se culposamente o não fizer.

ARTIGO 647.º

(Meios de defesa)

O devedor que consentir no cumprimento pelo fiador ou que, avisado por este, lhe não der conhecimento, injustificadamente, dos meios de defesa que poderia opor ao credor fica impedido de opor esses meios contra o fiador.

ARTIGO 648.º

(Direito à liberação ou à prestação de caução)

É permitido ao fiador exigir a sua liberação, ou a prestação de caução para garantia do seu direito eventual contra o devedor, nos casos seguintes:

a) Se o credor obtiver contra o fiador sentença exequível;

b) Se os riscos da fiança se agravarem sensivelmente;

c) Se, após a assunção da fiança, o devedor se houver colocado na situação prevista na alínea b) do artigo 640.º;

d) Se o devedor se houver comprometido a desonerar o fiador dentro de certo prazo ou verificado certo evento e já tiver decorrido o prazo ou se tiver verificado o evento previsto;

e) Se houverem decorrido cinco anos, não tendo a obrigação principal um termo, ou se, tendo-o, houver prorrogação legal imposta a qualquer das partes.

SUBSECÇÃO IV — Pluralidade de fiadores

ARTIGO 649.º

(Responsabilidade para com o credor)

1. Se várias pessoas tiverem, isoladamente, afiançado o devedor pela mesma dívida, responde cada uma delas pela satisfação integral do crédito, excepto se foi convencionado o benefício da divisão; são aplicáveis, naquele caso, com as ressalvas necessárias, as regras das obrigações solidárias.

2. Se os fiadores se houverem obrigado conjuntamente, ainda que em momentos diferentes, é lícito a qualquer deles invocar o benefício da divisão, respondendo, porém, cada um deles, proporcionalmente, pela quota do confiador que se encontre insolvente.

3. É equiparado ao fiador insolvente aquele que não puder ser demandado, nos termos da alínea b) do artigo 640.º

ARTIGO 650.º

(Relações entre fiadores e subfiadores)

1. Havendo vários fiadores, e respondendo cada um deles pela totalidade da prestação, o que tiver cumprido fica sub-rogado nos direitos do credor contra o devedor e, de harmonia com as regras das obrigações solidárias, contra os outros fiadores.

2. Se o fiador, judicialmente demandado, cumprir integralmente a obrigação ou uma parte superior à sua quota, apesar de lhe ser lícito invocar o benefício da divisão, tem o direito de reclamar dos outros as quotas deles, no que haja pago a mais, ainda que o devedor não esteja insolvente.

3. Se o fiador, podendo embora invocar o benefício da divisão, cumprir voluntàriamente a obrigação nas condições previstas no número anterior, o seu regresso contra os outros fiadores só é admitido depois de excutidos todos os bens do devedor.

4. Se algum dos fiadores tiver um subfiador, este não responde, perante os outros fiadores, pela quota do seu afiançado que se mostre insolvente, salvo se o contrário resultar do acto da subfiança.

SUBECÇÃO V — Extinção da fiança

ARTIGO 651.º

(Extinção da obrigação principal)

A extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança.

ARTIGO 652.º

(Vencimento da obrigação principal)

1. Se a obrigação principal for a prazo, o fiador que gozar do benefício da excussão pode exigir, vencida a obrigação, que o credor proceda contra o devedor dentro de dois meses, a contar do vencimento, sob pena de a fiança caducar; este prazo não termina sem decorrer um mês sobre a notificação feita ao credor.

2. Sob igual cominação pode o fiador que goze do benefício da excussão exigir a interpelação do devedor, quando dela depender o vencimento da obrigação e houver decorrido mais de um ano sobre a assunção da fiança.

ARTIGO 653.º

(Liberação por impossibilidade de sub-rogação)

Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.

ARTIGO 654.º

(Obrigação futura)

Sendo a fiança prestada para garantia de obrigação futura, tem o fiador, enquanto a obrigação se não constituir, a possibilidade de liberar-se da garantia, se a situação patrimonial do devedor se agravar em termos de pôr em risco os seus direitos eventuais contra este, ou se tiverem decorrido cinco anos sobre a prestação da fiança, quando outro prazo não resulte da convenção.

ARTIGO 655.º
revogado

SECÇÃO III — Consignação de rendimentos

ARTIGO 656.º

(Noção)

1. O cumprimento da obrigação, ainda que condicional ou futura, pode ser garantido mediante a consignação dos rendimentos de certos bens imóveis, ou de certos bens móveis sujeitos a registo.

2. A consignação de rendimentos pode garantir o cumprimento da obrigação e o pagamento dos juros, ou apenas o cumprimento da obrigação, ou só o pagamento dos juros.

ARTIGO 657.º

(Legitimidade. Consignação constituída por terceiro)

1. Só tem legitimidade para constituir a consignação quem puder dispor dos rendimentos consignados.

2. É aplicável à consignação constituída por terceiro o disposto no artigo 717.º

ARTIGO 658.º

(Espécies)

1. A consignação é voluntária ou judicial.

2. É voluntária a consignação constituída pelo devedor ou por terceiro, quer mediante negócio entre vivos, quer por meio de testamento, e judicial a que resulta de decisão do tribunal.

ARTIGO 659.º

(Prazo)

1. A consignação de rendimentos pode fazer-se por determinado número de anos ou até ao pagamento da dívida garantida.

2. Quando incida sobre os rendimentos de bens imóveis, a consignação nunca excederá o prazo de quinze anos.

ARTIGO 660.º

Forma e registo

1 — Salvo o disposto em lei especial, o acto constitutivo da consignação voluntária deve constar de escritura pública, de documento particular autenticado ou de testamento, se respeitar a coisas imóveis, e de escrito particular, quando recaia sobre móveis.

2 — A consignação está sujeita a registo, salvo se tiver por objecto os rendimentos de títulos de crédito nominativos, devendo neste caso ser mencionada nos títulos e averbada, nos termos da respectiva legislação.

ARTIGO 661.º

(Modalidades)

1. Na consignação é possível estipular:

a) Que continuem em poder do concedente os bens cujos rendimentos são consignados;

b) Que os bens passem para o poder do credor, o qual fica, na parte aplicável, equiparado ao locatário, sem prejuízo da faculdade de por seu turno os locar;

c) Que os bens passem para o poder de terceiro, por título de locação ou por outro, ficando o credor com o direito de receber os respectivos frutos.

2. Os frutos da coisa são imputados primeiro nos juros, e só depois no capital, se a consignação garantir tanto o capital como os juros.

ARTIGO 662.º

(Prestação de contas)

1. Continuando os bens no poder do concedente, tem o credor o direito de exigir dele a prestação anual de contas, se não houver de receber em cada período uma importância fixa.

2. De igual direito goza o concedente, em relação ao credor, nos demais casos previstos no n.º 1 do artigo anterior.

ARTIGO 663.º

(Obrigações do credor. Renúncia à garantia)

1. Se os bens cujos rendimentos são consignados passarem para o poder do credor, deve este administrá-los como um proprietário diligente e pagar as contribuições e demais encargos das coisas.

2. O credor só pode liberar-se das obrigações referidas no número anterior renunciando à garantia.

3. À renúncia é aplicável o disposto no artigo 731.º

ARTIGO 664.º

(Extinção)

A consignação extingue-se pelo decurso do prazo estipulado, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do artigo 730.º

ARTIGO 665.º

(Remissão)

São aplicáveis à consignação, com as necessárias adaptações, os artigos 692.º, 694.º 696.º, 701.º e 702.º

SECÇÃO IV — Penhor

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 666.º

(Noção)

1. O penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

2. É havido como penhor o depósito a que se refere o n.º 1 do artigo 623.º

3. A obrigação garantida pelo penhor pode ser futura ou condicional.

ARTIGO 667.º

(Legitimidade para empenhar.

Penhor constituído por terceiro)

1. Só tem legitimidade para dar bens em penhor quem os puder alienar.

2. É aplicável ao penhor constituído por terceiro o disposto no artigo 717.º

ARTIGO 668.º

(Regimes especiais)

As disposições desta secção não prejudicam os regimes especiais estabelecidos por lei para certas modalidades de penhor.

SUBSECÇÃO II — Penhor de coisas

ARTIGO 669.º

(Constituição do penhor)

1. O penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro.

2. A entrega pode consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa.

ARTIGO 670.º

(Direitos do credor pignoratício)

Mediante o penhor, o credor pignoratício adquire o direito:

a) De usar, em relação à coisa empenhada, das acções destinadas à defesa da posse, ainda que seja contra o próprio dono;

b) De ser indemnizado das benfeitorias necessárias e úteis e de levantar estas últimas, nos termos do artigo 1273.º;

c) De exigir a substituição ou o reforço do penhor ou ocumprimento imediato da obrigação, se a coisa empenhada perecer ou se tornar insuficiente para segurança da dívida, nos termos fixados para a garantia hipotecária.

ARTIGO 671.º

(Deveres do credor pignoratício)

O credor pignoratício é obrigado:

a) A guardar e administrar como um proprietário diligente a coisa empenhada, respondendo pela sua existíncia e conservação;

b) A não usar dela sem consentimento do autor do penhor, excepto se o uso for indispensável à conservação da coisa;

c) A restituir a coisa, extinta a obrigação a que serve de garantia.

ARTIGO 672.º

(Frutos da coisa empenhada)

1. Os frutos da coisa empenhada serão encontrados nas despesas feitas com ela e nos juros vencidos, devendo o excesso, na falta de convenção em contrário, ser abatido no capital que for devido.

2. Havendo lugar à restituição de frutos, não se consideram estes, salvo convenção em contrário, abrangidos pelo penhor.

ARTIGO 673.º

(Uso da coisa empenhada)

Se o credor usar da coisa empenhada contra o disposto na alínea b) do artigo 671.º, ou proceder de forma que a coisa corra o risco de perder-se ou deteriorar-se, tem o autor do penhor o direito de exigir que ele preste caução idónea ou que a coisa seja depositada em poder de terceiro.

ARTIGO 674.º

(Venda antecipada)

1. Sempre que haja receio fundado de que a coisa empenhada se perca ou deteriore, tem o credor, bem como o autor do penhor, a faculdade de proceder à venda antecipada da coisa, mediante prévia autorização judicial.

2. Sobre o produto da venda fica o credor com os direitos que lhe cabiam em relação à coisa vendida, podendo o tribunal, no entanto, ordenar que o preço seja depositado.

3. O autor do penhor tem a faculdade de impedir a venda antecipada da coisa, oferecendo outra garantia real idónea.

ARTIGO 675.º

(Execução do penhor)

1 — Vencida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente, se as partes assim o tiverem convencionado.

2 — É lícito aos interessados convencionar que a coisa empenhada seja adjudicada ao credor pelo valor que o tribunal fixar.

ARTIGO 676.º

(Cessão da garantia)

1. O direito de penhor pode ser transmitido independentemente da cessão do crédito, sendo aplicável neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto sobre a transmissão da hipoteca.

2. À entrega da coisa empenhada ao cessionário é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 582.º

ARTIGO 677.º

(Extinção do penhor)

O penhor extingue-se pela restituição da coisa empenhada, ou do documento a que se refere o n.º 1 do artigo 669.º, e ainda pelas mesmas causas por que cessa o direito da hipoteca, com excepção da indicada na alínea b) do artigo 730.º

ARTIGO 678.º

(Remissão)

São aplicáveis ao penhor, com as necessárias adaptações, os artigos 692.º, 694.º a 699.º, 701.º e 702.º

SUBSECÇÃO III — Penhor de direitos

ARTIGO 679.º

(Disposições aplicáveis)

São extensivas ao penhor de direitos, com as necessárias adaptações, as disposições da subsecção anterior, em tudo o que não seja contrariado pela natureza especial desse penhor ou pelo preceituado nos artigos subsequentes.

ARTIGO 680.º

(Objecto)

Só é admitido o penhor de direitos quando estes tenham por objecto coisas móveis e sejam susceptíveis de transmissão.

ARTIGO 681.º

(Forma e publicidade)

1. A constituição do penhor de direitos está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transmissão dos direitos empenhados.

2. Se, porém, tiver por objecto um crédito, o penhor só produz os seus efeitos desde que seja notificado ao respectivo devedor, ou desde que este o aceite, salvo tratando-se de penhor sujeito a registo, pois neste caso produz os seus efeitos a partir do registo.

3. A ineficácia do penhor por falta de notificação ou registo não impede a aplicação, com as necessárias correcções, do disposto no n.º 2 do artigo 583.º

ARTIGO 682.º

(Entrega de documentos)

O titular do direito empenhado deve entregar ao credor pignoratício os documentos comprovativos desse direito que estiverem na sua posse e em cuja conservação não tenha interesse legítimo.

ARTIGO 683.º

(Conservação do direito empenhado)

O credor pignoratício é obrigado a praticar os actos indispensáveis à conservação do direito empenhado e a cobrar os juros e mais prestações acessórias compreendidas na garantia.

ARTIGO 684.º

(Relações entre o obrigado e o credor pignoratício)

Dado em penhor um direito por virtude do qual se possa exigir uma prestação, as relações entre o obrigado e o credor pignoratício estão sujeitas às disposições aplicáveis, na cessão de créditos, às relações entre o devedor e o cessionário.

ARTIGO 685.º

(Cobrança de créditos empenhados)

1. O credor pignoratício deve cobrar o crédito empenhado logo que este se torne exigível, passando o penhor a incidir sobre a coisa prestada em satisfação desse crédito.

2. Se, porém, o crédito tiver por objecto a prestação de dinheiro ou de outra coisa fungível, o devedor não pode fazê-la senão aos dois credores conjuntamente; na falta de acordo entre os interessados, tem o obrigado a faculdade de usar da consignação em depósito.

3. Se o mesmo crédito for objecto de vários penhores, só o credor cujo direito prefira aos demais tem legitimidade para cobrar o crédito empenhado; mas os outros têm a faculdade de compelir o devedor a satisfazer a prestação ao credor preferente.

4. O titular do crédito empenhado só pede receber a respectiva prestação com o consentimento do credor pignoratício, extinguindo-se neste caso o penhor.

SECÇÃO V — Hipoteca

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 686.º

(Noção)

1. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

2. A obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional.

ARTIGO 687.º

(Registo)

A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.

ARTIGO 688.º

(Objecto)

1. Só podem ser hipotecados:

a) Os prédios rústicos e urbanos;

b) O domínio directo e o domínio útil dos bens enfitêuticos;

c) O direito de superfície;

d) O direito resultante de concessões em bens do domínio público, observadas as disposições legais relativas à transmissão dos direitos concedidos;

e) O usufruto das coisas e direitos constantes das alíneas anteriores;

f) As coisas móveis que, para este efeito, sejam por lei equiparadas às imóveis.

2. As partes de um prédio susceptíveis de propriedade autónoma sem perda da sua natureza imobiliária podem ser hipotecadas separadamente.

ARTIGO 669.º

(Bens comuns)

1. É também susceptível de hipoteca a quota de coisa ou direito comum.

2. A divisão da coisa ou direito comum, feita com o consentimento do credor, limita a hipoteca à parte que for atribuída ao devedor.

ARTIGO 690.º

(Bens excluídos)

Não pode ser hipotecada a meação dos bens comuns do casal, nem tão-pouco a quota de herança indivisa.

ARTIGO 691.º

(Extensão)

1 — A hipoteca abrange:

a) As coisas imóveis referidas nas alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 204.º;

b) As acessões naturais;

c) As benfeitorias, salvo o direito de terceiros.

2 — Na hipoteca de fábricas, consideram-se abrangidos pela garantia os maquinismos e demais móveis inventariados no título constitutivo, mesmo que não sejam parte integrante dos respectivos imóveis.

3 — Os donos e possuidores de maquinismos, móveis e utensílios destinados à exploração de fábricas, abrangidos no registo de hipoteca dos respectivos imóveis, não os podem alienar ou retirar sem consentimento escrito do credor e incorrem na responsabilidade própria dos fiéis depositários.

ARTIGO 692.º

(Indemnizações devidas)

1. Se a coisa ou direito hipotecado se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o dono tiver direito a ser indemnizado, os titulares da garantia conservam, sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização, as preferências que lhes competiam em relação à coisa onerada.

2. Depois de notificado da existência da hipoteca, o devedor da indemnização não se libera pelo cumprimento da sua obrigação com prejuízo dos direitos conferidos no número anterior.

3. O disposto nos números precedentes é aplicável às indemnizações devidas por expropriação ou requisição, bem como por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e aos casos análogos.

ARTIGO 693.º

(Acessórios do crédito)

1. A hipoteca assegura os acessórios do crédito que constem do registo.

2. Tratando-se de juros, a hipoteca nunca abrange, não obstante convenção em contrário, mais do que os relativos a três anos.

3. O disposto no número anterior não impede o registo de nova hipoteca em relação a juros em dívida.

ARTIGO 694.º

(Pacto comissório)

E nula, mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca, a convenção pela qual o credor fará sua a coisa onerada no caso de o devedor não cumprir.

ARTIGO 695.º

(Cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados)

É igualmente nula a convenção que proíba o respectivo dono de alienar ou onerar os bens hipotecados, embora seja lícito convencionar que o crédito hipotecário se vencerá logo que esses bens sejam alienados ou onerados.

ARTIGO 696.º

(Indivisibilidade)

Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.

ARTIGO 697.º

(Penhora dos bens)

O devedor que for dono da coisa hipotecada tem o direito de se opor não só a que outros bens sejam penhorados na execução enquanto se não reconhecer a insuficiência da garantia, mas ainda a que, relativamente aos bens onerados, a execução se estenda além do necessário à satisfação do direito do credor.

ARTIGO 698.º

(Defesa do dono da coisa ou do titular do direito)

1. Sempre que o dono da coisa ou o titular do direito hipotecado seja pessoa diferente do devedor, é-lhe lícito opor ao credor, ainda que o devedor a eles tenha renunciado, os meios de defesa que o devedor tiver contra o crédito, com exclusão das excepções que são recusadas ao fiador.

2. O dono ou o titular a que o número anterior se refere tem a faculdade de se opor à execução enquanto o devedor puder impugnar o negócio donde provém a sua obrigação, ou o credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor, ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.

ARTIGO 699.º

(Hipoteca e usufruto)

1. Extinguindo-se o usufruto constituído sobre a coisa hipotecada, o direito do credor hipotecário passa a exercer-se sobre a coisa, como se o usufruto nunca tivesse sido constituído.

2. Se a hipoteca tiver por objecto o direito de usufruto, considera-se extinta com a extinção deste direito.

3. Porém, se a extinção do usufruto resultar de renúncia, ou da transferência dos direitos do usufrutuário para o proprietário, ou da aquisição da propriedade por parte daquele, a hipoteca subsiste, como se a extinção do direito se não tivesse verificado.

ARTIGO 700.º

(Administração da coisa hipotecada)

O corte de árvores ou arbustos, a colheita de frutos naturais e a alienação de partes integrantes ou coisas acessórias abrangidas pela hipoteca só são eficazes em relação ao credor hipotecário se forem anteriores ao registo da penhora e couberem nos poderes de administração ordinária.

ARTIGO 701.º

(Substituição ou reforço da hipoteca)

1. Quando, por causa não imputável ao credor, a coisa hipotecada perecer ou a hipoteca se tornar insuficiente para segurança da obrigação, tem o credor o direito de exigir que o devedor a substitua ou reforce; e, não o fazendo este nos termos declarados na lei de processo, pode aquele exigir o imediato cumprimento da obrigação ou, tratando-se de obrigação futura, registar hipoteca sobre outros bens do devedor.

2. Não obsta ao direito do credor o facto de a hipoteca ter sido constituída por terceiro, salvo se o devedor for estranho à sua constituição; porém, mesmo neste caso, se a diminuição da garantia for devida a culpa do terceiro, o credor tem o direito de exigir deste a substituição ou o reforço, ficando o mesmo sujeito à cominação do número anterior em lugar do devedor.

ARTIGO 702.º

(Seguro)

1. Quando o devedor se comprometa a segurar a coisa hipotecada e não a segure no prazo devido ou deixe rescindir o contrato por falta de pagamento dos respectivos prémios, tem o credor a faculdade de segurá-la à custa do devedor; mas, se o fizer por um valor excessivo, pode o devedor exigir a redução do contrato aos limites convenientes.

2. Nos casos previstos no número anterior, pode o credor reclamar, em lugar do seguro, o imediato cumprimento da obrigação.

ARTIGO 703.º

(Espécies de hipoteca)

A s hipotecas são legais, judiciais ou voluntárias.

SUBSECÇÃO II — Hipotecas legais

ARTIGO 704.º

(Noção)

As hipotecas legais resultam imediatamente da lei, sem dependência da vontade das partes, e podem constituir-se desde que exista a obrigação a que servem de segurança.

ARTIGO 705.º

(Credores com hipoteca legal)

Os credores que têm hipoteca legal são:

a) O Estado e as autarquias locais, sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos à contribuição predial, para garantia do pagamento desta contribuição;

b) O Estado e as demais pessoas colectivas públicas, sobre os bens dos encarregados da gestão de fundos públicos, para garantia do cumprimento das obrigações por que se tornem responsáveis;

c) O menor e o maior acompanhado, sobre os bens do tutor, acompanhante e administrador legal, para assegurar a responsabilidade que nestas qualidades vierem a assumir;

d) O credor por alimentos;

e) O co-herdeiro, sobre os bens adjudicados ao devedor de tornas, para garantir o pagamento destas;

f) O legatário de dinheiro ou outra coisa fungível, sobre os bens sujeitos ao encargo do legado ou, na sua falta, sobre os bens que os herdeiros responsáveis houveram do testador.

ARTIGO 706.º

Registo da hipoteca a favor de menor

ou de maior acompanhado

1 — A determinação do valor da hipoteca estabelecida a favor do menor ou do maior acompanhado, para efeito do registo, e a designação dos bens sobre que há de ser registada cabem ao conselho de família ou, na sua falta, ao tutor ou ao acompanhante.

2 — Têm legitimidade para requerer o registo o tutor, o administrador legal, os vogais do conselho de família, o acompanhante e qualquer dos parentes do menor.

ARTIGO 707.º

(Substituição por outra caução)

1. O tribunal pode autorizar, a requerimento do devedor, a substituição da hipoteca legal por outra caução.

2. Não tendo o devedor bens susceptíveis de hipoteca, suficientes para garantir o crédito, pode o credor exigir outra caução, nos termos do artigo 625.º, salvo nos casos ias hipotecas destinadas a garantir o pagamento das tortas ou do legado de dinheiro ou outra coisa fungível.

ARTIGO 708.º

(Bens sujeitos à hipoteca legal)

Sem prejuízo do direito de redução, as hipotecas legais podem ser registadas em relação a quaisquer bens do devedor, quando não forem especificados Por lei ou no título respectivo os bens sujeitos à garantia.

ARTIGO 709.º

(Reforço)

O credor só goza do direito de reforçar as hipotecas previstas nas alíneas c) e f) do artigo 705.º se a garantia puder continuar a incidir sobre os bens aí especificados.

SUBSECÇÃO III — Hipotecas judiciais

ARTIGO 710.º

(Constituição)

1. A sentença que condenar o devedor à realização de uma prestação em dinheiro ou outra coisa fungível é título bastante para o registo de hipoteca sobre quaisquer bens do obrigado, mesmo que não haja transitado em julgado.

2. Se a prestação for ilíquida, pode a hipoteca ser registada pelo quantitativo provável do crédito.

3. Se o devedor for condenado a entregar uma, coisa ou a prestar um facto, só pode ser registada a hipoteca havendo conversão da prestação numa indemnização pecuniária.

ARTIGO 711.º

(Sentenças estrangeiras)

As sentenças dos tribunais estrangeiros, revistas e confirmadas em Portugal, podem titular o registo da hipoteca judicial, na medida em que a lei do país onde foram proferidas lhes reconheça igual valor.

SUBSECÇÃO IV — Hipotecas voluntárias

ARTIGO 712.º

(Noção)

Hipoteca voluntária é a que nasce de contrato ou declaração unilateral.

ARTIGO 713.º

(Segunda hipoteca)

A hipoteca não impede o dono dos bens de os hipotecar de novo; neste caso, extinta uma das hipotecas, ficam os bens a garantir, na sua totalidade, as restantes dívidas hipotecárias.

ARTIGO 714.º

(Forma)

Sem prejuízo do disposto em lei especial, o acto de constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública, de testamento ou de documento particular autenticado.

ARTIGO 715.º

(Legitimidade para hipotecar)

Só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar )s respectivos bens.

ARTIGO 716.º

(Hipotecas gerais)

1. São nulas as hipotecas voluntárias que incidam sobre todos os bens do devedor ou de terceiro sem os especificar.

2. A especificação deve constar do título constitutivo da hipoteca.

ARTIGO 717.º

(Hipoteca constituída por terceiro)

1. A hipoteca constituída por terceiro extingue-se na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não possa dar-se a sub-rogação daquele nos direitos deste.

2. O caso julgado proferido em relação ao devedor produz efeitos relativamente a terceiro que haja constituído a hipoteca, nos termos em que os produz em relação ao fiador.

SUBSECÇÃO V — Redução da hipoteca

ARTIGO 718.º

(Modalidades)

A hipoteca pode ser reduzida voluntária ou judicialmente.

ARTIGO 719.º

(Redução voluntária)

A redução voluntária só pode ser consentida por quem puder dispor da hipoteca, sendo aplicável à redução o regime estabelecido para a renúncia à garantia.

ARTIGO 720.º

(Redução judicial)

1. A redução judicial tem lugar, nas hipotecas legais e judiciais, a requerimento de qualquer interessado, quer no que concerne aos bens, quer no que respeita à quantia designada como montante do crédito, excepto se, por convenção ou sentença, a coisa onerada ou a quantia assegurada tiver sido especialmente indicada.

2. No caso previsto na parte final do número anterior, ou no de hipoteca voluntária, a redução judicial só é admitida:

a) Se, em consequência do cumprimento parcial ou outra causa de extinção, a dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante inicial;

b) Se, por virtude de acessões naturais ou benfeitorias, a coisa ou o direito hipotecado se tiver valorizado em mais de um terço do seu valor à data da constituição da hipoteca.

3. A redução é realizável, quanto aos bens, ainda que a hipoteca tenha por objecto uma só coisa ou direito, desde que a coisa ou direito seja susceptível de cómoda divisão.

SUBSECÇÃO VI — Transmissão dos bens hipotecados

ARTIGO 721.º

(Expurgação da hipoteca)

Aquele que adquiriu bens hipotecados, registou o título de aquisição e não é pessoalmente responsável pelo cumprimento das obrigações garantidas tem o direito de expurgar a hipoteca por qualquer dos modos seguintes:

a) Pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados;

b) Declarando que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.

ARTIGO 722.º

(Expurgação no caso de revogação de doação)

O direito de expurgação é extensivo ao doador ou aos seus herdeiros, relativamente aos bens hipotecados pelo donatário que venham ao poder daqueles em consequência da revogação da liberalidade por ingratidão do donatário, ou da sua redução por inoficiosidade.

ARTIGO 723.º

(Direitos dos credores quanto à expurgação)

1. A sentença que declarar os bens livres de hipotecas em consequência de expurgação não será proferida sem se mostrar que foram citados todos os credores hipotecários.

2. O credor que, tendo a hipoteca registada, não for citado nem comparecer espontâneamente em juízo não perde os seus direitos de credor hipotecário, seja qual for a sentença proferida em relação aos outros credores.

3. Se o requerente da expurgação não depositar a importância devida, nos termos da lei de processo, fica o requerimento sem efeito e não pode ser renovado, sem prejuízo da responsabilidade do requerente pelos danos causados aos credores.

ARTIGO 724.º

(Direitos reais que renascem pela venda judicial)

1. Se o adquirente da coisa hipotecada tinha, anteriormente à aquisição, algum direito real sobre ela, esse direito renasce no caso de venda em processo de execução ou de expurgação da hipoteca e é atendido em harmonia com as regras legais relativas a essa venda.

2. Renascem do mesmo modo e são incluídas na venda as servidões que, à data do registo da hipoteca, oneravam algum prédio do terceiro adquirente em benefício do prédio hipotecado.

ARTIGO 725.º

(Exercício antecipado do direito hipotecário

contra o adquirente)

O credor hipotecário pode, antes do vencimento do prazo, exercer o seu direito contra o adquirente da coisa ou direito hipotecado se, por culpa deste, diminuir a segurança do crédito.

ARTIGO 726.º

(Benfeitorias e frutos)

Para os efeitos dos artigos 1269.º, 1270.º e 1275.º, o terceiro adquirente é havido como possuidor de boa fé, na execução, até ao registo da penhora, e, na expurgação da hipoteca, até à venda judicial da coisa ou direito.

SUBSECÇÃO VII — Transmissão da hipoteca

ARTIGO 727.º

(Cessão da hipoteca)

1. A hipoteca que não for inseparável da pessoa do de vedor pode ser cedida sem o crédito assegurado, para garantia de crédito pertencente a outro credor do mesmo devedor, com observância das regras próprias da cessão de créditos; se, porém, a coisa ou direito hipotecado pertencer a terceiro, é necessário o consentimento deste.

2. O credor com hipoteca sobre mais de uma coisa ou direito só pode cedê-la à mesma pessoa e na sua totalidade.

ARTIGO 726.º

(Valor da hipoteca cedida)

1. A hipoteca cedida garante o novo crédito nos limites do crédito originàriamente garantido.

2. Registada a cessão, a extinção do crédito originário não afecta a subsistência da hipoteca.

ARTIGO 729.º

(Cessão do grau hipotecário)

É também permitida a cessão do grau hipotecário a favor de qualquer outro credor hipotecário posteriormente inscrito sobre os mesmos bens, observadas igualmente as regras respeitantes à cessão do respectivo crédito.

SUBSECÇÃO VIII — Extinção da hipoteca

ARTIGO 730.º

(Causas de extinção)

A hipoteca extingue-se:

a) Pela extinção da obrigação a que serve de garantia;

b) Por prescrição, a favor de terceiro adquirente, do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco sobre o vencimento da obrigação;

c) Pelo perecimento da coisa hipotecada, sem prejuízo do disposto nos artigos 692.º e 701.º;

d) Pela renúncia do credor.

ARTIGO 731.º

(Renúncia à hipoteca)

1 — A renúncia à hipoteca deve ser expressa e escrita em documento que contenha a assinatura do renunciante reconhecida presencialmente, salvo se esta for feita na presença de funcionário da conservatória competente para o registo, não carecendo de aceitação do devedor ou do autor da hipoteca para produzir os seus efeitos.

2 — 0s administradores de patrimónios alheios não podem renunciar às hipotecas constituídas em benefício das pessoas cujos patrimónios administram.

ARTIGO 732.º

(Renascimento da hipoteca)

Se a causa extintiva da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição.

SECÇÃO VI — Privilégios creditórios

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 733.º

(Noção)

Privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros.

ARTIGO 734.º

(Acessórios do crédito)

O privilégio creditório abrange os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.

ARTIGO 735.º

(Espécies)

1 — São de duas espécies os privilégios creditórios: mobiliários e imobiliários.

2 — Os privilégios mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou de acto equivalente; são especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis.

3 — Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código são sempre especiais.

SUBSECÇÃO II — Privilégios mobiliários gerais

ARTIGO 736.º

(Créditos do Estado e das autarquias locais)

1. O Estado e as autarquias locais têm privilégio mobiliário geral para garantia dos créditos por impostos indirectos, e também pelos impostos directos inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores.

2. Este privilégio não compreende a sisa ou o imposto sobre as sucessões e doações, nem quaisquer outros impostos que gozem de privilégio especial.

ARTIGO 737.º

(Outros créditos que gozam de privilégio mobiliário geral)

1. Gozam de privilégio geral sobre os móveis:

a) O crédito por despesas do funeral do devedor, conforme a sua condição e costume da terra;

b) O crédito por despesas com doenças do devedor ou de pessoas a quem este deva prestar alimentos, relativo aos últimos seis meses;

c) O crédito por despesas indispensáveis para o sustento do devedor e das pessoas a quem este tenha a obrigação de prestar alimentos, relativo aos últimos seis, meses;

d) Os créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato, pertencentes ao trabalhador e relativos aos últimos seis meses.

2. O prazo de seis meses referido nas alíneas b), c) e d) do número anterior conta-se a partir da morte do devedor ou do pedido de pagamento.

SUBSECÇÃO III — Privilégios mobiliários especiais

ARTIGO 738.º

(Despesas de justiça

e imposto sobre as sucessões e doações)

1. Os créditos por despesas de justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, para a conservação, execução ou liquidação de bens móveis, têm privilégio sobre estes bens.

2. Têm igualmente privilégio sobre os bens móveis transmitidos os créditos do Estado resultantes do imposto sobre as sucessões e doações.

ARTIGO 739.º

(Privilégio sobre os frutos de prédios rústicos)

Gozam de privilégio sobre os frutos dos prédios rústicos respectivos:

a) Os créditos pelos fornecimentos de sementes, plantas e adubos, e de água ou energia para irrigação ou outros fins agrícolas;

b) Os créditos por dívidas de foros relativos ao ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e ao ano anterior.

ARTIGO 740.º

(Privilégio sobre as rendas dos prédios urbanos)

Os créditos por dívidas de foros relativos ao ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e ao ano anterior gozam de privilégio sobre as rendas dos prédios urbanos respectivos.

ARTIGO 741.º

(Crédito de indemnização)

O crédito da vítima de um facto que implique responsabilidade civil tem privilégio sobre a indemnização devida pelo segurador da responsabilidade em que o lesante haja incorrido.

ARTIGO 742.º

(Crédito do autor de obra intelectual)

O crédito do autor de obra intelectual, fundado em contrato de edição, tem privilégio sobre os exemplares da obra existentes em poder do editor.

SUBSECÇÃO IV — Privilégios imobiliários

ARTIGO 743.º

(Despesas de justiça)

Os créditos por despesas de justiça feitas directamente no interesse comum dos credores, para a conservação, execução ou liquidação dos bens imóveis, têm privilégio sobre estes bens.

ARTIGO 744.º

(Contribuição predial e impostos de transmissão)

1. Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.

2. Os créditos do Estado pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações têm, privilégio sobre os bens transmitidos.

SUBSECÇÃO V — Efeitos e extinção dos privilégios

ARTIGO 745.º

(Concurso de créditos privilegiados)

1. Os créditos privilegiados são pagos pela ordem segundo a qual vão indicados nas disposições seguintes.

2. Havendo créditos igualmente privilegiados, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes.

ARTIGO 746.º

(Privilégios por despesas de justiça)

Os privilégios por despesas de justiça, quer sejam mobiliários, quer imobiliários, têm preferência não só sobre os demais privilégios, como sobre as outras garantias, mesmo anteriores, que onerem os mesmos bens, e valem contra os terceiros adquirentes.

ARTIGO 747.º

(Ordem dos outros privilégios mobiliários)

1. Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte:

a) Os créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais;

b) Os créditos por fornecimentos destinados à produção agrícola;

c) Os créditos por dívidas de foros;

d) Os créditos da vítima de um facto que dê lugar a responsabilidade civil;

e) Os créditos do autor de obra intelectual;

f) Os créditos com privilégio mobiliário geral, pela ordem segundo a qual são enumerados no artigo 737.º

2. O disposto no presente artigo é aplicável, ainda que os privilégios existam contra proprietários sucessivos da coisa.

ARTIGO 748.º

(Ordem dos outros privilégios imobiliários)

1. Os créditos com privilégio imobiliário graduam-se pela ordem seguinte:

a) Os créditos do Estado, pela contribuição predial, pela sisa e pelo imposto sobre as sucessões e doações;

b) Os créditos das autarquias locais, pela contribuição predial.

ARTIGO 749.º

(Privilégio geral e direitos de terceiro)

1 — O privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente.

2 — As leis de processo estabelecem os limites ao objecto e à oponibilidade do privilégio geral ao exequente e à massa falida, bem como os casos em que ele não é invocável ou se extingue na execução ou perante a declaração da falência.

ARTIGO 750.º

(Privilégio mobiliário especial e direitos de terceiro)

Salvo disposição em contrário, no caso de conflito entre o privilégio mobiliário especial e um direito de terceiro, prevalece o que mais cedo se houver adquirido.

ARTIGO 751.º

Privilégio imobiliário especial e direitos de terceiro

Os privilégios imobiliários especiais são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.

ARTIGO 752.º

(Extinção)

Os privilégios extinguem-se pelas mesmas causas por que se extingue o direito de hipoteca.

ARTIGO 753.º

(Remissão)

São aplicáveis aos privilégios, com as necessárias adaptações, os artigos 692.º e 694.º a 699.º

SECÇÃO VII — Direito de retenção

ARTIGO 754.º

(Quando existe)

O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.

ARTIGO 755.º

(Casos especiais)

1 — Gozam ainda do direito de retenção:

a) O transportador, sobre as coisas transportadas, pelo crédito resultante do transporte;

b) O albergueiro, sobre as coisas que as pessoas albergadas hajam trazido para a pousada ou acessórios dela, pelo crédito da hospedagem;

c) O mandatário, sobre as coisas que lhe tiverem sido entregues para execução do mandato, pelo crédito resultante da sua actividade;

d) O gestor de negócios, sobre as coisas que tenha em seu poder para execução da gestão, pelo crédito proveniente desta;

e) O depositário e o comodatário, sobre as coisas que lhes tiverem sido entregues em consequência dos respectivos contratos, pelos créditos deles resultantes;

f) O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º

2 — Quando haja transportes sucessivos, mas todos os transportadores se tenham obrigado em comum, entende-se que o último detém as coisas em nome próprio e em nome dos outros.

ARTIGO 756.º

(Exclusão do direito de retenção)

Não há direito de retenção:

a) A favor dos que tenham obtido por meios ilícitos a coisa que devem entregar, desde que, no momento da aquisição, conhecessem a ilicitude desta;

b) A favor dos que tenham realizado de má fé as despesas de que proveio o seu crédito;

c) Relativamente a coisas impenhoráveis;

d) Quando a outra parte preste caução suficiente.

ARTIGO 757.º

(Inexigibilidade e iliquidez do crédito)

1. O devedor goza do direito de retenção, mesmo antes do vencimento do seu crédito, desde que entretanto se verifique alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.

2. O direito de retenção não depende da liquidez do crédito do respectivo titular.

ARTIGO 758.º

(Retenção de coisas móveis)

Recaindo o direito de retenção sobre coisa móvel, o respectivo titular goza dos direitos e está sujeito às obrigações do credor pignoratício, salvo pelo que respeita à substituição ou reforço da garantia.

ARTIGO 759.º

(Retenção de coisas imóveis)

1. Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respectivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor.

2. O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente.

3. Até à entrega da coisa são aplicáveis, quanto aos direitos e obrigações do titular da retenção, as regras do penhor, com as necessárias adaptações.

ARTIGO 760.º

(Transmissão)

O direito de retenção não é transmissível sem que seja transmitido o crédito que ele garante.

ARTIGO 761.º

(Extinção)

O direito de retenção extingue-se pelas mesmas causas por que cessa o direito de hipoteca, e ainda pela entrega da coisa.

CAPÍTULO VII — Cumprimento e não cumprimento das obrigações

SECÇÃO I — Cumprimento

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 762.º

(Princípio geral)

1. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.

2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.

ARTIGO 763.º

(Realização integral da prestação)

1. A prestação deve ser realizada integralmente e não por partes, excepto se outro for o regime convencionado ou imposto por lei ou pelos usos.

2. O credor tem, porém, a faculdade de exigir uma parte da prestação; a exigência dessa parte não priva o devedor da possibilidade de oferecer a prestação por inteiro.

ARTIGO 764.º

(Capacidade do devedor e do credor)

1. O devedor tem de ser capaz, se a prestação constituir um acto de disposição; mas o credor que a haja recebido do devedor incapaz pode opor-se ao pedido de anulação, se o devedor não tiver tido prejuízo com o cumprimento.

2. O credor deve, pelo seu lado, ter capacidade para receber a prestação; mas, se esta chegar ao poder do representante legal do incapaz ou o património deste tiver enriquecido, pode o devedor opor-se ao pedido de anulação da prestação realizada e de novo cumprimento da obrigação, na medida do que tiver sido recebido pelo representante ou do enriquecimento do incapaz.

ARTIGO 765.º

(Entrega da coisa de que o devedor não pode dispor)

1. O credor que de boa fé receber a prestação de coisa que o devedor não pode alhear tem o direito de impugnar o cumprimento, sem prejuízo da faculdade de se ressarcir dos danos que haja sofrido.

2. O devedor que, de boa ou má fé, prestar coisa de que lhe não é lícito dispor não, pode impugnar o cumprimento, a não ser que ofereça uma nova prestação.

ARTIGO 766.º

(Declaração de nulidade ou anulação do cumprimento

e garantias prestadas por terceiro)

Se o cumprimento for declarado nulo ou anulado por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este conhecia, o vício na data em que teve notícia do cumprimento da obrigação.

SUBSECÇÃO II — Quem pode fazer e a quem pode ser feita a prestação

ARTIGO 767.º

(Quem pode fazer a prestação)

1. A prestação pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.

2. O credor não pode, todavia, ser constrangido a receber de terceiro a prestação, quando se tenha acordado expressamente em que esta deve ser feita pelo devedor, ou quando a substituição o prejudique.

ARTIGO 768.º

(Recusa da prestação pelo credor)

1. Quando a prestação puder ser efectuada por terceiro, o credor que a recuse incorre em mora perante o devedor.

2. É porém, lícito ao credor recusá-la, desde que o devedor se oponha ao cumprimento e o terceiro não possa ficar sub-rogado nos termos do artigo 592.º; a oposição do devedor não obsta a que o credor aceite vàlidamente a prestação.

ARTIGO 769.º

(A quem deve ser feita a prestação)

A prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante.

ARTIGO 770.º

(Prestação feita a terceiro)

A prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, excepto:

a) Se assim foi estipulado ou consentido pelo credor;

b) Se o credor a ratificar;

c) Se quem a recebeu houver adquirido posteriormente o crédito;

d) Se o credor vier a aproveitar-se do cumprimento e não tiver interesse fundado em não a considerar como feita a si próprio;

e) Se o credor for herdeiro de quem a recebeu e responder pelas obrigações do autor da sucessão;

f) Nos demais casos em que a lei o determinar.

ARTIGO 771.º

(Oposição à indicação feita pelo credor)

O devedor não é obrigado a satisfazer a prestação ao representante voluntário do credor nem à pessoa por este autorizada a recebê-la, se não houver convenção nesse sentido.

SUBSECÇÃO III — Lugar da prestação

ARTIGO 772.º

(Princípio geral)

1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, a prestação deve ser efectuada no lugar do domicílio do devedor.

2. Se o devedor mudar de domicílio depois de constituída a obrigação, a prestação será efectuada no novo domicílio, excepto se a mudança acarretar prejuízo para o credor, pois, nesse caso, deve ser efectuada no lugar do domicílio primitivo.

ARTIGO 773.º

(Entrega de coisa móvel)

1. Se a prestação tiver por objecto coisa móvel determinada, a obrigação deve ser cumprida no lugar onde a coisa se encontrava ao tempo da conclusão do negócio.

2. A disposição do número anterior é ainda aplicável, quando se trate de coisa genérica que deva ser escolhida de um conjunto determinado ou de coisa que deva ser produzida em certo lugar.

ARTIGO 774.º

(Obrigações pecuniárias)

Se a obrigação tiver por objecto certa quantia em dinheiro, deve a prestação ser efectuada no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

ARTIGO 775.º

(Mudança do domicílio do credor)

Se tiver sido estipulado, ou resultar da lei, que o cumprimento deve efectuar-se no domicílio do credor, e este mudar de domicílio após a constituição da obrigação, pode a prestação ser efectuada no domicílio do devedor, salvo se aquele se comprometer a indemnizar este do prejuízo que sofrer com a mudança.

ARTIGO 776.º

(Impossibilidade da prestação no lugar fixado)

Quando a prestação for ou se tornar impossível no lugar fixado para o cumprimento e não houver fundamento para considerar a obrigação nula ou extinta, são aplicáveis as regras supletivas dos artigos 772.º a 774.º

SUBSECÇÃO IV — Prazo da prestação

ARTIGO 777.º

(Determinação do prazo)

1. Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.

2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.

3. Se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor.

ARTIGO 778.º

(Prazo dependente da possibilidade ou do arbítrio do devedor)

1. Se tiver sido estipulado que o devedor cumprirá quando puder, a prestação só é exigível tendo este a possibilidade de cumprir; falecendo o devedor, é a prestação exigível dos seus herdeiros, independentemente da prova dessa possibilidade, mas sem prejuízo do disposto no artigo 2071.º

2. Quando o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, só dos seus herdeiros tem o credor o direito de exigir que satisfaçam a prestação.

ARTIGO 779.º

(Beneficiário do prazo)

O prazo tem-se por estabelecido a favor do devedor, quando se não mostre que o foi a favor do credor, ou do devedor e do credor conjuntamente.

ARTIGO 780.º

(Perda do benefício do prazo)

1. Estabelecido o prazo a favor do devedor, pode o credor, não obstante, exigir o cumprimento imediato da obrigação, se o devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada, ou se, por causa imputável ao devedor, diminuírem as garantias do crédito ou não forem prestadas as garantias prometidas.

2. O credor tem o direito de exigir do devedor, em lugar do cumprimento imediato da obrigação, a substituição ou reforço das garantias, se estas sofreram diminuição.

ARTIGO 781.º

(Dívida liquidável em prestações)

Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.

ARTIGO 782.º

(Perda do benefício do prazo

em relação aos co-obrigados e terceiros)

A perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.

SUBSECÇÃO V — Imputação do cumprimento

ARTIGO 783.º

(Designação pelo devedor)

1. Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere.

2. O devedor, porém, não pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial.

ARTIGO 784.º

(Regras supletivas)

1. Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultâneamente, na mais antiga em data.

2. Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763.º

ARTIGO 785.º

(Dívidas de juros, despesas e indemnização)

1. Quando, além do capital, o devedor estiver obrigado a pagar despesas ou juros, ou a indemnizar o credor em consequência da mora, a prestação que não chegue para cobrir tudo o que é devido presume-se feita por conta, sucessivamente, das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.

2. A imputação no capital só pode fazer-se em último lugar, salvo se o credor concordar em que se faça antes.

SUBSECÇÃO VI — Prova do cumprimento

ARTIGO 786.º

(Presunções de cumprimento)

1. Se o credor der quitação do capital sem reserva dos juros ou de outras prestações acessórias, presume-se que estão pagos os juros ou prestações.

2. Sendo devidos juros ou outras prestações periódicas e dando o credor quitação, sem reserva, de uma dessas prestações, presumem-se realizadas as prestações anteriores.

3. A entrega voluntária, feita pelo credor ao devedor, do título original do crédito faz presumir a liberação do devedor e dos seus condevedores, solidários ou conjuntos, bem como do fiador e do devedor principal, se o título é entregue a algum destes.

ARTIGO 787.º

(Direito à quitação)

1. Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legítimo.

2. O autor do cumprimento pode recusar a prestação enquanto a quitação não for dada, assim como pode exigir a quitação depois do cumprimento.

SUBSECÇÃO VII — Direito à restituição do título ou à menção do cumprimento

ARTIGO 786.º

(Restituição do título. Menção do cumprimento)

1. Extinta a dívida, tem o devedor o direito de exigir a restituição do título da obrigação; se o cumprimento for parcial, ou o título conferir outros direitos ao credor, ou este tiver, por outro motivo, interesse legítimo na conservação dele, pode o devedor exigir que o credor mencione no título o cumprimento efectuado.

2. Goza dos mesmos direitos o terceiro que cumprir a obrigação, se ficar sub-rogado nos direitos do credor.

3. É aplicável à restituição do título e à menção do cumprimento o disposto no n.º 2 do artigo anterior.

ARTIGO 789.º

(Impossibilidade de restituição ou de menção)

Se o credor invocar a impossibilidade, por qualquer causa, de restituir o título ou de nele mencionar o cumprimento, pode o devedor exigir quitação passada em documento autêntico ou autenticado ou com reconhecimento notarial, correndo o encargo por conta do credor.

SECÇÃO II — Não cumprimento

SUBSECÇÃO I — Impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor

ARTIGO 790.º

(Impossibilidade objectiva)

1. A obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor.

2. Quando o negócio do qual a obrigação procede houver sido feito sob condição ou a termo, e a prestação for possível na data da conclusão do negócio, mas se tornar impossível antes da verificação da condição ou do vencimento do termo, é a impossibilidade considerada superveniente e não afecta a validade do negócio.

ARTIGO 791.º

(Impossibilidade subjectiva)

A impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cum primento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro.

ARTIGO 792.º

(Impossibilidade temporária)

1. Se a impossibilidade for temporária, o devedor não responde pela mora no cumprimento.

2. A impossibilidade só se considera temporária enquanto, atenta a finalidade da obrigação, se mantiver o interesse do credor.

ARTIGO 793.º

(Impossibilidade parcial)

1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o devedor exonera-se mediante a prestação do que for possível, devendo, neste caso, ser proporcionalmente reduzida a contraprestação a que a outra parte estiver vinculada.

2. Porém, o credor que não tiver, justificadamente, interesse no cumprimento parcial da obrigação pode resolver o negócio.

ARTIGO 794.º

(«Commodum» de representação)

Se, por virtude do facto que tornou impossível a prestação, o devedor adquirir algum direito sobre certa coisa, ou contra terceiro, em substituição do objecto da prestação, pode o credor exigir a prestação dessa coisa, ou substituir-se ao devedor na titularidade do direito que este tiver adquirido contra terceiro.

ARTIGO 795.º

(Contratos bilaterais)

1. Quando no contrato bilateral uma das prestações se torne impossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir a sua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa.

2. Se a prestação se tornar impossível por causa imputável ao credor, não fica este desobrigado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a exoneração, será o valor do benefício descontado na contraprestação.

ARTIGO 796.º

(Risco)

1. Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente.

2. Se, porém, a coisa tiver continuado em poder do alienante em consequência de termo constituído a seu favor, o risco só se transfere com o vencimento do termo ou a entrega da coisa, som prejuízo do disposto no artigo 807.º

3. Quando o contrato estiver dependente de condição resolutiva, o risco do perecimento durante a pendência da condição corre por conta do adquirente, se a coisa lhe tiver sido entregue; quando for suspensiva a condição, o risco corre por conta do alienante durante a pendência da condição.

ARTIGO 797.º

(Promessa de envio)

Quando se trate de coisa que, por força da convenção, o alienante deva enviar para local diferente do lugar do cumprimento, a transferência do risco opera-se com a entrega ao transportador ou expedidor da coisa ou à pessoa indicada para a execução do envio.

SUBSECÇÃO II — Falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor

DIVISÃO I — Princípios gerais
ARTIGO 798.º

(Responsabilidade do devedor)

O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.

ARTIGO 799.º

(Presunção de culpa e apreciação desta)

1. Incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil.

ARTIGO 800.º

(Actos dos representantes legais ou auxiliares)

1. O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, corno se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.

2. A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.

DIVISÃO II — Impossibilidade do cumprimento
ARTIGO 801.º

(Impossibilidade culposa)

1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.

2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.

ARTIGO 802.º

(Impossibilidade parcial)

1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.

2. O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância.

ARTIGO 803.º

(«Commodum» de representação)

1. É extensivo ao caso de impossibilidade imputável ao devedor o que dispõe o artigo 794.º

2. Se o credor fizer valer o direito conferido no número antecedente, o montante da indemnização a que tenha direito será reduzido na medida correspondente.

DIVISÃO III — Mora do devedor
ARTIGO 804.º

(Princípios gerais)

1. A simples mora constitui o devedor na obrigação do reparar os danos causados ao credor.

2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.

ARTIGO 805.º

(Momento da constituição em mora)

1 — O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2 — Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

3 — Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.

ARTIGO 806.º

(Obrigações pecuniárias)

1 — Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

2 — Os juros devidos são os juros legais, salvo se antes da mora for devido um juro mais elevado ou as partes houverem estipulado um juro moratório diferente do legal.

3 — Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.

ARTIGO 807.º

(Risco)

1. Pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o credor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar, mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis.

2. Fica, porém, salva ao devedor a possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação tivesse sido cumprida em tempo.

ARTIGO 808.º

(Perda do interesse do credor ou recusa do cumprimento)

1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.

2. A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente.

DIVISÃO IV — Fixação contratual dos direitos do credor
ARTIGO 809.º

(Renúncia do credor aos seus direitos)

E nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800.º

ARTIGO 810.º

(Cláusula penal)

1. As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

2. A cláusula penal está sujeita às formalidades exigidas para a obrigação principal, e é nula se for nula esta obrigação.

ARTIGO 811.º

(Funcionamento da cláusula penal)

1 — O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.

2 — O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes.

3 — O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.

ARTIGO 812.º

(Redução equitativa da cláusula penal)

1 — A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.

2 — É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.

SUBSECÇÃO III — Mora do credor

ARTIGO 813.º

(Requisitos)

O credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação.

ARTIGO 814.º

(Responsabilidade do devedor)

1. A partir da mora, o devedor apenas responde, quanto ao objecto da prestação, pelo seu dolo; relativamente aos proventos da coisa, só responde pelos que hajam sido percebidos.

2. Durante a mora, a dívida deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionados.

ARTIGO 815.º

(Risco)

1. A mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação, que resulte de facto não imputável a dolo do devedor.

2. Sendo o contrato bilateral, o credor que, estando em mora, perca total ou parcialmente o seu crédito por impossibilidade superveniente da prestação não fica exonerado da contraprestação; mas, se o devedor tiver algum benefício com a extinção da sua obrigação, deve o valor do benefício ser descontado na contraprestação.

ARTIGO 816.º

(Indemnização)

O credor em mora indemnizará o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto.

SECÇÃO III — Realização coactiva da prestação

SUBSECÇÃO I — Acção de cumprimento e execução

ARTIGO 817.º

(Princípio geral)

Não sendo a obrigação voluntàriamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo.

ARTIGO 818.º

(Execução de bens de terceiro)

O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.

ARTIGO 819.º

Disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados

Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.

ARTIGO 820.º

(Penhora de créditos)

Sendo penhorado algum crédito do devedor, a extinção dele por causa dependente da vontade do executado ou do seu devedor, verificada depois da penhora, é igualmente inoponível à execução.

ARTIGO 821.º

(Liberação ou cessão de rendas ou alugueres não vencidos)

A liberação ou cessão, antes da penhora, de rendas e alugueres não vencidos é inoponível ao exequente, na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não decorridos à data da penhora.

ARTIGO 822.º

(Preferência resultante da penhora)

1. Salvo nos casos especialmente previstos na lei, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência, a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior.

2. Tendo os bens do executado sido prèviamente arrestados, a anterioridade da penhora reporta-se à data do arresto.

ARTIGO 823.º

(Perda, expropriação ou deterioração da coisa penhorada)

Se a coisa penhorada se perder, for expropriada ou sofrer diminuição de valor, e, em qualquer dos casos, houver lugar a indemnização de terceiro, o exequente conserva sobre os créditos respectivos, ou sobre as quantias pagas a título de indemnização, o direito que tinha sobre a coisa.

ARTIGO 824.º

(Venda em execução)

1. A vencia em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.

2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.

3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

ARTIGO 825.º

(Garantia no caso de execução de coisa alheia)

1. O adquirente, no caso de execução de coisa alheia, pode exigir que o preço lhe seja restituído por aqueles a quem foi atribuído e que os danos sejam reparados pelos credores e pelo executado que hajam procedido com culpa; é aplicável à restituição do preço o disposto no artigo 894.º

2. Se o terceiro tiver protestado pelo seu direito no acto da venda, ou anteriormente a ela, e o adquirente conhecer o protesto, não lhe é lícito pedir a reparação dos danos, salvo se os credores ou o devedor se tiverem responsabilizado pela indemnização.

3. Em lugar de exigir dos credores a restituição do preço, o adquirente pode exercer contra o devedor, por sub-rogação, os direitos desses credores.

ARTIGO 826.º

(Adjudicação e remição)

As disposições dos artigos antecedentes relativos à venda são aplicáveis, com as necessárias adaptações, á adjudicação e à remição.

SUBSECÇÃO II — Execução específica

ARTIGO 827.º

(Entrega de coisa determinada)

Se a prestação consistir na entrega de coisa determinada, o credor tem a faculdade de requerer, em execução, que a entrega lhe seja feita.

ARTIGO 828.º

(Prestação de facto fungível)

O credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor.

ARTIGO 829.º

(Prestação de facto negativo)

1. Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum acto e vier a praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não a fazer.

2. Cessa o direito conferido no número anterior, havendo apenas lugar à indemnização, nos termos gerais, se o prejuízo da demolição para o devedor for consideràvelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor.

Artigo 829.º-A

(Sanção pecuniária compulsória)

1 — Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2 — A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.

3 — O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.

4 — Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5 % ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.

ARTIGO 830.º

(Contrato-promessa)

1 — Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida.

2 — Entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.

3 — O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do artigo 410.º; a requerimento do faltoso, porém, a sentença que produza os efeitos da sua declaração negocial pode ordenar a modificação do contrato nos termos do artigo 437.º, ainda que a alteração das circunstâncias seja posterior à mora.

4 — Tratando-se de promessa relativa à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, em que caiba ao adquirente, nos termos do artigo 721.º, a faculdade de expurgar hipoteca a que o mesmo se encontre sujeito, pode aquele, caso a extinção de tal garantia não preceda a mencionada transmissão ou constituição, ou não coincida com esta, requerer, para efeito da expurgação, que a sentença referida no n.º 1 condene também o promitente faltoso a entregar-lhe o montante do débito garantido, ou o valor nele correspondente à fracção do edifício ou do direito objecto do contrato, e dos juros respectivos, vencidos e vincendos, até pagamento integral.

5 — No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a excepção de não cumprimento, a acção improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal.

SECÇÃO IV — Cessão de bens aos credores

ARTIGO 831.º

(Noção)

Dá-se a cessão de bens aos credores quando estes, ou alguns deles, são encarregados pelo devedor de liquidar o património deste, ou parte dele, e repartir entre si o respectivo produto, para satisfação dos seus créditos.

ARTIGO 832.º

(Forma)

1. A cessão deve ser feita por escrito e está, além disso, sujeita à forma exigida para a validade da transmissão dos bens nela compreendidos.

2. A cessão deve ser registada sempre que abranja bens sujeitos a registo.

ARTIGO 833.º

(Execução dos bens cedidos)

A cessão não impede que os bens cedidos sejam executados pelos credores que dela não participam, enquanto não tiverem sido alienados; não gozam de igual direito os cessionários nem os credores posteriores à cessão.

ARTIGO 834.º

(Poderes dos cessionários e do devedor)

1. Enquanto a cessão se mantiver, os poderes de administração e disposição dos respectivos bens pertencem exclusivamente aos cessionários.

2. O devedor conserva, porém, o direito de fiscalizar a gestão dos credores, e tem o direito à prestação de contas no fim da liquidação ou, se a cessão se prolongar por mais de um ano, no termo de cada ano.

ARTIGO 835.º

(Exoneração do devedor)

O devedor só fica liberado em face dos credores a partir do recebimento da parte que a estes compete no produto da liquidação, e na medida do que receberam.

ARTIGO 836.º

(Desistência da cessão)

1. É permitido ao devedor desistir a todo o tempo da cessão, cumprindo as obrigações a que está adstrito para com os cessionários.

2. A desistência não tem efeito retroactivo.

CAPÍTULO VIII — Causas de extinção das obrigações além do cumprimento

SECÇÃO I — Dação em cumprimento

ARTIGO 837.º

(Quando é admitida)

A prestação de coisa diversa da que for devida, embora do valor superior, só exonera o devedor se o credor der o seu assentimento.

ARTIGO 838.º

(Vícios da coisa ou do direito)

O credor a quem for feita a dação em cumprimento goza de garantia pelos vícios da coisa ou do direito transmitido, nos termos prescritos para a compra e venda; mas pode optar pela prestação primitiva e reparação dos danos sofridos.

ARTIGO 839.º

(Nulidade ou anulabilidade da dação)

Sendo a dação declarada nula ou anulada por causa imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vicio na data em que teve notícia da dação.

ARTIGO 840.º

(Dação «pro solvendo»)

1. Se o devedor efectuar uma prestação diferente da devida, para que o credor obtenha mais fàcilmente, pela realização do valor dela, a satisfação do seu crédito, este só se extingue quando for satisfeito, e na medida respectiva.

2. Se a dação tiver por objecto a cessão de um crédito ou a assunção de uma dívida, presume-se feita nos termos do número anterior.

SECÇÃO II — Consignação em depósito

ARTIGO 841.º

(Quando tem lugar)

1. O devedor pode livrar-se da obrigação mediante o depósito da coisa devida, nos casos seguintes:

a) Quando, sem culpa sua, não puder efectuar a prestação ou não puder fazê-lo com segurança, por qualquer motivo relativo à pessoa do credor;

b) Quando o credor estiver em mora.

2. A consignação em depósito é facultativa.

ARTIGO 842.º

(Consignação por terceiro)

A consignação em depósito pode ser efectuada a requerimento de terceiro a quem seja lícito efectuar a prestação.

ARTIGO 843.º

(Dependência de outra prestação)

Se o devedor tiver a faculdade de não cumprir senão contra uma prestação do credor, é-lhe lícito exigir que a coisa consignada não seja entregue ao credor enquanto este não efectuar aquela prestação.

ARTIGO 844.º

(Entrega da coisa consignada)

Feita a consignação, fica o consignatário obrigado a entregar ao credor a coisa consignada, e o credor com o direito de exigir a sua entrega.

ARTIGO 845.º

(Revogação da consignação)

1. O devedor pode revogar a consignação, mediante declaração feita no processo, e pedir a restituição da coisa consignada.

2. Extingue-se o direito de revogação, se o credor, por declaração feita no processo, aceitar a consignação, ou se esta for considerada válida por sentença passada em julgado.

ARTIGO 846.º

(Extinção da obrigação)

A consignação aceita pelo credor ou declarada válida por decisão judicial libera o devedor, como se ele tivesse feito a prestação ao credor na data do depósito.

SECÇÃO III — Compensação

ARTIGO 847.º

(Requisitos)

1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:

a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;

b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

2. Se as chias dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.

3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.

ARTIGO 848.º

(Como se torna efectiva)

1. A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra.

2. A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo.

ARTIGO 849.º

(Prazo gratuito)

O credor que concedeu gratuitamente um prazo ao devedor está impedido de compensar a sua dívida antes do vencimento do prazo.

ARTIGO 850.º

(Créditos prescritos)

O crédito prescrito não impede a compensação, se a prescrição não podia ser invocada na data em que os dois créditos se tornaram compensáveis.

ARTIGO 851.º

(Reciprocidade dos créditos)

1. A compensação apenas pode abranger a dívida do declarante, e não a de terceiro, ainda que aquele possa efectuar a prestação deste, salvo se o declarante estiver em risco de perder o que é seu em consequência de execução por dívida de terceiro.

2. O declarante só pode utilizar para a compensação créditos que sejam seus, e não créditos alheios, ainda que o titular respectivo dê o seu consentimento; e só procedem para o efeito créditos seus contra o seu credor.

ARTIGO 852.º

(Diversidade de lugares do cumprimento)

1. Pelo simples facto de deverem ser cumpridas em lugares diferentes, as duas obrigações não deixam de ser compensáveis, salvo estipulação em contrário.

2. O declarante é, todavia, obrigado a reparar os danos sofridos pela outra parte, em consequência de esta não receber o seu crédito ou não cumprir a sua obrigação no lugar determinado.

ARTIGO 853.º

(Exclusão da compensação)

1. Não podem extinguir-se por compensação:

a) Os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos;

b) Os créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza;

c) Os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, excepto quando a lei o autorize.

2. Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.

ARTIGO 854.º

(Retroactividade)

Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.

ARTIGO 855.º

(Pluralidade de créditos)

1. Se existirem, de uma ou outra parte, vários créditos compensáveis, a escolha dos que ficam extintos pertence ao declarante.

2. Na falta de escolha, é aplicável o disposto nos artigos 784.º e 785.º

ARTIGO 856.º

(Nulidade ou anulabilidade da compensação)

Declarada nula ou anulada a compensação, subsistem as obrigações respectivas; mas, sendo a nulidade ou anulação imputável a alguma das partes, não renascem as garantias que em seu benefício foram prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vício quando foi feita a declaração de compensação.

SECÇÃO IV — Novação

ARTIGO 857.º

(Novação objectiva)

Dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.

ARTIGO 858.º

(Novação subjectiva)

A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.

ARTIGO 859.º

(Declaração negocial)

A vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.

ARTIGO 860.º

(Ineficácia da novação)

1. Se a primeira obrigação estava extinta ao tempo em que a segunda foi contraída, ou vier a ser declarada nula ou anulada, fica a novação sem efeito.

2. Se for declarada nula ou anulada a nova obrigação, subsiste a obrigação primitiva; mas, sendo a nulidade ou anulação imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este, na data em que teve notícia da novação, conhecia o vício da nova obrigação.

ARTIGO 861.º

(Garantias)

1. Extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igual mente extintas, na falta de reserva expressa, as garantia que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando resultantes da lei.

2. Dizendo a garantia respeito a terceiro, é necessária também a reserva expressa deste.

ARTIGO 862.º

(Meios de defesa)

O novo crédito não está sujeito aos meios de defesa oponíveis à obrigação antiga, salvo estipulação em contrário.

SECÇÃO V — Remissão

ARTIGO 863.º

(Natureza contratual da remissão)

1. O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor.

2. Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940.º e seguintes.

ARTIGO 864.º

(Obrigações solidárias)

1. A remissão concedida a um devedor solidário libera os outros sèmente na parte do devedor exonerado.

2. Se o credor, neste caso, reservar o seu direito, por inteiro, contra os outros devedores, conservam estes, por inteiro também, o direito de regresso contra o devedor exonerado.

3. A remissão concedida por um dos credores solidários exonera o devedor para com os restantes credores, mas sòmente na parte que respeita ao credor remitente.

ARTIGO 865.º

(Obrigações indivisíveis)

1. A remissão concedida pelo credor de obrigação indivisível a um dos devedores é aplicável o disposto no artigo 536.º

2. Sendo a remissão concedida por um dos credores ao devedor, este não fica exonerado para com os outros credores; mas estes não podem exigir do devedor a prestação senão entregando-lhe o valor da parte daquele concredor.

ARTIGO 866.º

(Eficácia em relação a terceiros)

1. A remissão concedida ao devedor aproveita a terceiros.

2. A remissão concedida a um dos fiadores aproveita aos outros na parte do fiador exonerado; mas, se os outros consentirem na remissão, respondem pela totalidade da dívida, salvo declaração em contrário.

3. Se for declarada nula ou anulada a remissão por facto imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, excepto se este conhecia o vício na data em que teve notícia da remissão.

ARTIGO 867.º

(Renúncia às garantias)

A renúncia às garantias da obrigação não faz presumir a remissão da dívida.

SECÇÃO VI — Confusão

ARTIGO 868.º

(Noção)

Quando na mesma pessoa se reúnam as qualidades ch credor e devedor da mesma obrigação, extinguem-se o crédito e a dívida.

ARTIGO 869.º

(Obrigações solidárias)

1. A reunião na mesma pessoa das qualidades de devedor solidário e credor exonera os demais obrigados, mas só na parte da dívida relativa a esse devedor.

2. A reunião na mesma pessoa das qualidades de credor solidário e devedor exonera este na parte daquele.

ARTIGO 870.º

(Obrigações indivisíveis)

1. Se na obrigação indivisível em que há vários devedores se reunirem as qualidades de credor e devedor, é aplicável o disposto no artigo 536.º

2. Sendo vários os credores e verificando-se a confusão entre um deles e o devedor, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 865.º

ARTIGO 871.º

(Eficácia em relação a terceiros)

1. A confusão não prejudica os direitos de terceiro.

2. Se houver, a favor de terceiro, direitos de usufruto ou de penhor sobre o crédito, este subsiste, não obstante a confusão, na medida em que o exija o interesse do usufrutuário ou do credor pignoratício.

3. Se na mesma pessoa se reunirem as qualidades de devedor e de fiador, fica extinta a fiança, excepto se o redor tiver legítimo interesse na subsistência da garantia.

4. A reunião na mesma pessoa das qualidades de credor de proprietário da coisa hipotecada ou empenhada não impede que a hipoteca ou o penhor se mantenha, se o credor nisso tiver interesse e na medida em que esse interesse se justifique.

ARTIGO 872.º

(Patrimónios separados)

Não há confusão, se o crédito e a dívida pertencem a patrimónios separados.

ARTIGO 873.º

(Cessação da confusão)

1. Se a confusão se desfizer, renasce a obrigação com os seus acessórios, mesmo em relação a terceiro, quando o facto que a destrói seja anterior à própria confusão.

2. Quando a cessação da confusão for imputável ao credor, não renascem as garantias prestadas por terceiro, salvo se este conhecia o vicio na data em que teve notícia da confusão.

TÍTULO II — Dos contratos em especial

CAPÍTULO I — Compra e venda

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 874.º

(Noção)

Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.

ARTIGO 875.º

(Forma)

Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.

ARTIGO 876.º

(Venda de coisa ou direito litigioso)

1. Não podem ser compradores de coisa ou direito litigioso, quer directamente, quer por interposta pessoa, aqueles a quem a lei não permite que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos, conforme se dispõe no capitulo respectivo.

2. A venda feita com quebra do disposto no número anterior, além de nula, sujeita o comprador, nos termos gerais, à obrigação de reparar os danos causados.

3. A nulidade não pode ser invocada pelo comprador.

ARTIGO 877.º

(Venda a filhos ou netos)

1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos, se os outros filhos ou netos não consentirem na venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado ou seja recusado, é susceptível de suprimento judicial.

2. A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade, se forem incapazes.

3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente.

ARTIGO 878.º

(Despesas do contrato)

Na falta de convenção em contrário, as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo do comprador.

SECÇÃO II — Efeitos da compra e venda

ARTIGO 879.º

(Efeitos essenciais)

A compra e venda tem como efeitos essenciais:

a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;

b) A obrigação de entregar a coisa;

c) A obrigação de pagar o preço.

ARTIGO 880.º

(Bens futuros, frutos pendentes e partes componentes

ou integrantes)

1. Na venda de bens futuros, de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma coisa, o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato.

2. Se as partes atribuírem ao contrato carácter aleatório, é devido o preço, ainda que a transmissão dos bens não chegue a verificar-se.

ARTIGO 881.º

(Bens de existência ou titularidade incerta)

Quando se vendam bens de existência ou titularidade incerta e no contrato se faça menção dessa incerteza, é devido o preço, ainda que os bens não existam ou não pertençam ao vendedor, excepto se as partes recusarem ao contrato natureza aleatória.

ARTIGO 892.º

(Entrega da coisa)

1. A coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda.

2. A obrigação de entrega abrange, salvo estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.

3. Se os documentos contiverem outras matérias de interesse do vendedor, é este obrigado a entregar pública-forma da parte respeitante à coisa ou direito que foi objecto da venda, ou fotocópia de igual valor.

ARTIGO 883.º

(Determinação do preço)

1. Se o preço não estiver fixado por entidade pública, e as partes o não determinarem nem convencionarem o modo de ele ser determinado, vale como preço contratual o que o vendedor normalmente praticar à data da conclusão do contrato ou, na falta dele, o do mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deva cumprir; na insuficiência destas regras, o preço é determinado pelo tribunal, segundo juízos de equidade.

2. Quando as partes se tenham reportado ao justo preço, é aplicável o disposto no número anterior.

ARTIGO 884.º

(Redução do preço)

1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292.º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global.

2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.

ARTIGO 885.º

(Tempo e lugar do pagamento do preço)

1. O preço deve ser pago no momento e no lugar da entrega da coisa vendida.

2. Mas, se por estipulação das partes ou por força dos usos o preço não tiver de ser pago no momento da entrega, o pagamento será efectuado no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.

ARTIGO 886.º

(Falta de pagamento do preço)

Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço.

SECÇÃO III — Venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição

ARTIGO 887.º

(Coisas determinadas. Preço fixado por unidade)

Na venda de coisas determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, é devido o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar quantidade diferente.

ARTIGO 888.º

(Coisas determinadas. Preço não fixado por unidade)

1. Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.

2. Se, porém, a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional.

ARTIGO 689.º

(Compensação entre faltas e excessos)

Quando se venda por um só preço uma pluralidade de coisas determinadas e homogéneas, com indicação do peso ou medida de cada uma delas, e se declare quantidade inferior à real quanto a alguma ou algumas e superior quanto a outra ou outras, far-se-á compensação entre as faltas e os excessos até ao limite da sua concorrência.

ARTIGO 890.º

(Caducidade do direito à diferença de preço)

1. O direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses ou um ano após a entrega da coisa, consoante esta for móvel ou imóvel; mas, se a diferença só se tornar exigível em momento posterior à entrega, o prazo contar-se-á a partir desse momento.

2. Na venda de coisas que hajam de ser transportadas de um lugar para outro, o prazo reportado à data da entrega só começa a correr no dia em que o comprador as receber.

ARTIGO 891.º

(Resolução do contrato)

1. Se o preço devido por aplicação do artigo 887.º ou do n.º 2 do artigo 888.º exceder o proporcional à quantidade declarada em mais de um vigésimo deste, e o vendedor exigir esse excesso, o comprador tem o direito de resolver o contrato, salvo se houver procedido com dolo.

2. O direito à resolução caduca no prazo de três meses, a contar da data em que o vendedor fizer por escrito a exigência do excesso.

SECÇÃO IV — Venda de bens alheios

ARTIGO 892.º

(Nulidade da venda)

É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar; mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé, como não pode opô-la ao vendedor de boa fé o comprador doloso.

ARTIGO 893.º

(Bens alheios como bens futuros)

A venda de bens alheios fica, porém, sujeita ao regime da venda de bens futuros, se as partes os considerarem nesta qualidade.

ARTIGO 894.º

(Restituição do preço)

1. Sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço, ainda que os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou tenham diminuído de valor por qualquer outra causa.

2. Mas, se o comprador houver tirado proveito da perda ou diminuição de valor dos bens, será o proveito abatido no montante do preço e da indemnização que o vendedor tenha de pagar-lhe.

ARTIGO 895.º

(Convalidação do contrato)

Logo que o vendedor adquira por algum modo a propriedade da coisa ou o direito vendido, o contrato torna-se válido e a dita propriedade ou direito transfere-se para o comprador.

ARTIGO 896.º

(Casos em que o contrato se não convalida)

1. O contrato não adquire, porém, validade, se entretanto ocorrer algum dos seguintes factos:

a) Pedido judicial de declaração de nulidade do contrato, formulado por um dos contraentes contra o outro;

b) Restituição do preço ou pagamento da indemnização, no todo ou em parte, com aceitação do credor;

c) Transacção entre os contraentes, na qual se reconheça a nulidade do contrato;

d) Declaração escrita, feita por um dos estipulantes ao outro, de que não quer que o contrato deixe de ser declarado nulo.

2. As disposições das alíneas a) e d) do número precedente não prejudicam o disposto na segunda parte do artigo 892.º

ARTIGO 897.º

(Obrigação de convalidação)

1. Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda, adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido.

2. Quando exista uma tal obrigação, o comprador pode subordinar ao não cumprimento dela, dentro do prazo que o tribunal fixar, o efeito previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior.

ARTIGO 898.º

(Indemnização em caso de dolo)

Se um dos contraentes houver procedido de boa fé e o outro dolosamente, o primeiro tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais, de todos os prejuízos que não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo, ou não houvesse sido celebrado, conforme venha ou não a ser sanada a nulidade.

ARTIGO 899.º

(Indemnização, não havendo dolo nem culpa)

O vendedor é obrigado a indemnizar o comprador de boa fé, ainda que tenha agido sem dolo nem culpa; mas, neste caso, a indemnização compreende apenas os danos emergentes que não resultem de despesas voluptuárias.

ARTIGO 900.º

(Indemnização pela não convalidação da venda)

1. Se o vendedor for responsável pelo não cumprimento da obrigação de sanar a nulidade da venda ou pela mora no seu cumprimento, a respectiva indemnização acresce à regulada nos artigos anteriores, excepto na parte em que o prejuízo seja comum.

2. Mas, no caso previsto no artigo 898.º, o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato nulo e a dos lucros cessantes pela falta ou retardamento da convalidação.

ARTIGO 901.º

(Garantia do pagamento de benfeitorias)

O vendedor é garante solidário do pagamento das benfeitorias que devam ser reembolsadas pelo dono da coisa ao comprador de boa fé.

ARTIGO 902.º

(Nulidade parcial do contrato)

Se os bens só parcialmente forem alheios e o contrato valer na parte restante por aplicação do artigo 292.º, observar-se-ão as disposições antecedentes quanto à parte nula e reduzir-se-á proporcionalmente o preço estipulado.

ARTIGO 903.º

(Disposições supletivas)

1. O disposto no artigo 894.º, no n.º 1 do artigo 897.º, no artigo 899.º, no n.º 1 do artigo 900.º e no artigo 901.º cede perante convenção em contrário, excepto se o contraente a quem a convenção aproveitaria houver agido com dolo, e de boa fé o outro estipulante.

2. A declaração contratual de que o vendedor não garante a sua legitimidade ou não responde pela evicção envolve derrogação de todas as disposições legais a que o número anterior se refere, com excepção do preceituado no artigo 894.º

3. As cláusulas derrogadoras das disposições supletivas a que se refere o n.º 1 são válidas, sem embargo da nulidade do contrato de compra e venda onde se encontram insertas, desde que a nulidade proceda da ilegitimidade do vendedor, nos termos desta secção.

ARTIGO 904.º

(Âmbito desta secção)

As normas da presente secção apenas se aplicam à venda de coisa alheia como própria.

SECÇÃO V — Venda de bens onerados

ARTIGO 905.º

(Anulabilidade por erro ou dolo)

Se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade.

ARTIGO 906.º

(Convalescença do contrato)

1. Desaparecidos por qualquer modo os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito, fica sanada a anulabilidade do contrato.

2. A anulabilidade persiste, porém, se a existência dos ónus ou limitações já houver causado prejuízo ao comprador, ou se este já tiver pedido em juízo a anulação da compra e venda.

ARTIGO 907.º

(Obrigação de fazer convalescer o contrato.

Cancelamento dos registos)

1. O vendedor é obrigado a sanar a anulabilidade do contrato, mediante a expurgação dos ónus ou limitações existentes.

2. O prazo para a expurgação será fixado pelo tribunal, a requerimento do comprador.

3. O vendedor deve ainda promover, à sua custa, o cancelamento de qualquer ónus ou limitação que conste do registo, mas na realidade não exista.

ARTIGO 908.º

(Indemnização em caso de dolo)

Em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada.

ARTIGO 909.º

(Indemnização em caso de simples erro)

Nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato.

ARTIGO 910.º

(Não cumprimento da obrigação de fazer convalescer o contrato)

1. Se o vendedor se constituir em responsabilidade por não sanar a anulabilidade do contrato, a correspondente indemnização acresce à que o comprador tenha direito a receber na conformidade dos artigos precedentes, salvo na parte em que o prejuízo foi comum.

2. Mas, no caso previsto no artigo 908.º, o comprador escolherá entre a indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade.

ARTIGO 911.º

(Redução do preço)

1. Se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir.

2. São aplicáveis à redução do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações.

ARTIGO 912.º

(Disposições supletivas)

1. O disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 907.º, no artigo 909.º e no n.º 1 do artigo 910.º cede perante estipulação das partes em contrário, a não ser que o vendedor tenha procedido com dolo e as cláusulas contrárias àquelas normas visem a beneficiá-lo.

2. Não obsta. à validade das cláusulas derrogadoras destas disposições supletivas a anulação do contrato de compra e venda por erro ou dolo, segundo as prescrições desta secção.

SECÇÃO VI — Venda de coisas defeituosas

ARTIGO 913.º

(Remissão)

1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

ARTIGO 914.º

(Reparação ou substituição da coisa)

O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.

ARTIGO 915.º

(Indemnização em caso de simples erro)

A indemnização prevista no artigo 909.º também não é devida, se o vendedor se encontrava nas condições a que se refere a parte final do artigo anterior.

ARTIGO 916.º

(Denúncia do defeito)

1 — O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.

2 — A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.

3 — Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.

ARTIGO 917.º

(Caducidade da acção)

A acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no n.º 2 do artigo 287.º

ARTIGO 918.º

(Defeito superveniente)

Se a coisa, depois de vendida e antes de entregue, se deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das obrigações.

ARTIGO 919.º

(Venda sobre amostra)

Sendo a venda feita sobre amostra, entende-se que o vendedor assegura a existência, na coisa vendida, de qualidades iguais às da amostra, salvo se da convenção ou dos usos resultar que esta serve somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto.

ARTIGO 920.º

(Venda de animais defeituosos)

Ficam ressalvadas as leis especiais ou, na falta destas, os usos sobre a venda de animais defeituosos.

ARTIGO 921.º

(Garantia de bom funcionamento)

1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituída quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.

3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.

4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada.

ARTIGO 922.º

(Coisas que devem ser transportadas)

Na venda de coisas que devam ser transportadas de um lugar para outro, os prazos que os artigos 916.º e 921.º mandam contar a partir da entrega só começam a correr no dia em que o credor as receber.

SECÇÃO VII — Venda a contento e venda sujeita a prova

ARTIGO 923.º

(Primeira modalidade de venda a contento)

1. A compra e venda feita sob reserva de a coisa agradar ao comprador vale como proposta de venda.

2. A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao comprador, este não se pronunciar dentro do prazo da aceitação, nos termos do n.º 1 do artigo 228.º

3. A coisa deve ser facultada ao comprador para exame.

ARTIGO 924.º

(Segunda modalidade de venda a contento)

1. Se as partes estiverem de acordo sobre a resolução da compra e venda no caso de a coisa não agradar ao comprador, é aplicável ao contrato o disposto nos artigos 432.º e seguintes.

2. A entrega da coisa não impede a resolução do contrato.

3. O vendedor pode fixar um prazo razoável para a resolução, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.

ARTIGO 925.º

(Venda sujeita a prova)

1. A venda sujeita a prova considera-se feita sob a condição suspensiva de a coisa ser idónea para o fim a que é destinada e ter as qualidades asseguradas pelo vendedor, excepto se as partes a subordinarem a condição resolutiva.

2. A prova deve ser feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos; se tanto o contrato como os usos forem omissos, observar-se-ão o prazo fixado pelo vendedor e a modalidade escolhida pelo comprador, desde que sejam razoáveis.

3. Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo a que se refere o número antecedente, a condição tem-se por verificada quando suspensiva, e por não verificada quando resolutiva.

4. A coisa deve ser facultada ao comprador para, prova.

ARTIGO 926.º

(Dúvidas sobre a modalidade da venda)

Em caso de dúvida sobre a modalidade de venda que as partes escolheram, de entre as previstas nesta secção, presume-se terem adoptado a primeira.

SECÇÃO VIII — Venda a retro

ARTIGO 927.º

(Noção)

Diz-se a retro a venda em que se reconhece ao vendedor a faculdade de resolver o contrato.

ARTIGO 928.º

(Cláusulas nulas)

1. É nula, sem prejuízo da validade das outras cláusulas, a estipulação de pagamento de dinheiro ao comprador ou de qualquer outra vantagem para este, como contrapartida da resolução.

2. É igualmente nula, quanto ao excesso, a cláusula que declare o vendedor obrigado a restituir, em caso de resolução, preço superior ao fixado para a venda.

ARTIGO 929.º

(Prazo para a resolução)

1. A resolução pode ser exercida dentro de dois ou cinco anos a contar da venda, conforme esta for de bens móveis ou imóveis, salva estipulação de prazo mais curto.

2. Se as partes convencionarem prazo ou prorrogação de prazo que exceda o limite de dois ou cinco anos a partir da venda, a convenção considera-se reduzida a esse preciso limite.

ARTIGO 930.º

(Forma da resolução)

A resolução é feita por meio de notificação judicial ao comprador dentro dos prazos fixados no artigo antecedente; sem prejuízo do disposto em lei especial, se respeitar a coisas imóveis, a resolução será reduzida a escritura pública ou a documento particular autenticado nos 15 dias imediatos, com ou sem a intervenção do comprador, sob pena de caducidade do direito.

ARTIGO 931.º

(Reembolso do preço e de despesas)

No silêncio do contrato, a resolução fica igualmente sem efeito se, dentro do mesmo prazo de quinze dias, o vendedor não fizer ao comprador oferta real das importâncias líquidas que haja de pagar-lhe a título de reembolso do preço e das despesas com o contrato e outras acessórias.

ARTIGO 932.º

(Efeitos em relação a terceiros)

A cláusula a retro é oponível a terceiros, desde que a venda tenha por objecto coisas imóveis, ou coisas móveis sujeitas a registo, e tenha sido registada.

ARTIGO 933.º

(Venda de coisa ou direito comum)

Se for vendida coisa ou direito comum com a cláusula a retro, só em conjunto os vendedores podem exercer o direito de resolução.

SECÇÃO IX — Venda a prestações

ARTIGO 934.º

(Falta de pagamento de uma prestação)

Vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do beneficio do prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.

ARTIGO 935.º

(Cláusula penal no caso de o comprador não cumprir)

1. A indemnização estabelecida em cláusula penal, por o comprador não cumprir, não pode ultrapassar metade do preço, salva a faculdade de as partes estipularem, nos termos gerais, a ressarcibilidade de todo o prejuízo sofrido.

2. A indemnização fixada pelas partes será reduzida a metade do preço, quando tenha sido estipulada em montante superior, ou quando as prestações pagas superem este valor e se tenha convencionado a não restituição delas; havendo, porém, prejuízo excedente e não se tendo estipulado a sua ressarcibilidade, será ressarcido até ao limite da indemnização convencionada pelas partes.

ARTIGO 936.º

(Outros contratos com finalidade equivalente)

1. O disposto nos dois artigos anteriores é extensivo a todos os contratos pelos quais se pretenda obter resultado equivalente ao da venda a prestações.

2. Quando se locar uma coisa, com a cláusula de que ela se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas ou alugueres pactuados, a resolução do contrato por o locatário o não cumprir tem efeito retroactivo, devendo o locador restituir as importâncias recebidas, sem possibilidade de convenção em contrário, mas também sem prejuízo do seu direito a indemnização nos termos gerais e nos do artigo anterior.

SECÇÃO X — Venda sobre documentos

ARTIGO 937.º

(Entrega dos documentos)

Na venda sobre documentos, a entrega da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos.

ARTIGO 938.º

(Venda de coisa em viagem)

1. Se o contrato tiver por objecto coisa em viagem e, mencionada esta circunstância, figurar entre os documentos entregues a apólice de seguro contra os riscos do transporte, observar-se-ão as regras seguintes, na falta de estipulação em contrário:

a) O preço deve ser pago, ainda que a coisa já não existisse quando o contrato foi celebrado, por se haver perdido casualmente depois de ter sido entregue ao transportador;

b) O contrato não é anulável com fundamento em defeitos da coisa, produzidos casualmente após o momento da entrega;

c) O risco fica a cargo do comprador desde a data da compra.

2. As duas primeiras regras do número anterior não têm aplicação se, ao tempo do contrato, o vendedor já sabia que a coisa estava perdida ou deteriorada e dolosamente o não revelou ao comprador de boa fé.

3. Quando o seguro apenas cobrir parte dos riscos, o disposto neste artigo vale exclusivamente em relação à parte segurada.

SECÇÃO XI — Outros contratos onerosos

ARTIGO 939.º

(Aplicabilidade das normas relativas à compra e venda)

As normas da compra e venda são aplicáveis aos outros contratos onerosos pelos quais se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições legais respectivas.

CAPÍTULO II — Doação

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 940.º

(Noção)

1. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.

2. Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão-pouco nos donativos conformes aos usos sociais.

ARTIGO 941.º

(Doação remuneratória)

E considerada doação a liberalidade remuneratória de serviços recebidos pelo doador, que não tenham a natureza de dívida exigível.

ARTIGO 942.º

(Objecto da doação)

1. A doação não pode abranger bens futuros.

2. Incidindo, porém, a doação sobre uma universalidade de facto que continue no uso e fruição do doador, consideram-se doadas, salvo declaração em contrário, as coisas singulares que venham de futuro a integrar a universalidade.

ARTIGO 943.º

(Prestações periódicas)

A doação que tiver por objecto prestações periódicas extingue-se por morte do doador.

ARTIGO 844.º

(Doação conjunta)

1. A doação feita a várias pessoas conjuntamente considera-se feita por partes iguais, sem que haja direito de acrescer entre os donatários, salvo se o doador houver declarado o contrário.

2. O disposto no número anterior não prejudica o direito de acrescer entre usufrutuários, quando o usufruto tenha sido constituído por doação.

ARTIGO 945.º

(Aceitação da doação)

1. A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.

2. A tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo, é havida como aceitação.

3. Se a proposta não for aceita no próprio acto ou não se verificar a tradição nos termos do número anterior, a aceitação deve obedecer à forma prescrita no artigo 947.º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.

ARTIGO 946.º

(Doação por morte)

1. É proibida a doação por morte, salvo nos casos especialmente previstos na lei.

2. Será, porém, havida como disposição testamentária a doação que houver de produzir os seus efeitos por morte do doador, se tiverem sido observadas as formalidades dos testamentos.

ARTIGO 947.º

(Forma da doação)

1 — Sem prejuízo do disposto em lei especial, a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.

2 — A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.

SECÇÃO II — Capacidade para fazer ou receber doações

ARTIGO 948.º

(Capacidade activa)

1. Têm capacidade para fazer doações todos os que podem contratar e dispor dos seus bens.

2. A capacidade é regulada pelo estado em que o doador se encontrar ao tempo da declaração negocial.

ARTIGO 949.º

(Carácter pessoal da doação)

1. Não é permitido atribuir a outrem, por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário ou determinar o objecto da doação, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2182.º

2. Os representantes legais dos incapazes não podem fazer doações em nome destes.

ARTIGO 950.º

(Capacidade passiva)

1. Podem receber doações todos os que não estão especialmente inibidos de as aceitar por disposição da lei.

2. A capacidade do donatário é fixada no momento da aceitação.

ARTIGO 951.º

(Aceitação por parte de incapazes)

1. As pessoas que não têm capacidade para contratar não podem aceitar doações com encargos senão por intermédio dos seus representantes legais.

2. Porém, as doações puras feitas a tais pessoas produzem efeitos independentemente de aceitação em tudo o que aproveite aos donatários.

ARTIGO 952.º

(Doações a nascituros)

1. Os nascituros concebidos ou não concebidos podem adquirir por doação, sendo filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da declaração de vontade do doador.

2. Na doação feita a nascituro presume-se que o doador reserva para si o usufruto dos bens doados até ao nascimento do donatário.

ARTIGO 953.º

(Casos de indisponibilidade relativa)

É aplicável às doações, devidamente adaptado, o disposto nos artigos 2192.º a 2198.º

SECÇÃO III — Efeitos das doações

ARTIGO 954.º

(Efeitos essenciais)

A doação tem como efeitos essenciais:

a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito;

b) A obrigação de entregar a coisa;

c) A assunção da obrigação, quando for esse o objecto do contrato.

ARTIGO 955.º

(Entrega da coisa)

1. A coisa deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da aceitação.

2. A obrigação de entrega abrange, na falta de estipulação em contrário, as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à coisa ou direito.

ARTIGO 956.º

(Doação de bens alheios)

1. É nula a doação de bens alheios; mas o doador não pode opor a nulidade ao donatário de boa fé.

2. O doador só responde pelo prejuízo causado ao donatário quando este esteja de boa fé e se verifique algum dos seguintes factos:

a) Ter o doador assumido expressamente a obrigação de indemnizar o prejuízo;

b) Ter o doador agido com dolo;

c) Ter a doação carácter remuneratório;

d) Ser a doação onerosa ou modal, ficando a responsabilidade do doador limitada, neste caso, ao valor dos encargos.

3. É imputável no prejuízo do donatário o valor da coisa ou do direito doado, mas não os benefícios que ele deixou de obter em consequência da nulidade.

4. Não havendo lugar a indemnização, o donatário fica sub-rogado nos direitos que possam competir ao doador relativamente à coisa ou direito doado.

ARTIGO 957.º

(Ônus ou vícios do direito ou da coisa doada)

1. O doador não responde pelos ónus ou limitações do direito transmitido, nem pelos vícios da coisa, excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo.

2. A doação é, porém, anulável em qualquer caso, a requerimento do donatário de boa fé.

ARTIGO 958.º

(Reserva de usufruto)

1. O doador tem a faculdade de reservar para si, ou para terceiro, o usufruto dos bens doados.

2. Havendo reserva de usufruto em favor de várias pessoas, simultânea ou sucessivamente, são aplicáveis as disposições dos artigos 1441.º e 1442.º

ARTIGO 959.º

(Reserva do direito de dispor de coisa determinada)

1. O doador pode reservar para si o direito de dispor, por morte ou por acto entre vivos, de alguma ou algumas das coisas compreendidas na doação, ou o direito a certa quantia sobre os bens doados.

2. O direito reservado não se transmite aos herdeiros do doador, e, quando respeite a imóveis, ou móveis sujeitos a registo, carece de ser registado.

ARTIGO 960.º

(Cláusula de reversão)

1. O doador pode estipular a reversão da coisa doada.

2. A reversão dá-se no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes; não havendo estipulação em contrário, entende-se que a reversão só se verifica neste último caso.

3. A cláusula de reversão que respeite a coisas imóveis, ou a coisas móveis sujeitas a registo, carece de ser registada.

ARTIGO 961.º

(Efeitos da reversão)

Os bens doados que pela cláusula de reversão regressem ao património do doador passam livres dos encargos que lhes tenham sido impostos enquanto estiveram em poder do donatário ou de terceiros a quem tenham sido transmitidos.

ARTIGO 962.º

(Substituições fideicomissárias)

1. São admitidas substituições fideicomissárias nas doações.

2. A estas substituições são aplicáveis, com as necessárias correcções, os artigos 2286.º e seguintes.

ARTIGO 963.º

(Cláusulas modais)

1. As doações podem ser oneradas com encargos.

2. O donatário não é obrigado a cumprir os encargos senão dentro dos limites do valor da coisa ou do direito doado.

ARTIGO 964.º

(Pagamento de dívidas)

1. Se a doação for feita com o encargo de pagamento das dívidas do doador, entender-se-á a cláusula, na falta de outra declaração, como obrigando ao pagamento das que existirem ao tempo da doação.

2. Só é legal o encargo do pagamento de dívidas futuras do doador desde que se determine o seu montante no acto da doação.

ARTIGO 965.º

(Cumprimento dos encargos)

Na doação modal, tanto o doador, ou os seus herdeiros, como quaisquer interessados têm legitimidade para exigir do donatário, ou dos seus herdeiros, o cumprimento dos encargos.

ARTIGO 966.º

(Resolução da doação)

O doador, ou os seus herdeiros, também podem pedir a resolução da doação, fundada no não cumprimento, de encargos, quando esse direito lhes seja conferido pelo contrato.

ARTIGO 967.º

(Condições ou encargos impossíveis ou ilícitos)

As condições ou encargos física ou legalmente impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes ficam sujeitos às regras estabelecidas em matéria testamentária.

ARTIGO 968.º

(Confirmação das doações nulas)

Não pode prevalecer-se da nulidade da doação o herdeiro do doador que a confirme depois da morte deste ou lhe dê voluntária execução, conhecendo o vício e o direito à declaração de nulidade.

SECÇÃO IV — Revogação das doações

ARTIGO 969.º

(Revogação da proposta de doação)

1. Enquanto não for aceita a doação, o doador pode livremente revogar a sua declaração negocial, desde que observe as formalidades desta.

2. A proposta de doação não caduca pelo decurso dos prazos fixados no n.º 1 do artigo 228.º

ARTIGO 970.º

(Revogação da doação)

As doações são revogáveis por ingratidão do donatário.

ARTIGO 971.º
revogado
ARTIGO 972.º
revogado
ARTIGO 973.º
revogado
ARTIGO 974.º

(Casos de ingratidão)

A doação pode ser revogada por ingratidão, quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação.

ARTIGO 975.º

(Exclusão da revogação)

A doação não é revogável por ingratidão do donatário:

a) Sendo feita para casamento;

b) Sendo remuneratória;

c) Se o doador houver perdoado ao donatário.

ARTIGO 976.º

(Prazo e legitimidade para a acção)

1. A acção de revogação por ingratidão não pode ser proposta, nem depois da morte do donatário, nem pelos herdeiros do doador, salvo o caso previsto no n.º 3, e caduca ao cabo de um ano, contado desde o facto que lhe deu causa ou desde que o doador teve conhecimento desse facto.

2. Falecido o doador ou o donatário, a acção, quando pendente, é transmissível aos herdeiros de um ou de outro.

3. Se o donatário tiver cometido contra o doador o crime de homicídio, ou por qualquer causa o tiver impedido de revogar a doação, a acção pode ser proposta pelos herdeiros do doador dentro de um ano a contar da morte deste.

ARTIGO 977.º

(Inadmissibilidade de renúncia antecipada)

O doador não pode antecipadamente renunciar ao direito de revogar a doação por ingratidão do donatário.

ARTIGO 978.º

(Efeitos da revogação)

1. Os efeitos da revogação da doação retrotraem-se à data da proposição da acção.

2. Revogada a liberalidade, são os bens doados restituídos ao doador, ou aos seus herdeiros, no estado em que se encontrarem.

3. Se os bens tiverem sido alienados ou não puderem ser restituídos em espécie por outra causa imputável ao donatário, entregará este, ou entregarão os seus herdeiros, o valor que eles tinham ao tempo em que foram alienados ou se verificou a impossibilidade de restituição, acrescido dos juros legais a contar da proposição da acção.

ARTIGO 979.º

(Efeitos em relação a terceiros)

A revogação da doação não afecta terceiros que hajam adquirido, anteriormente à demanda, direitos reais sobre os bens doados, sem prejuízo das regras relativas ao registo; neste caso, porém, o donatário indemnizará o doador.

CAPÍTULO III — Sociedade

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 980.º

(Noção)

Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade.

ARTIGO 981.º

(Forma)

1. O contrato de sociedade não está sujeito a forma especial, à excepção da que for exigida pela natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade.

2. A inobservância da forma, quando esta for exigida, só anula todo o negócio se este não puder converter-se segundo o disposto no artigo 293.º, de modo que à sociedade fique o simples uso e fruição dos bens cuja transferência determina a forma especial, ou se o negócio não puder reduzir-se, nos termos do artigo 292.º, às demais participações.

ARTIGO 982.º

(Alterações do contrato)

1. As alterações do contrato requerem o acordo de todos os sócios, excepto se o próprio contrato o dispensar.

2. Se o contrato conceder direitos especiais a algum dos sócios, não podem os direitos concedidos ser suprimidos ou coarctados sem o assentimento do respectivo titular, salvo estipulação expressa em contrário.

SECÇÃO II — Relações entre os sócios

ARTIGO 983.º

(Entradas)

1. Os sócios estão sòmente obrigados às entradas estabelecidas no contrato.

2. As entradas dos sócios presumem-se iguais em valor, se este não for determinado no contrato.

ARTIGO 984.º

(Execução da prestação, garantia e risco da coisa)

A execução da prestação, a garantia e o risco da coisa são regulados nos termos seguintes:

a) Se a entrada consistir na transferência ou constituição de um direito real, pelas normas do contrato de compra e venda;

b) Se o sócio apenas se obrigar a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa, pelas normas do contrato de locação;

c) Se a entrada consistir na transferência de um crédito ou de uma posição contratual, pelas normas, respectivamente, da cessão de créditos ou da cessão da posição contratual, presumindo-se, todavia, que o sócio garante a solvência do devedor.

ARTIGO 985.º

(Administração)

1. Na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.

2. Pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao acto que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição.

3. Se o contrato confiar a administração a todos ou a vários sócios em conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser tomadas por maioria.

4. Salvo estipulação noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna os sufrágios de mais de metade dos administradores.

5. Ainda que para a administração em geral, ou para determinada categoria de actos, seja exigido o assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos administradores é lícito praticar os actos urgentes de administração destinados a evitar à sociedade um dano iminente.

ARTIGO 986.º

(Alteração da administração)

1. A cláusula do contrato que atribuir a administração ao sócio pode ser judicialmente revogada, a requerimento de qualquer outro, ocorrendo justa causa.

2. É permitido incluir no contrato casos especiais de revogação, mas não é lícito aos interessados afastar a regra do número anterior.

3. A designação de administradores feita em acto posterior pode ser revogada por deliberação da maioria dos sócios, sendo em tudo o mais aplicáveis à revogação as regras do mandato.

ARTIGO 987.º

(Direitos e obrigações dos administradores)

1. Aos direitos e obrigações dos administradores são aplicáveis as normas do mandato.

2. Qualquer sócio pode tornar efectiva a responsabilidade a que está sujeito o administrador.

ARTIGO 988.º

(Fiscalização dos sócios)

1. Nenhum sócio pode ser privado, nem sequer por cláusula do contrato, do direito de obter dos administradores as informações de que necessite sobre os negócios da sociedade, de consultar os documentos a eles pertinentes e de exigir a prestação de contas.

2. As contas são prestadas no fim de cada ano civil, salvo se outra coisa for estipulada no contrato, ou se for inferior a um ano a duração prevista para a sociedade.

ARTIGO 989.º

(Uso das coisas sociais)

O sócio não pode, sem consentimento unânime dos consócios, servir-se das coisas sociais para fins estranhos à sociedade.

ARTIGO 990.º

(Proibição de concorrência)

O sócio que, sem expressa autorização de todos os outros, exercer, por conta própria ou alheia, actividade igual à da sociedade fica responsável pelos danos que lhe causar, podendo ainda ser excluído, nos termos da alínea a) do artigo 1003.º

ARTIGO 991.º

(Distribuição periódica dos lucros)

Se os contraentes nada tiverem declarado sobre o destino dos lucros de cada exercício, os sócios têm direito a que estes lhes sejam atribuídos nos termos fixados no artigo imediato, depois de deduzidas as quantias afectadas, por deliberação da maioria, à, prossecução dos fins sociais.

ARTIGO 992.º

(Distribuição dos lucros e das perdas)

1. Na falta de convenção em contrário, os sócios participam nos lucros e perdas da sociedade segundo a proporção das respectivas entradas.

2. No silêncio do contrato, os sócios de indústria não respondem, nas relações internas, pelas perdas sociais.

3. Se o contrato não fixar o quinhão do sócio de indústria nos lucros nem o valor da sua contribuição, será o quinhão deste estimado pelo tribunal segundo juízos de equidade; do mesmo modo se avaliará a parte nos lucros e perdas do sócio que apenas se obrigou a facultar à sociedade o uso e fruição de uma coisa.

4. Se o contrato determinar sòmente a parte de cada sócio nos lucros, presumir-se-á ser a mesma a sua parte nas perdas.

ARTIGO 993.º

(Divisão deferida a terceiro)

1. Convencionando-se que a divisão dos ganhos e perdas seja feita por terceiro, deve este fazê-la segundo juízos de equidade, sempre que não haja estipulação em contrário; se a divisão não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, segundo os mesmos juízos.

2. Qualquer sócio tem o direito de impugnar a divisão feita por terceiro, no prazo de seis meses a contar do dia em que ela chegou ao seu conhecimento.

3. Porém, a recepção dos respectivos lucros extingue o direito à impugnação, salvo se anteriormente se protestou contra a divisão, ou se, ao tempo do recebimento, eram desconhecidas as causas da impugnabilidade.

ARTIGO 994.º

(Pacto leonino)

É nula a cláusula que exclui um sócio da comunhão nos lucros ou que o isenta de participar nas perdas da sociedade, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 992.º

ARTIGO 995.º

(Cessão de quotas)

1. Nenhum sócio pode ceder a terceiro a sua quota sem consentimento de todos os outros.

2. A cessão de quotas está sujeita à forma exigida paia a transmissão dos bens da sociedade.

SECÇÃO III — Relações com terceiros

ARTIGO 996.º

(Representação da sociedade)

1. A sociedade é representada em juízo e fora dele pelos seus administradores, nos termos do contrato ou de harmonia com as regras fixadas no artigo 985.º

2. Quando não estiverem sujeitas a registo, as deliberações sobre a extinção ou modificação dos poderes dos administradores não são oponíveis a terceiros que, sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade; considera-se sempre culposa a ignorância, se à deliberação foi dada a publicidade conveniente.

ARTIGO 997.º

(Responsabilidade pelas obrigações sociais)

1. Pelas dívidas sociais respondem a sociedade e, pessoal e solidàriamente, os sócios.

2. Porém, o sócio demandado para pagamento dos débitos da sociedade pode exigir a prévia excursão do património social.

3. A responsabilidade dos sócios que não sejam administradores pode ser modificada, limitada ou excluída por cláusula expressa do contrato, excepto no caso de a administração competir Unicamente a terceiras pessoas; se a cláusula não estiver sujeita a registo, é aplicável, quanto à sua oponibilidade a terceiros, o disposto no n.º 2 do artigo anterior.

4. O sócio não pode eximir-se à responsabilidade por determinada dívida a pretexto de esta ser anterior à sua entrada para a sociedade.

ARTIGO 998.º

(Responsabilidade por factos ilícitos)

1. A sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários, nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários.

2. Não podendo o lesado ressarcir-se completamente, nem pelos bens da sociedade, nem pelo património do representante, agente ou mandatário, ser-lhe-á lícito exigir dos sócios o que faltar, nos mesmos termos em que o poderia fazer qualquer credor social.

ARTIGO 999.º

(Credor particular do sócio)

1. Enquanto se não dissolver a sociedade, e sendo suficientes outros bens do devedor, o credor particular do sócio apenas pode executar o direito deste aos lucros à quota de liquidação.

2. Se os outros bens do devedor forem insuficientes, o credor pode exigir a liquidação da quota do devedor nos termos do artigo 1021.º

ARTIGO 1000.º

(Compensação)

Não é admitida compensação entre aquilo que um terceiro deve à sociedade e o crédito dele sobre algum dos sócios, nem entre o que a sociedade deve a terceiro e o crédito que sobre este tenha algum dos sócios.

SECÇÃO IV — Morte, exoneração ou exclusão de sócios

ARTIGO 1001.º

(Morte de um sócio)

1. Falecendo um sócio, se o contrato nada estipular em contrário, deve a sociedade liquidar a sua quota em benefício dos herdeiros; mas os sócios supérstites têm a faculdade de optar pela dissolução da sociedade, ou pela sua continuação com os herdeiros se vierem a acordo com eles.

2. A opção pela dissolução da sociedade só é oponível aos herdeiros do sócio falecido se lhes for comunicada dentro de sessenta dias, a contar do conhecimento da morte pelos sócios supérstites.

3. Sendo dissolvida a sociedade, os herdeiros assumem todos os direitos inerentes, na sociedade em liquidação, à quota do sócio falecido.

4. Sendo os herdeiros chamados à sociedade, podem livremente dividir entre si o quinhão do seu antecessor ou encabeçá-lo em algum ou alguns deles.

ARTIGO 1002.º

(Exoneração)

1. Todo o sócio tem o direito de se exonerar da sociedade, se a duração desta não tiver sido fixada no contrato; não se considera, para este efeito, fixada no contrato a duração da sociedade, se esta tiver sido constituída por toda a vida de um sócio ou por período superior a trinta anos.

2. Havendo fixação de prazo, o direito de exoneração só pode ser exercido nas condições previstas no contrato ou quando ocorra justa causa.

3. A exoneração só se torna efectiva no fim do ano social em que é feita a comunicação respectiva, mas nunca antes de decorridos três meses sobre esta comunicação.

4. As causas legais de exoneração não podem ser suprimidas ou modificadas; a supressão ou modificação das causas contratuais depende do acordo de todos os sócios.

ARTIGO 1003.º

(Exclusão)

A exclusão de um sócio pode dar-se nos casos previstos no contrato, e ainda nos seguintes:

a) Quando lhe seja imputável violação grave das obrigações para com a sociedade;

b) Em caso de benefício do acompanhamento, precedendo decisão do tribunal que o tenha decretado;

c) Quando, sendo sócio de indústria, se impossibilite de prestar à sociedade os serviços a que ficou obrigado;

d) Quando, por causa não imputável aos administradores, se verifique o perecimento da coisa ou direito que constituía a entrada do sócio, nos termos do artigo seguinte.

ARTIGO 1004.º

(Perecimento superveniente da coisa)

O perecimento superveniente da coisa é fundamento de exclusão do sócio:

a) Se a entrada consistir na transferência ou constituição de um direito real sobre a coisa e esta perecer antes da entrega;

b) Se o sócio entrou para a sociedade apenas com o uso e fruição da coisa perdida.

ARTIGO 1005.º

(Deliberação sobre a exclusão)

1. A exclusão depende do voto da maioria dos sócios, não incluindo no número destes o sócio em causa, e produz efeitos decorridos trinta dias sobre a data da respectiva comunicação ao excluído.

2. O direito de oposição do sócio excluído caduca decorrido o prazo referido no número anterior.

3. Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles só pode ser pronunciada pelo tribunal.

ARTIGO 1006.º

(Eficácia da exoneração ou exclusão)

1. A exoneração ou exclusão não isenta o sócio da responsabilidade em face de terceiros pelas obrigações sociais contraídas até ao momento em que a exoneração ou exclusão produzir os seus efeitos.

2. A exoneração e a exclusão que não estejam sujeitas a registo não são oponíveis a terceiros que, sem culpa, as ignoravam ao tempo em que contrataram com a sociedade; considera-se sempre culposa a ignorância, se ao acto foi dada a publicidade conveniente.

SECÇÃO V — Dissolução da sociedade

ARTIGO 1007.º

(Causas de dissolução)

A sociedade dissolve-se:

a) Por acordo dos sócios;

b) Pelo decurso do prazo fixado no contrato, não havendo prorrogação;

c) Pela realização do objecto social, ou por este se tornar impossível;

d) Por se extinguir a pluralidade dos sócios, se no prazo de seis meses não for reconstituída;

e) Por decisão judicial que declare a sua insolvência;

f) Por qualquer outra causa prevista no contrato.

ARTIGO 1008.º

(Dissolução por acordo. Prorrogação do prazo)

1. A dissolução por acordo depende do voto unânime dos sócios, a não ser que o contrato permita a modificação das suas cláusulas ou a dissolução da sociedade por simples voto majoritário.

2. A prorrogação do prazo fixado no contrato pode ser vàlidamente convencionada até à partilha; considera-se tàcitamente prorrogada a sociedade, por tempo indeterminado, se os sócios continuaram a exercer a actividade social, salvo se das circunstâncias resultar que não houve essa intenção.

ARTIGO 1009.º

(Poderes dos administradores depois da dissolução)

1. Dissolvida a sociedade, os poderes dos administradores ficam limitados à prática dos actos meramente conservatórios e, no caso de não terem sido nomeados liquidatários, dos actos necessários à liquidação do património social.

2. Pelas obrigações que os administradores assumam contra o disposto no número anterior, a sociedade e os outros sócios só respondem perante terceiros se estes estavam de boa fé ou, no caso de ser obrigatório o registo da dissolução, se este não tiver sido efectuado; nos restantes casos, respondem solidàriamente os administradores que tenham assumido aquelas obrigações.

SECÇÃO VI — Liquidação da sociedade e de quotas

ARTIGO 1010.º

(Liquidação da sociedade)

Dissolvida a sociedade, procede-se à liquidação do seu património.

ARTIGO 1011.º

(Forma da liquidação)

1. Se não estiver fixada no contrato, a forma da liquidação é regulada pelos sócios; na falta de acordo de todos, observar-se-ão as disposições dos artigos subsequentes e as das leis de processo.

2. Se o prazo para a liquidação não estiver determinado, qualquer sócio ou credor pode requerer a sua determinação pelo tribunal.

ARTIGO 1012.º

(Liquidatários)

1. A liquidação compete aos administradores.

2. Se o contrato confiar aos sócios a nomeação dos liquidatários e o acordo se revelar impossível, será a falta deste suprida pelo tribunal, por iniciativa de qualquer sócio ou credor.

ARTIGO 1013.º

(Posição dos liquidatários)

1. A posição dos liquidatários é idêntica à dos administradores, com as modificações constantes dos artigos seguintes.

2. Salvo acordo dos sócios em contrário, as decisões dos liquidatários são tomadas por maioria.

ARTIGO 1014.º

(Termos iniciais da liquidação)

1. Se os liquidatários não forem os administradores, devem exigir destes a entrega dos bens e dos livros e documentos da sociedade, bem como as contas relativas ao último período de gestão; na falta de entrega, esta deve ser requerida ao tribunal.

2. É obrigatória a organização de um inventário que dê a conhecer a situação do património social; o inventário é elaborado conjuntamente por administradores e liquidatários.

ARTIGO 1015.º

(Poderes dos liquidatários)

Cabe aos liquidatários praticar todos os actos necessários à liquidação do património social, ultimando os negócios pendentes, cobrando os créditos, alienando os bens e pagando aos credores.

ARTIGO 1016.º

(Pagamento do passivo)

1. É defeso aos liquidatários proceder à partilha dos bens sociais enquanto não tiverem sido pagos os credores da sociedade ou consignadas as quantias necessárias.

2. Quando os bens da sociedade não forem suficientes para liquidação do passivo, os liquidatários podem exigir dos sócios, além das entradas em dívida, as quantias necessárias, em proporção da parte de cada um nas perdas e dentro dos limites da respectiva responsabilidade; se, porém, algum sócio se encontrar insolvente, será a sua parte dividida pelos demais, nos termos referidos.

ARTIGO 1017.º

(Restituição dos bens atribuídos em uso e fruição)

1. O sócio que tiver entrado para a sociedade com o uso e fruição de certos bens tem o direito de os levantar no estado em que se encontrarem.

2. Se os bens se houverem perdido ou deteriorado por causa imputável aos administradores, são estes e a sociedade solidàriamente responsáveis pelos danos.

ARTIGO 1018.º

(Partilha)

1. Extintas as dívidas sociais, o activo restante é destinado em primeiro lugar ao reembolso das entradas efectivamente realizadas, exceptuadas as contribuições de serviços e as de uso e fruição de certos bens.

2. Se não puder ser feito o reembolso integral, o activo existente é distribuído pelos sócios, por forma que a diferença para menos recaia em cada um deles na proporção da parte que lhe competir nas perdas da sociedade; se houver saldo depois de feito o reembolso, será repartido por eles na proporção da parte que lhes caiba nos lucros.

3. As entradas que não sejam de dinheiro são estimadas no valor que tinham à data da constituição da sociedade, se não lhes tiver sido atribuído outro no contrato.

4. Ainda que o contrato o não preveja, podem os sócios acordar em que a partilha dos bens se faça em espécie.

ARTIGO 1019.º

(Regresso à actividade social)

1. Enquanto não se ultimarem as partilhas, podem os sócios retomar o exercício da actividade social, desde que o resolvam por unanimidade.

2. Se, porém, a dissolução tiver resultado de causa imperativa, é necessário que tenham cessado as circunstâncias que a determinaram.

ARTIGO 1020.º

(Responsabilidade dos sócios após a liquidação)

Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios continuam responsáveis perante terceiros pelo pagamento dos débitos que não tenham sido saldados, como se não tivesse havido liquidação.

ARTIGO 1021.º

(Liquidação de quotas)

1. Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; se houver negócios em curso, o sócio ou os herdeiros participarão nos lucros perdas deles resultantes.

2. Na avaliação da quota observar-se-ão, com as adaptações necessárias, as regras dos n.ºs 1 a 3 do artigo 1018.º, na parte em que forem aplicáveis.

3. O pagamento do valor da liquidação deve ser feito, salvo acordo em contrário, dentro do prazo de seis meses, a contar do dia em que tiver ocorrido ou produzido efeitos o facto determinante da liquidação.

CAPÍTULO IV — Locação

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1022.º

Noção

«Locação» é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.

ARTIGO 1023.º

Arrendamento e aluguer

A locação diz-se «arrendamento» quando versa sobre coisa imóvel, «aluguer» quando incide sobre coisa móvel.

ARTIGO 1024.º

A locação como ato de administração

1 — A locação constitui, para o locador, um ato de administração ordinária, exceto quando for celebrada por prazo superior a seis anos.

2 — O arrendamento de prédio indiviso feito pelo consorte ou consortes administradores só é válido quando os restantes comproprietários manifestem, por escrito e antes ou depois do contrato, o seu assentimento.

ARTIGO 1025.º

Duração máxima

A locação não pode celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulada por tempo superior, ou como contrato perpétuo, considera-se reduzida àquele limite.

ARTIGO 1026.º

Prazo supletivo

Na falta de estipulação, entende-se que o prazo de duração do contrato é igual à unidade de tempo a que corresponde a retribuição fixada, salvas as disposições especiais deste Código.

ARTIGO 1027.º

Fim do contrato

Se do contrato e respetivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa locada se destina, é permitido ao locatário aplicá-la a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza.

ARTIGO 1028.º

Pluralidade de fins

1 — Se uma ou mais coisas forem locadas para fins diferentes, sem subordinação de uns a outros, observar-se-á, relativamente a cada um deles, o regime respetivo.

2 — As causas de nulidade, anulabilidade ou resolução que respeitem a um dos fins não afetam a parte restante da locação, exceto se do contrato ou das circunstâncias que o acompanham não resultar a discriminação das coisas ou partes da coisa correspondentes às várias finalidades, ou estas forem solidárias entre si.

3 — Se, porém, um dos fins for principal e os outros subordinados, prevalecerá o regime correspondente ao fim principal; os outros regimes só são aplicáveis na medida em que não contrariem o primeiro e a aplicação deles se não mostre incompatível com o fim principal.

ARTIGO 1029.º

Exigência de escritura pública

(Revogado.)
ARTIGO 1030.º

Encargos da coisa locada

Os encargos da coisa locada, sem embargo de estipulação em contrário, recaem sobre o locador, a não ser que a lei os imponha ao locatário.

SECÇÃO II — Obrigações do locador

ARTIGO 1031.º

Enumeração

São obrigações do locador:

a) Entregar ao locatário a coisa locada;

b) Assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina.

ARTIGO 1032.º

Vício da coisa locada

Quando a coisa locada apresentar vício que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, ou carecer de qualidades necessárias a esse fim ou asseguradas pelo locador, considera-se o contrato não cumprido:

a) Se o defeito datar, pelo menos, do momento da entrega e o locador não provar que o desconhecia sem culpa;

b) Se o defeito surgir posteriormente à entrega, por culpa do locador.

ARTIGO 1033.º

Casos de irresponsabilidade do locador

O disposto no artigo anterior não é aplicável:

a) Se o locatário conhecia o defeito quando celebrou o contrato ou recebeu a coisa;

b) Se o defeito já existia ao tempo da celebração do contrato e era facilmente reconhecível, a não ser que o locador tenha assegurado a sua inexistência ou usado de dolo para o ocultar;

c) Se o defeito for da responsabilidade do locatário;

d) Se este não avisou do defeito o locador, como lhe cumpria.

ARTIGO 1034.º

Ilegitimidade do locador ou deficiência do seu direito

1 — São aplicáveis as disposições dos dois artigos anteriores:

a) Se o locador não tiver a faculdade de proporcionar a outrem o gozo da coisa locada;

b) Se o seu direito não for de propriedade ou estiver sujeito a algum ónus ou limitação que exceda os limites normais inerentes a este direito;

c) Se o direito do locador não possuir os atributos que ele assegurou ou estes atributos cessarem posteriormente por culpa dele.

2 — As circunstâncias descritas no número antecedente só importam a falta de cumprimento do contrato quando determinarem a privação, definitiva ou temporária, do gozo da coisa ou a diminuição dele por parte do locatário.

ARTIGO 1035.º

Anulabilidade por erro ou dolo

O disposto nos artigos 1032.º e 1034.º não obsta à anulação do contrato por erro ou por dolo, nos termos gerais.

ARTIGO 1036.º

Reparações ou outras despesas urgentes

1 — Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas ou outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso.

2 — Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.

ARTIGO 1037.º

Atos que impedem ou diminuem o gozo da coisa

1 — Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar atos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com exceção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso, mas não tem obrigação de assegurar esse gozo contra atos de terceiro.

2 — O locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o locador, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes.

SECÇÃO III — Obrigações do locatário

SUBSECÇÃO I — Disposição geral

ARTIGO 1038.º

Enumeração

São obrigações do locatário:

a) Pagar a renda ou aluguer;

b) Facultar ao locador o exame da coisa locada;

c) Não aplicar a coisa a fim diverso daqueles a que ela se destina;

d) Não fazer dela uma utilização imprudente;

e) Tolerar as reparações urgentes, bem como quaisquer obras ordenadas pela autoridade pública;

f) Não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, exceto se a lei o permitir ou o locador o autorizar;

g) Comunicar ao locador, dentro de 15 dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada;

h) Avisar imediatamente o locador sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiros se arrogam direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado pelo locador;

i) Restituir a coisa locada findo o contrato.

SUBSECÇÃO II — Pagamento da renda ou aluguer

ARTIGO 1039.º

Tempo e lugar do pagamento

1 — O pagamento da renda ou aluguer deve ser efetuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime.

2 — Se a renda ou aluguer houver de ser pago no domicílio, geral ou particular, do locatário ou de procurador seu e o pagamento não tiver sido efetuado, presume-se que o locador não veio nem mandou receber a prestação no dia do vencimento.

ARTIGO 1040.º

Redução da renda ou aluguer

1 — Se, por motivo não atinente à sua pessoa ou à dos seus familiares, o locatário sofrer privação ou diminuição do gozo da coisa locada, haverá lugar a uma redução da renda ou aluguer proporcional ao tempo da privação ou diminuição e à extensão desta, sem prejuízo do disposto na secção anterior.

2 — Mas, se a privação ou diminuição não for imputável ao locador nem aos seus familiares, a redução só terá lugar no caso de uma ou outra exceder um sexto da duração do contrato.

3 — Consideram-se familiares os parentes, afins ou serviçais que vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação com o locatário ou o locador.

ARTIGO 1041.º

Mora do locatário

1 — Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20 % do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.

2 — Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.

3 — Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o n.º 1 se refere, o locador tem o direito de recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.

4 — A receção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora.

5 — Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida.

6 — O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.

7 — Em contratos sujeitos ao regime de arrendamento apoiado, o senhorio pode, no âmbito de acordo de regularização de dívida, reduzir ou dispensar a indemnização prevista no n.º 1, sem prejuízo do direito à resolução do contrato e à cobrança de juros de mora, em caso de incumprimento do acordo.

ARTIGO 1042.º

Cessação da mora

1 — O locatário pode pôr fim à mora oferecendo ao locador o pagamento das rendas ou alugueres em atraso, bem como a indemnização fixada no n.º 1 do artigo anterior.

2 — Perante a recusa do locador em receber as correspondentes importâncias, pode o locatário recorrer à consignação em depósito.

SUBSECÇÃO III — Restituição da coisa locada

ARTIGO 1043.º

Dever de manutenção e restituição da coisa

1 — Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.

2 — Presume-se que a coisa foi entregue ao locatário em bom estado de manutenção quando não exista documento onde as partes tenham descrito o estado dela ao tempo da entrega.

ARTIGO 1044.º

Perda ou deterioração da coisa

O locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não excetuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.

ARTIGO 1045.º

Indemnização pelo atraso na restituição da coisa

1 — Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.

2 — Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.

ARTIGO 1046.º

Indemnização de despesas e levantamento de benfeitorias

1 — Fora dos casos previstos no artigo 1036.º e salvo estipulação em contrário, o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada.

2 — Tratando-se de aluguer de animais, as despesas de alimentação destes correm sempre, na falta de estipulação em contrário, por conta do locatário.

SECÇÃO IV — Resolução e caducidade do contrato

SUBSECÇÃO I — Resolução

ARTIGO 1047.º

Resolução

A resolução do contrato de locação pode ser feita judicial ou extrajudicialmente.

ARTIGO 1048.º

Falta de pagamento da renda ou aluguer

1 — O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º

2 — O locatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.

3 — O regime previsto nos números anteriores aplica-se ainda à falta de pagamento de encargos e despesas que corram por conta do locatário.

4 — Ao direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido extrajudicialmente, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 1084.º

ARTIGO 1049.º

Cedência do gozo da coisa

O locador não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g) do artigo 1038.º se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.

ARTIGO 1050.º

Resolução do contrato pelo locatário

O locatário pode resolver o contrato, independentemente de responsabilidade do locador:

a) Se, por motivo estranho à sua própria pessoa ou à dos seus familiares, for privado do gozo da coisa, ainda que só temporariamente;

b) Se na coisa locada existir ou sobrevier defeito que ponha em perigo a vida ou a saúde do locatário ou dos seus familiares.

SUBSECÇÃO II — Caducidade

ARTIGO 1051.º

Casos de caducidade

O contrato de locação caduca:

a) Findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei;

b) Verificando-se a condição a que as partes o subordinaram ou tornando-se certo que não pode verificar-se, conforme a condição seja resolutiva ou suspensiva;

c) Quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado;

d) Por morte do locatário ou, tratando-se de pessoa coletiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário;

e) Pela perda da coisa locada;

f) Pela expropriação por utilidade pública, salvo quando a expropriação se compadeça com a subsistência do contrato;

g) Pela cessação dos serviços que determinaram a entrega da coisa locada.

ARTIGO 1052.º

Exceções

O contrato de locação não caduca:

a) Se for celebrado pelo usufrutuário e a propriedade se consolidar na sua mão;

b) Se o usufrutuário alienar o seu direito ou renunciar a ele, pois nestes casos o contrato só caduca pelo termo normal do usufruto;

c) Se for celebrado pelo cônjuge administrador.

ARTIGO 1053.º

Despejo do prédio

Em qualquer dos casos de caducidade previstos nas alíneas b) e seguintes do artigo 1051.º, a restituição do prédio, tratando-se de arrendamento, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que determina a caducidade ou, sendo o arrendamento rural, no fim do ano agrícola em curso no termo do referido prazo.

ARTIGO 1054.º

Renovação do contrato

1 — Findo o prazo do arrendamento, o contrato renova-se por períodos sucessivos se nenhuma das partes se tiver oposto à renovação no tempo e pela forma convencionados ou designados na lei.

2 — O prazo da renovação é igual ao do contrato; mas é apenas de um ano, se o prazo do contrato for mais longo.

ARTIGO 1055.º

Oposição à renovação

1 — A oposição à renovação tem de ser comunicada ao outro contraente com a antecedência mínima seguinte:

a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

b) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) 30 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a três meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a três meses.

2 — A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

ARTIGO 1056.º

Outra causa de renovação

Se, não obstante a caducidade do arrendamento, o locatário se mantiver no gozo da coisa pelo lapso de um ano, sem oposição do locador, o contrato considera-se igualmente renovado nas condições do artigo 1054.º

SECÇÃO V — Transmissão da posição contratual

ARTIGO 1057.º

Transmissão da posição do locador

O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador, sem prejuízo das regras do registo.

ARTIGO 1058.º

Liberação ou cessão de rendas ou alugueres

A liberação ou cessão de rendas ou alugueres não vencidos é inoponível ao sucessor entre vivos do locador, na medida em que tais rendas ou alugueres respeitem a períodos de tempo não decorridos à data da sucessão.

ARTIGO 1059.º

Transmissão da posição do locatário

1 — A posição contratual do locatário é transmissível por morte dele ou, tratando-se de pessoa coletiva, pela extinção desta, se assim tiver sido convencionado por escrito.

2 — A cessão da posição do locatário está sujeita ao regime geral dos artigos 424.º e seguintes, sem prejuízo das disposições especiais deste capítulo.

SECÇÃO VI — Sublocação

ARTIGO 1060.º

Noção

A locação diz-se «sublocação» quando o locador a celebra com base no direito de locatário que lhe advém de um precedente contrato locativo.

ARTIGO 1061.º

Efeitos

A sublocação só produz efeitos em relação ao locador ou a terceiros a partir do seu reconhecimento pelo locador ou da comunicação a que se refere a alínea g) do artigo 1038.º

ARTIGO 1062.º

Limite da renda ou aluguer

O locatário não pode cobrar do sublocatário renda ou aluguer superior ou proporcionalmente superior ao que é devido pelo contrato de locação, aumentado de 20 %, salvo se outra coisa tiver sido convencionada com o locador.

ARTIGO 1063.º

Direitos do locador em relação ao sublocatário

Se tanto o locatário como o sublocatário estiverem em mora quanto às respetivas dívidas de renda ou aluguer, é lícito ao locador exigir do sublocatário o que este dever, até ao montante do seu próprio crédito.

SECÇÃO VII — Arrendamento de prédios urbanos

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

Artigo 1064.º

Âmbito

A presente secção aplica-se ao arrendamento, total ou parcial, de prédios urbanos e, ainda, a outras situações nela previstas.

Artigo 1065.º

Imóveis mobilados e acessórios

A locação de imóveis mobilados e seus acessórios presume-se unitária, originando uma única renda e submetendo-se à presente secção.

Artigo 1066.º

Arrendamentos mistos

1 — O arrendamento conjunto de uma parte urbana e de uma parte rústica é havido por urbano quando essa seja a vontade dos contratantes.

2 — Na dúvida, atende-se, sucessivamente, ao fim principal do contrato e à renda que os contratantes tenham atribuído a cada uma delas.

3 — Na falta ou insuficiência de qualquer dos critérios referidos no número anterior, o arrendamento tem-se por urbano.

Artigo 1067.º

Fim do contrato

1 — O arrendamento urbano pode ter fim habitacional ou não habitacional.

2 — Quando nada se estipule, o local arrendado pode ser gozado no âmbito das suas aptidões, tal como resultem da licença de utilização.

3 — Na falta de licença de utilização, o arrendamento vale como habitacional se o local for habitável ou como não habitacional se o não for, salvo se outro destino lhe tiver vindo a ser dado.

Artigo 1067.º-A

Não discriminação no acesso ao arrendamento

1 — Ninguém pode ser discriminado no acesso ao arrendamento em razão de sexo, ascendência ou origem étnica, língua, território de origem, nacionalidade, religião, crença, convicções políticas ou ideológicas, género, orientação sexual, idade ou deficiência.

2 — O anúncio de oferta de imóvel para arrendamento e outra forma de publicidade ligada à disponibilização de imóveis para arrendamento não pode conter qualquer restrição, especificação ou preferência baseada em categorias discriminatórias violadoras do disposto no número anterior.

Artigo 1068.º

Comunicabilidade

O direito do arrendatário comunica-se ao seu cônjuge, nos termos gerais e de acordo com o regime de bens vigente.

SUBSECÇÃO II — Celebração

Artigo 1069.º

Forma

1 — O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito.

2 — Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses.

Artigo 1070.º

Requisitos de celebração

1 — O arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível.

2 — Diploma próprio regula o requisito previsto no número anterior e define os elementos que o contrato de arrendamento urbano deve conter.

SUBSECÇÃO III — Direitos e obrigações das partes

DIVISÃO I — Obrigações não pecuniárias
Artigo 1071.º

Limitações ao exercício do direito

Os arrendatários estão sujeitos às limitações impostas aos proprietários de coisas imóveis, tanto nas relações de vizinhança como nas relações entre arrendatários de partes de uma mesma coisa.

Artigo 1072.º

Uso efetivo do locado

1 — O arrendatário deve usar efetivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano.

2 — O não uso pelo arrendatário é lícito:

a) Em caso de força maior ou de doença;

b) Se a ausência, não perdurando há mais de dois anos, for devida aocumprimento de deveres militares ou profissionais do próprio, do cônjuge ou de quem viva com o arrendatário em união de facto;

c) Se a utilização for mantida por quem, tendo direito a usar o locado, o fizesse há mais de um ano;

d) Se a ausência se dever à prestação de apoios continuados a pessoas com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60 %, incluindo a familiares.

Artigo 1073.º

Deteriorações lícitas

1 — É lícito ao arrendatário realizar pequenas deteriorações no prédio arrendado quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade.

2 — As deteriorações referidas no número anterior devem, no entanto, ser reparadas pelo arrendatário antes da restituição do prédio, salvo estipulação em contrário.

Artigo 1074.º

Obras

1 — Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.

2 — O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio.

3 — Excetuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036.º e no artigo 22.º-A do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto.

4 — (Revogado.)

5 — Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.

DIVISÃO II — Renda e encargos
Artigo 1075.º

Disposições gerais

1 — A renda corresponde a uma prestação pecuniária periódica.

2 — Na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.

Artigo 1076.º

Antecipação de rendasº

1 — O pagamento da renda pode ser antecipado, havendo acordo escrito, por período não superior a três meses.

2 — As partes podem caucionar, por qualquer das formas legalmente previstas, o cumprimento das obrigações respetivas.

Artigo 1077.º

Atualização de rendas

1 — As partes estipulam, por escrito, a possibilidade de atualização da renda e o respetivo regime.

2 — Na falta de estipulação, aplica-se o seguinte regime:

a) A renda pode ser atualizada anualmente, de acordo com os coeficientes de atualização vigentes;

b) A primeira atualização pode ser exigida um ano após o início da vigência do contrato e as seguintes, sucessivamente, um ano após a atualização anterior;

c) O senhorio comunica, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de atualização e a nova renda dele resultante;

d) A não atualização prejudica a recuperação dos aumentos não feitos, podendo, todavia, os coeficientes ser aplicados em anos posteriores, desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação.

Artigo 1078.º

Encargos e despesas

1 — As partes estipulam, por escrito, o regime dos encargos e despesas, aplicando-se, na falta de estipulação em contrário, o disposto nos números seguintes.

2 — Os encargos e despesas correntes respeitantes ao fornecimento de bens ou serviços relativos ao local arrendado correm por conta do arrendatário.

3 — No arrendamento de fração autónoma, os encargos e despesas referentes à administração, conservação e fruição de partes comuns do edifício, bem como o pagamento de serviços de interesse comum, correm por conta do senhorio.

4 — Os encargos e despesas devem ser contratados em nome de quem for responsável pelo seu pagamento.

5 — Sendo o arrendatário responsável por um encargo ou despesa contratado em nome do senhorio, este apresenta, no prazo de um mês, o comprovativo do pagamento feito.

6 — No caso previsto no número anterior, a obrigação do arrendatário vence-se no final do mês seguinte ao da comunicação pelo senhorio, devendo ser cumprida simultaneamente com a renda subsequente.

7 — Se as partes acordarem uma quantia fixa mensal a pagar por conta dos encargos e despesas, os acertos são feitos semestralmente.

SUBSECÇÃO IV — Cessação

DIVISÃO I — Disposições comuns
Artigo 1079.º

Formas de cessação

O arrendamento urbano cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei.

Artigo 1080.º

Imperatividade

As normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário.

Artigo 1081.º

Efeitos da cessação

1 — A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário.

2 — Com antecedência não superior a três meses sobre a obrigação de desocupação do local, o senhorio pode exigir ao arrendatário a colocação de escritos, quando correspondam aos usos da terra.

3 — O arrendatário deve, em qualquer caso, mostrar o local a quem o pretender tomar de arrendamento durante os três meses anteriores à desocupação, em horário acordado com o senhorio.

4 — Na falta de acordo, o horário é, nos dias úteis, das 17 horas e 30 minutos às 19 horas e 30 minutos e, aos sábados e domingos, das 15 às 19 horas.

DIVISÃO II — Cessação por acordo entre as partes
Artigo 1082.º

Revogação

1 — As partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido.

2 — O acordo referido no número anterior é celebrado por escrito quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias.

DIVISÃO III — Resolução
Artigo 1083.º

Fundamento da resolução

1 — Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.

2 — É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio:

a) A violação de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;

b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;

c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, ainda que a alteração do uso não implique maior desgaste ou desvalorização para o prédio;

d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n º 2 do artigo 1072 º;

e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, do gozo do prédio, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.

3 — É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário ou de oposição por este à realização de obra ordenada por autoridade pública, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 a 5 do artigo seguinte.

4 — É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.os 3 e 4 do artigo seguinte.

5 — É fundamento de resolução pelo arrendatário, designadamente, a não realização pelo senhorio de obras que a este caibam, quando tal omissão comprometa a habitabilidade do locado e, em geral, a aptidão deste para o uso previsto no contrato.

6 — No caso previsto no n.º 4, o senhorio apenas pode resolver o contrato se tiver informado o arrendatário, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que é sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos.

Artigo 1084.º

Modo de operar

1 — A resolução pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do artigo anterior é decretada nos termos da lei de processo.

2 — A resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista nos n.ºs 3 e 4 do artigo anterior bem como a resolução pelo arrendatário operam por comunicação à contraparte onde fundamentadamente se invoque a obrigação incumprida.

3 — A resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do n.º 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês.

4 — O arrendatário só pode fazer uso da faculdade referida no número anterior uma única vez, com referência a cada contrato.

5 — Fica sem efeito a resolução fundada na oposição pelo arrendatário à realização de obra ordenada por autoridade pública se, no prazo de 60 dias, cessar essa oposição.

Artigo 1085.º

Caducidade do direito de resolução

1 — A resolução deve ser efetivada dentro do prazo de um ano a contar do conhecimento do facto que lhe serve de fundamento, sob pena de caducidade.

2 — O prazo referido no número anterior é reduzido para três meses quando o fundamento da resolução seja o previsto nos n.os 3 ou 4 do artigo 1083.º

3 — Quando se trate de facto continuado ou duradouro, o prazo não se completa antes de decorrido um ano da sua cessação.

Artigo 1086.º

Cumulações

1 — A resolução é cumulável com a denúncia ou com a oposição à renovação, podendo prosseguir a discussão a ela atinente mesmo depois da cessação do contrato, com a finalidade de apurar as consequências que ao caso caibam.

2 — A resolução é igualmente cumulável com a responsabilidade civil.

Artigo 1087.º

Desocupação

A desocupação do locado, nos termos do artigo 1081.º, é exigível após o decurso de um mês a contar da resolução se outro prazo não for judicialmente fixado ou acordado pelas partes.

SUBSECÇÃO V — Subarrendamento

Artigo 1088.º

Autorização do senhorio

1 — A autorização para subarrendar o prédio deve ser dada por escrito.

2 — O subarrendamento não autorizado considera-se, todavia, ratificado pelo senhorio se ele reconhecer o subarrendatário como tal.

Artigo 1089.º

Caducidade

O subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável.

Artigo 1090.º

Direitos do senhorio em relação ao subarrendatário

1 — Sendo total o subarrendamento, o senhorio pode substituir-se ao arrendatário, mediante notificação judicial, considerando-se resolvido o primitivo arrendamento e passando o subarrendatário a arrendatário direto.

2 — Se o senhorio receber alguma renda do subarrendatário e lhe passar recibo depois da extinção do arrendamento, é o subarrendatário havido como arrendatário direto.

SUBSECÇÃO VI — Direito de preferência

Artigo 1091.º

Regra geral

1 — O arrendatário tem direito de preferência:

a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes;

b) Na celebração de novo contrato de arrendamento, em caso de caducidade do seu contrato por ter cessado o direito ou terem findado os poderes legais de administração com base nos quais o contrato fora celebrado.

2 — O direito previsto na alínea b) existe enquanto não for exigível a restituição do prédio, nos termos do artigo 1053.º

3 — O direito de preferência do arrendatário é graduado imediatamente acima do direito de preferência conferido ao proprietário do solo pelo artigo 1535.º

4 — A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º é expedida por carta registada com aviso de receção, sendo o prazo de resposta de 30 dias a contar da data da receção.

5 — É aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, sem prejuízo das especificidades, em caso de arrendamento para fins habitacionais, previstas nos números seguintes.

6 — No caso de venda de coisa juntamente com outras, nos termos do artigo 417.º, o obrigado indica na comunicação o preço que é atribuído ao locado bem como os demais valores atribuídos aos imóveis vendidos em conjunto.

7 — Quando seja aplicável o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 417.º, a comunicação referida no número anterior deve incluir a demonstração da existência de prejuízo apreciável, não podendo ser invocada a mera contratualização da não redução do negócio como fundamento para esse prejuízo.

8 — No caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, a exercer nas seguintes condições:

a) O direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão;

b) A comunicação prevista no n.º 1 do artigo 416.º deve indicar os valores referidos na alínea anterior;

c) A aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado.

9 — Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade.

SUBSECÇÃO VII — Disposições especiais do arrendamento para habitação

DIVISÃO I — Âmbito do contrato
Artigo 1092.º

Indústrias domésticas

1 — No uso residencial do prédio arrendado inclui-se, salvo cláusula em contrário, o exercício de qualquer indústria doméstica, ainda que tributada.

2 — É havida como doméstica a indústria explorada na residência do arrendatário que não ocupe mais de três auxiliares assalariados.

Artigo 1093.º

Pessoas que podem residir no local arrendado

1 — Nos arrendamentos para habitação podem residir no prédio, além do arrendatário:

a) Todos os que vivam com ele em economia comum;

b) Um máximo de três hóspedes, salvo cláusula em contrário.

2 — Consideram-se sempre como vivendo com o arrendatário em economia comum a pessoa que com ele viva em união de facto, os seus parentes ou afins na linha reta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ainda que paguem alguma retribuição, e bem assim as pessoas relativamente às quais, por força da lei ou de negócio jurídico que não respeite diretamente à habitação, haja obrigação de convivência ou de alimentos.

3 — Consideram-se «hóspedes» as pessoas a quem o arrendatário proporcione habitação e preste habitualmente serviços relacionados com esta, ou forneça alimentos, mediante retribuição.

DIVISÃO II — Duração
Artigo 1094.º

Tipos de contratos

1 — O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.

2 — No contrato com prazo certo pode convencionar-se que, após a primeira renovação, o arrendamento tenha duração indeterminada.

3 — No silêncio das partes, o contrato considera-se celebrado por prazo certo, pelo período de cinco anos.

SUBDIVISÃO I — Contrato com prazo certo
Artigo 1095.º

Estipulação de prazo certo

1 — O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.

2 — O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.

3 — O limite mínimo previsto no número anterior não se aplica aos contratos para habitação não permanente ou para fins especiais transitórios, designadamente por motivos profissionais, de educação e formação ou turísticos, neles exarados.

Artigo 1096.º

Renovação automática

1 — Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

2 — Salvo estipulação em contrário, não há lugar a renovação automática nos contratos previstos n.º 3 do artigo anterior.

3 — Qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 1097.º

Oposição à renovação deduzida pelo senhorio

1 — O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

2 — A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

3 — A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4 — Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º

Artigo 1098.º

Oposição à renovação ou denúncia pelo arrendatário

1 — O arrendatário pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:

a) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;

b) 90 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;

c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;

d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.

2 — A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

3 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, decorrido um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:

a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for igual ou superior a um ano;

b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se o prazo deste for inferior a um ano.

4 — Quando o senhorio impedir a renovação automática do contrato, nos termos do artigo anterior, o arrendatário pode denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação ao senhorio com uma antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido do contrato.

5 — A denúncia do contrato, nos termos dos n.os 3 e 4, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação.

6 — A inobservância da antecedência prevista nos números anteriores não obsta à cessação do contrato, mas obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta, exceto se resultar de desemprego involuntário, incapacidade permanente para o trabalho ou morte do arrendatário ou de pessoa que com este viva em economia comum há mais de um ano.

SUBDIVISÃO II — Contrato de duração indeterminada
Artigo 1099.º

Princípio geral

O contrato de duração indeterminada cessa por denúncia de uma das partes, nos termos dos artigos seguintes.

Artigo 1100.º

Denúncia pelo arrendatário

1 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, após seis meses de duração efetiva do contrato, o arrendatário pode denunciá-lo, independentemente de qualquer justificação, mediante comunicação ao senhorio com a antecedência mínima seguinte:

a) 120 dias do termo pretendido do contrato, se, à data da comunicação, este tiver um ano ou mais de duração efetiva;

b) 60 dias do termo pretendido do contrato, se, à data da comunicação, este tiver até um ano de duração efetiva.

2 — Quando o senhorio denunciar o contrato nos termos da alínea c) do artigo seguinte, o arrendatário pode denunciá-lo, independentemente de qualquer justificação, mediante comunicação ao senhorio com antecedência não inferior a 30 dias do termo pretendido do contrato.

3 — A denúncia do contrato, nos termos dos números anteriores, produz efeitos no final de um mês do calendário gregoriano, a contar da comunicação.

4 — À denúncia pelo arrendatário é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 6 do artigo 1098.º

Artigo 1101.º

Denúncia pelo senhorio

O senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada nos casos seguintes:

a) Necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau;

b) Para demolição ou realização de obras de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado, desde que não resulte local com características equivalentes às do locado, onde seja possível a manutenção do arrendamento;

c) Mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a cinco anos sobre a data em que pretenda a cessação.

Artigo 1102.º

Denúncia para habitação

1 — O direito de denúncia para habitação do senhorio depende do pagamento do montante equivalente a um ano de renda e da verificação dos seguintes requisitos:

a) Ser o senhorio proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio há mais de dois anos ou, independentemente deste prazo, se o tiver adquirido por sucessão;

b) Não ter o senhorio, há mais de um ano, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País, casa própria que satisfaça as necessidades de habitação própria ou dos seus descendentes em 1.º grau.

2 — (Revogado.)

3 — O direito de denúncia para habitação do descendente está sujeito à verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 relativamente ao senhorio e do da alínea b) do mesmo número para o descendente.

Artigo 1103.º

Denúncia justificada

1 — A denúncia pelo senhorio com qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 1101.º é feita mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a seis meses sobre a data pretendida para a desocupação e da qual conste de forma expressa, sob pena de ineficácia, o fundamento da denúncia.

2 — Quando a denúncia tiver o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º, a comunicação referida no número anterior é acompanhada, sob pena de ineficácia da denúncia, dos seguintes documentos:

a) Comprovativo de que foi iniciado, junto da entidade competente, procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efetuar no locado; e

b) Termo de responsabilidade do técnico autor do projeto legalmente habilitado que ateste que a operação urbanística reúne os pressupostos legais de uma obra de demolição ou de uma obra de remodelação ou restauro profundos e as razões que obrigam à desocupação do locado.

3 — A denúncia a que se refere o número anterior é confirmada, sob pena de ineficácia, mediante comunicação ao arrendatário, acompanhada dos seguintes documentos:

a) Alvará de licença de obras ou título da comunicação prévia;

b) Documento emitido pela câmara municipal, que ateste que a operação urbanística constitui, nos termos da lei, uma obra de demolição ou uma obra de remodelação ou restauro profundos para efeitos de aplicação do disposto na alínea b) do artigo 1101.º, quando tal não resulte do documento referido na alínea anterior.

4 — Na situação prevista no número anterior, a desocupação tem lugar no prazo de 60 dias contados da receção da confirmação, salvo se não se encontrar decorrido o prazo previsto no n.º 1, caso em que a desocupação tem lugar até ao termo do último dos prazos.

5 — O senhorio que haja invocado o fundamento referido na alínea a) do artigo 1101.º deve dar ao local a utilização invocada no prazo de três meses e por um período mínimo de dois anos.

6 — A invocação do disposto na alínea b) do artigo 1101.º obriga o senhorio, mediante acordo e em alternativa:

a) Ao pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos da renda, de valor não inferior a duas vezes o montante de 1/15 do valor patrimonial tributário do locado;

b) A garantir o realojamento do arrendatário por período não inferior a três anos.

7 — Caso as partes não cheguem a acordo no prazo de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no n.º 1, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.

8 — Metade da indemnização deve ser paga após a confirmação da denúncia e o restante no ato da entrega do locado, sob pena de ineficácia.

9 — Salvo motivo não imputável ao senhorio, o não cumprimento do disposto no n.º 5, ou o não início da obra prevista na alínea b) do artigo 1101.º, no prazo de seis meses contados da desocupação do locado, obriga o senhorio ao pagamento de uma indemnização correspondente a 10 anos de renda.

10 — Da denúncia pelo senhorio não pode resultar uma duração total do contrato inferior a dois anos.

11 — A denúncia prevista na alínea b) do artigo 1101.º é objeto de legislação especial, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.

Artigo 1104.º

Confirmação da denúncia

No caso previsto na alínea c) do artigo 1101.º, a denúncia deve ser confirmada, sob pena de ineficácia, por comunicação com a antecedência máxima de 15 meses e mínima de um ano relativamente à data da sua efetivação.

DIVISÃO III — Transmissão
Artigo 1105.º

Comunicabilidade e transmissão em vida para o cônjuge

1 — Incidindo o arrendamento sobre casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles.

2 — Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros fatores relevantes.

3 — A transferência ou a concentração acordadas e homologadas pelo juiz ou pelo conservador do registo civil ou a decisão judicial a elas relativa são notificadas oficiosamente ao senhorio.

Artigo 1106.º

Transmissão por morte

1 — O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva:

a) Cônjuge com residência no locado;

b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de um ano;

c) Pessoa que com ele vivesse em economia comum há mais de um ano.

2 — (Revogado.)

3 — Havendo várias pessoas com direito à transmissão, a posição do arrendatário transmite-se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o cônjuge sobrevivo ou pessoa que com o falecido vivesse em união de facto, para o parente ou afim mais próximo ou, de entre estes, para o mais velho ou para a mais velha de entre as restantes pessoas que com ele residissem em economia comum.

4 — O direito à transmissão previsto nos números anteriores não se verifica se, à data da morte do arrendatário, o titular desse direito tiver outra casa, própria ou arrendada, na área dos concelhos de Lisboa ou do Porto e seus limítrofes ou no respetivo concelho quanto ao resto do País.

5 — A morte do arrendatário nos seis meses anteriores à data da cessação do contrato dá ao transmissário o direito de permanecer no local por período não inferior a seis meses a contar do decesso.

Artigo 1107.º

Comunicação

1 — Por morte do arrendatário, a transmissão do arrendamento, ou a sua concentração no cônjuge sobrevivo, deve ser comunicada ao senhorio, com cópia dos documentos comprovativos e no prazo de três meses a contar da ocorrência.

2 — A inobservância do disposto no número anterior obriga o transmissário faltoso a indemnizar por todos os danos derivados da omissão.

SUBSECÇÃO VIII — Disposições especiais do arrendamento para fins não habitacionais

Artigo 1108.º

Âmbito

As regras da presente subsecção aplicam-se aos arrendamentos urbanos para fins não habitacionais, bem como, com as necessárias adaptações e em conjunto com o regime geral da locação civil, aos arrendamentos rústicos não sujeitos a regimes especiais.

Artigo 1109.º

Locação de estabelecimento

1 — A transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado, rege-se pelas regras da presente subsecção, com as necessárias adaptações.

2 — A transferência temporária e onerosa de estabelecimento instalado em local arrendado não carece de autorização do senhorio mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês.

Artigo 1110.º

Duração, denúncia ou oposição à renovação

1 — As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.

2 — Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

3 — Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º

4 — Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.

Artigo 1110.º-A

Disposições especiais relativas à denúncia

e oposição da renovação pelo senhorio

1 — Nos contratos de arrendamento não habitacional, o senhorio apenas pode denunciar o contrato nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º

2 — A denúncia prevista no número anterior obriga o senhorio a indemnizar separadamente o arrendatário e os trabalhadores do estabelecimento pelos prejuízos que, comprovadamente, resultem da cessação do contrato de arrendamento, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 — No que respeita ao arrendatário, a indemnização prevista no número anterior não tem lugar se o arrendamento tiver sido objeto de trespasse nos três anos anteriores.

4 — No caso da alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, ao valor da indemnização devida ao arrendatário nos termos do n.º 2 é deduzido o valor da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 6.º do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, na sua redação atual.

Artigo 1111.º

Obras

1 — As regras relativas à responsabilidade pela realização das obras de conservação ordinária ou extraordinária, requeridas por lei ou pelo fim do contrato, são livremente estabelecidas pelas partes.

2 — Se as partes nada convencionarem, cabe ao senhorio executar as obras de conservação, considerando-se o arrendatário autorizado a realizar as obras exigidas por lei ou requeridas pelo fim do contrato.

Artigo 1112.º

Transmissão da posição do arrendatário

1 — É permitida a transmissão por ato entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio:

a) No caso de trespasse de estabelecimento comercial ou industrial;

b) A pessoa que no prédio arrendado continue a exercer a mesma profissão liberal ou a sociedade profissional de objeto equivalente.

2 — Não há trespasse:

a) Quando a transmissão não seja acompanhada de transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento;

b) Quando a transmissão vise o exercício, no prédio, de outro ramo de comércio ou indústria ou, de um modo geral, a sua afetação a outro destino.

3 — A transmissão deve ser celebrada por escrito e comunicada ao senhorio.

4 — O senhorio tem direito de preferência no trespasse por venda ou dação em cumprimento, salvo convenção em contrário.

5 — Quando, após a transmissão, seja dado outro destino ao prédio, ou o transmissário não continue o exercício da mesma profissão liberal, o senhorio pode resolver o contrato.

Artigo 1113.º

Morte do arrendatário

1 — O arrendamento não caduca por morte do arrendatário, mas os sucessores podem renunciar à transmissão, comunicando a renúncia ao senhorio no prazo de três meses, com cópia dos documentos comprovativos da ocorrência.

2 — É aplicável o disposto no artigo 1107.º, com as necessárias adaptações.

ARTIGO 1114.º
revogado
ARTIGO 1115.º
revogado
ARTIGO 1116.º
revogado
ARTIGO 1117.º
revogado
ARTIGO 1118.º
revogado
ARTIGO 1119.º
revogado
ARTIGO 1120.º
revogado

CAPÍTULO V — Parceria pecuária

ARTIGO 1121.º

(Noção)

Parceria pecuária é o contrato pelo qual uma ou mais pessoas entregam a outra ou outras um animal ou certo número deles, para estas os criarem, pensarem e vigiarem, com o ajuste de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção.

ARTIGO 1122.º

(Prazo)

1. Na falta de convenção quanto a prazo, atender-se-á aos usos da terra; na falta de usos, qualquer dos contraentes pode, a todo o tempo, fazer caducar a parceria.

2. A existência de prazo não impede que o contraente resolva o contrato, se a outra parte não cumprir as suas obrigações.

ARTIGO 1123.º

(Caducidade)

A parceria caduca pela morte do parceiro pensador ou pela perda dos animais, e também quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado, ou quando se verifique a condição resolutiva a que as partes o subordinaram.

ARTIGO 1124.º

(Obrigações do parceiro pensador)

O parceiro pensador é obrigado a empregar na guarda e tratamento dos animais o cuidado de um pensador diligente.

ARTIGO 1125.º

(Utilização dos animais)

1. O parceiro proprietário é obrigado a assegurar a utilização dos animais ao parceiro pensador.

2. O parceiro pensador que for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles pode usar, mesmo contra o parceiro proprietário, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes.

ARTIGO 1126.º

(Risco)

1. Se os animais perecerem, se inutilizarem ou diminuírem de valor, por facto não imputável ao parceiro pensador, o risco corre por conta do proprietário.

2. Se, porém, algum proveito se puder tirar dos animais que pereceram ou se inutilizaram, pertence o benefício ao proprietário até ao valor deles no momento da entrega.

3. As regras dos números anteriores são imperativas.

ARTIGO 1127.º

(Tosquia de gado lanígero)

O parceiro pensador de gado lanígero não pode fazer a tosquia sem que previna o parceiro proprietário; se o não prevenir, pagará em dobro o valor da parte que deveria pertencer ao proprietário.

ARTIGO 1128.º

(Regime subsidiário)

Em tudo o que não estiver estabelecido nos artigos precedentes devem ser observados, na falta de convenção, os usos da terra.

CAPÍTULO VI — Comodato

ARTIGO 1129.º (Noção)

Comodato é o contrato gratúito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.

ARTIGO 1130.º

(Comodato fundado num direito temporário)

1. Se o comodante emprestar a coisa com base num direito de, duração limitada, não pode o contrato ser celebrado por tempo superior; e, quando o seja, reduzir-se-á ao limite de duração desse direito.

2. É aplicável ao comodato constituído pelo usufrutuário o disposto nas alínas a) e b) do artigo 1052.º

ARTIGO 1131.º

(Fim do contrato)

Se do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o fim a que a coisa emprestada se destina, é permitido ao comodatário aplicada a quaisquer fins lícitos, dentro da função normal das coisas de igual natureza.

ARTIGO 1132.º

(Frutos da coisa)

Só por força de convenção expressa o comodatário pode fazer seus os frutos colhidos.

ARTIGO 1133.º

(Actos que impedem ou diminuem o uso da coisa)

1. O comodante deve abster-se de actos que impeçam ou restrinjam o uso da coisa pelo comodatário, mas não é obrigado a assegurar-lhe esse uso.

2. Se este for privado dos seus direitos ou perturbado no exercício deles, pode usar, mesmo contra o comodante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes.

ARTIGO 1134.º

(Responsabilidade do comodante)

O comodante não responde pelos vícios ou limitações do direito nem pelos vícios da coisa, excepto quando se tiver expressamente responsabilizado ou tiver procedido com dolo.

ARTIGO 1135.º

(Obrigações do comodatário)

São obrigações do comodatário:

a) Guardar e conservar a coisa emprestada;

b) Facultar ao comodante o exame dela;

c) Não a aplicar a fim diverso daquele a que a coisa se destina;

d) Não fazer dela uma utilização imprudente;

e) Tolerar quaisquer benfeitorias que o comodante queira realizar na coisa;

f) Não proporcionar a terceiro o uso da coisa, excepto se o comodante o autorizar;

g) Avisar imediatamente o comodante, sempre que tenha conhecimento de vícios na coisa ou saiba que a ameaça algum perigo ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja ignorado do comodante;

h) Restituir a coisa findo o contrato.

ARTIGO 1136.º

(Perda ou deterioração da coisa)

1. Quando a coisa emprestada perecer ou se deteriorar casualmente, o comodatário é responsável, se estava no seu poder tê-lo evitado, ainda que mediante o sacrifício de coisa própria de valor não superior.

2. Quando, porém, o comodatário a tiver aplicado a fim diverso daquele a que a coisa se destina, ou tiver consentido que terceiro a use sem para isso estar autorizado, será responsável pela perda ou deterioração, salvo provando que ela teria igualmente ocorrido sem a sua conduta ilegal.

3. Sendo avaliada a coisa ao tempo do contrato, presume-se que a responsabilidade ficou a cargo do comodatário, embora este não pudesse evitar o prejuízo pelo sacrifício de coisa própria.

ARTIGO 1137.º

(Restituição)

1. Se os contraentes não convencionaram prazo certo para a restituição da coisa, mas esta foi emprestada para uso determinado, o comodatário deve restituí-la ao comodante logo que o uso finde, independentemente de interpelação.

2. Se não foi convencionado prazo para a restituição nem determinado o uso da coisa, o comodatário é obrigado a restituída logo que lhe seja exigida.

3. É aplicável à manutenção e restituição da coisa emprestada o disposto no artigo 1043.º

ARTIGO 1138.º

(Benfeitorias)

1. O comodatário é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé.

2. Tratando-se de empréstimo de animais, as despesas de alimentação destes correm, salvo estipulação em contrário, por conta do comodatário.

ARTIGO 1139.º

(Solidariedade dos comodatários)

Sendo dois ou mais os comodatários, são solidárias as suas obrigações.

ARTIGO 1140.º

(Resolução)

Não obstante a existência de prazo, o comodante pode resolver o contrato, se para isso tiver justa causa.

ARTIGO 1141.º

(Caducidade)

O contrato caduca pela morte do comodatário.

CAPÍTULO VII — Mútuo

ARTIGO 1142.º

(Noção)

Mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.

ARTIGO 1143.º

(Forma)

Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de mútuo de valor superior a € 25 000 só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado e o de valor superior a € 2500 se o for por documento assinado pelo mutuário.

ARTIGO 1144.º

(Propriedade das coisas mutuadas)

As coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega.

ARTIGO 1145.º

(Gratuidade ou onerosidade do mútuo)

1. As partes podem convencionar o pagamento de juros como retribuição do mútuo; este presume-se oneroso em caso de dúvida.

2. Ainda que o mútuo não verse sobre dinheiro, observar-se-á, relativamente a juros, o disposto no artigo 559.º e, havendo mora do mutuário, o disposto no artigo 806.º

ARTIGO 1146.º

(Usura)

1 — É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3 % ou 5 %, conforme exista ou não garantia real.

2 — É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7 % ou 9 % acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real.

3 — Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.

4 — O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282.º a 284.º

ARTIGO 1147.º

(Prazo no mútuo oneroso)

No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro.

ARTIGO 1148.º

(Falta de fixação de prazo)

1. Na falta de estipulação de prazo, a obrigação do mutuário, tratando-se de mútuo gratuito, só se vence trinta dias após a exigência do seu cumprimento.

2. Se o mútuo for oneroso e não se tiver fixado prazo, qualquer das partes pode pôr termo ao contrato, desde que o denuncie com uma antecipação mínima de trinta dias.

3. Tratando-se, porém, de empréstimo, gratuito ou oneroso, de cereais ou outros produtos rurais a favor de lavrador, presume-se feito até à colheita seguinte dos produtos semelhantes.

4. A doutrina do número anterior é aplicável aos mutuários que, não sendo lavradores, recolhem pelo arrendamento de terras próprias frutos semelhantes aos que receberam de empréstimo.

ARTIGO 1149.º

(Impossibilidade de restituição)

Se o mútuo recair em coisa que não seja dinheiro e a restituição se tornar impossível ou extremamente difícil por causa não imputável ao mutuário, pagará este o valor que a coisa tiver no momento e lugar do vencimento da obrigação.

ARTIGO 1150.º

(Resolução do contrato)

O mutuante pode resolver o contrato, se o mutuário não pagar os juros no seu vencimento.

ARTIGO 1151.º

(Responsabilidade do mutuante)

É aplicável à responsabilidade, do mutuante, no mútuo gratuito, o disposto no artigo 1134.º

CAPÍTULO VIII — Contrato de trabalho

ARTIGO 1152.º

(Noção)

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

ARTIGO 1153.º

(Regime)

O contrato de trabalho está sujeito a legislação especial.

CAPÍTULO IX — Prestação de serviço

ARTIGO 1154.º

(Noção)

Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

ARTIGO 1155.º

(Modalidades do contrato)

O mandato, o depósito e a empreitada, regulados nos capítulos subsequentes, são modalidades do contrato de prestação de serviço.

ARTIGO 1156.º

(Regime)

As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.

CAPÍTULO X — Mandato

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1157.º

(Noção)

Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.

ARTIGO 1158.º

(Gratuidade ou onerosidade do mandato)

1. O mandato presume-se gratuito, excepto se tiver por objecto actos que o mandatário pratique por profissão; neste caso, presume-se oneroso.

2. Se o mandato for oneroso, a medida da retribuição, não havendo ajuste entre as partes, é determinada pelas tarifas profissionais; na falta destas, pelos usos; e, na falta de umas e outros, por juízos de equidade.

ARTIGO 1159.º

(Extensão do mandato)

1. O mandato geral só compreende os actos de administração ordinária.

2. O mandato especial abrange, além dos actos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução.

ARTIGO 1160.º

(Pluralidade de mandatos)

Se alguém incumbir duas ou mais pessoas da prática dos mesmos actos jurídicos, haverá tantos mandatos quantas as pessoas designadas, salvo se o mandante declarar que devem agir conjuntamente.

SECÇÃO II — Direitos e obrigações do mandatário

ARTIGO 1161.º

(Obrigações do mandatário)

O mandatário é obrigado:

a) A praticar os actos compreendidos no mandato, se gundo as instruções do mandante;

b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão;

c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão por que assim procedeu:

d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir;

e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.

ARTIGO 1162.º

(Inexecução do mandato ou a inobservância das instruções)

O mandatário pode deixar de executar o mandato ou afastar-se das instruções recebidas, quando seja razoável supor que o mandante aprovaria a sua conduta, se conhecesse certas circunstâncias que não foi possível comunicar-lhe em tempo útil.

ARTIGO 1163.º

(Aprovação tácita da execução ou inexecução do mandato)

Comunicada a execução ou inexecução do mandato, o silêncio do mandante por tempo superior àquele em que teria de pronunciar-se, segundo os usos ou, na falta destes, de acordo com a natureza do assunto, vale como aprovação da conduta do mandatário, ainda que este haja excedido os limites do mandato ou desrespeitado as instruções do mandante, salvo acordo em contrário.

ARTIGO 1164.º

(Juros devidos pelo mandatário)

O mandatário deve pagar ao mandante os juros legais correspondentes às quantias que recebeu dele ou por conta dele, a partir do momento em que devia entregar-lhas, ou remeter-lhas, ou aplicá-las segundo as suas instruções.

ARTIGO 1165.º

(Substituto e auxiliares do mandatário)

O mandatário pode, na execução do mandato, fazer-se substituir por outrem ou servir-se de auxiliares, nos mesmos termos em que o procurador o pode fazer.

ARTIGO 1166.º

(Pluralidade de mandatários)

Havendo dois ou mais mandatários com o dever de agirem conjuntamente, responderá cada um deles pelos seus actos, se outro regime não tiver sido convencionado.

SECÇÃO III — Obrigações do mandante

ARTIGO 1167.º

(Enumeração)

O mandante é obrigado:

a) A fornecer ao mandatário os meios necessários à execução do mandato, se outra coisa não foi convencionada;

b) A pagar-lhe a retribuição que ao caso competir, e fazer-lhe provisão por conta dela segundo os usos;

c) A reembolsar o mandatário das despesas feitas que este fundadamente tenha considerado indispensáveis, com juros legais desde que foram efectuadas.

d) A indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do mandato, ainda que o mandante tenha procedido sem culpa.

ARTIGO 1168.º

(Suspensão da execução do mandato)

O mandatário pode abster-se da execução do mandato enquanto o mandante estiver em mora quanto à obrigação expressa na alínea a) do artigo anterior.

ARTIGO 1169.º

(Pluralidade de mandantes)

Sendo dois ou mais os mandantes, as suas obrigações para com o mandatário são solidárias, se o mandato tiver sido conferido para assunto de interesse comum.

SECÇÃO IV — Revogação e caducidade do mandato

SUBSECÇÃO I — Revogação

ARTIGO 1170.º

(Revogabilidade do mandato)

1. O mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação.

2. Se, porém, o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro, não pode ser revogado pelo mandante sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.

ARTIGO 1171.º

(Revogação tácita)

A designação de outra pessoa, por parte do mandante, para a prática dos mesmos actos implica revogação do mandato, mas só produz este efeito depois de ser conhecida pelo mandatário.

ARTIGO 1172.º

(Obrigação de indemnização)

A parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta, sofrer:

a) Se assim tiver sido convencionado;

b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;

c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre mandato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto, ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;

d) Se a revogação proceder do mandatário e não tiver sido realizada com a antecedência conveniente.

ARTIGO 1173.º

(Mandato colectivo)

Sendo o mandato conferido por várias pessoas e para assunto de interesse comum, a revogação só produz efeito se for realizada por todos os mandantes.

SUBSECÇÃO II — Caducidade

ARTIGO 1174.º

(Casos de caducidade)

O mandato caduca:

a) Por morte do mandante ou do mandatário;

b) Por sentença de acompanhamento do mandante ou do mandatário, quando essa sentença, relativamente aos atos abrangidos pelo mandato, atribua poderes de representação ao acompanhante ou determine a necessidade de autorização prévia.

ARTIGO 1175.º

Morte ou acompanhamento do mandante

1 — A morte do mandante ou a sentença de acompanhamento a ele relativa não faz caducar o mandato quando este tenha sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro.

2 — Nos outros casos, só o faz caducar a partir do momento em que sejam conhecidas do mandatário, ou quando da caducidade não possam resultar prejuízos para o mandante ou seus herdeiros.

ARTIGO 1176.º

Morte, acompanhamento ou incapacidade

natural do mandatário

1 — Caducando o mandato por morte ou por sentença de acompanhamento do mandatário, os seus herdeiros ou o seu acompanhante devem prevenir o mandante e tomar as providências adequadas, até que ele próprio esteja em condições de as tomar.

2 — Idêntica obrigação recai sobre as pessoas que convivam com o mandatário, no caso de incapacidade natural deste.

ARTIGO 1177.º

(Pluralidade de mandatários)

Se houver vários mandatários com obrigação de agir conjuntamente, o mandato caduca em relação a todos, embora a causa de caducidade respeite apenas a um deles, salvo convenção em contrário.

SECÇÃO V — Mandato com representação

ARTIGO 1178.º

(Mandatário com poderes de representação)

1. Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes.

2. O mandatário a quem hajam s:do conferidos poderes de representação tem o dever do agir não só por conta, mas em nome do mandante, a não ser que outra coisa tenha sido estipulada.

ARTIGO 1179.º

(Revogação ou renúncia da procuração)

A revogação e a renúncia da procuração implicam revogação do mandato.

SECÇÃO VI — Mandato sem representação

ARTIGO 1180.º

(Mandatário que age em nome próprio)

O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos actos ou sejam destinatários destes.

ARTIGO 1181.º

(Direitos adquiridos em execução do mandato)

1. O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.

2. Relativamente aos créditos, o mandante pode substituir-se ao mandatário no exercício dos respectivos direitos.

ARTIGO 1182.º

(Obrigações contraídas em execução do mandato)

O mandante deve assumir, por qualquer das formas indicadas no n.º 1 do artigo 595.º, as obrigações contraídas pelo mandatário em execução do mandato; se não puder fazê-lo, deve entregar ao mandatário os meios necessários para as cumprir ou reembolsá-lo do que este houver despendido nesse cumprimento.

ARTIGO 1183.º

(Responsabilidade do mandatário)

Salvo estipulação em contrário, o mandatário não é responsável pela falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas pessoas com quem haja contratado, a não ser que no momento da celebração do contrato conhecesse ou devesse conhecer a insolvência delas.

ARTIGO 1184.º

(Responsabilidade dos bens adquiridos pelo mandatário)

Os bens que o mandatário haja adquirido em execução do mandato e devam ser transferidos para o mandante nos termos do n.º 1 do artigo 1181.º não respondem pelas obrigações daquele, desde que o mandato conste de documento anterior à data da penhora desses bens e não tenha sido feito o registo da aquisição, quando esta esteja sujeita a registo.

CAPÍTULO XI — Depósito

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1185.º

(Noção)

Depósito é o contrato pelo qual uma das partes entrega à outra uma coisa, móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.

ARTIGO 1186.º

(Gratuidade ou onerosidade do depósito)

É aplicável ao depósito o disposto no artigo 1158.º

SECÇÃO II — Direitos e obrigações do depositário

ARTIGO 1187.º

(Obrigações do depositário)

O depositário é obrigado:

a) A guardar a coisa depositada;

b) A avisar imediatamente o depositante, quando saiba que algum perigo ameaça a coisa ou que terceiro se arroga direitos em relação a ela, desde que o facto seja desconhecido do depositante;

c) A restituir a coisa com os seus frutos.

ARTIGO 1188.º

(Turbação da detenção ou esbulho da coisa)

1. Se o depositário for privada da detenção da coisa por causa que lhe não seja imputável, fica exonerado das obrigações de guarda e restituição, mas deve dar conhecimento imediato da privação ao depositante.

2. Independentemente da obrigação imposta no número anterior, o depositário que for privado da detenção da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos pode usar, mesmo contra o depositante, dos meios facultados ao possuidor nos artigos 1276.º e seguintes.

ARTIGO 1189.º

(Uso da coisa e subdepósito)

O depositário não tem o direito de usar a coisa depositada nem de a dar em depósito a outrem, se o depositante o não tiver autorizado.

ARTIGO 1190.º

(Guarda da coisa)

O depositário pode guardar a coisa de modo diverso do convencionado, quando haja razões para supor que o depositante aprovaria a alteração, se conhecesse as circunstâncias que a fundamentam; mas deve participar-lhe a mudança logo que a comunicação seja possível.

ARTIGO 1191.º

(Depósito cerrado)

1. Se o depósito recair sobre coisa encerrada nalgum invólucro ou recipiente, deve o depositário guardá-la e restituí-la no mesmo estado, sem a devassar.

2. No caso de o invólucro ou recipiente ser violado, presume-se que na violação houve culpa do depositário; e, se este não ilidir a presunção, presumir-se-á verdadeira a descrição feita pelo depositante.

ARTIGO 1192.º

(Restituição da coisa)

1. O depositário não pode recusar a restituição ao depositante com o fundamento de que este não é proprietário da coisa nem tem sobre ela outro direito.

2. Se, porém, for proposta por terceiro acção de reivindicação contra o depositário, este, enquanto não for julgada definitivamente a acção, só pode liberar-se da obrigação de restituir consignando em depósito a coisa.

3. Se chegar ao conhecimento do depositário que a coisa provém de crime, deve participar imediatamente o depósito à pessoa a quem foi subtraída ou, não sabendo quem é, ao Ministério Público; e só poderá restituir a coisa ao depositante se dentro de quinze dias, contados da participação, ela não lhe for reclamada por quem de direito.

ARTIGO 1193.º

(Terceiro interessado no depósito)

Se a coisa foi depositada também no interesse de terceiro e este comunicou ao depositário a sua adesão, o depositário não pode exonerar-se restituindo a coisa ao depositante sem consentimento do terceiro.

ARTIGO 1194.º

(Prazo de restituição)

O prazo de restituição da coisa tem-se por estabelecido a favor do depositante; mas, sendo o depósito oneroso, o depositante satisfará por inteiro a retribuição do depositário, mesmo quando exija a restituição da coisa antes de findar o prazo estipulado, salvo se para isso tiver justa causa.

ARTIGO 1195.º

(Lugar de restituição)

No silêncio das partes, o depositário deve restituir a coisa móvel no lugar onde, segundo o contrato, tiver de a guardar.

ARTIGO 1196.º

(Despesas da restituição)

As despesas da restituição ficam a cargo do depositante.

ARTIGO 1197.º

(Responsabilidade no caso de subdepósito)

Se o depositário, devidamente autorizado, confiar por sua vez a coisa em depósito a terceiro, é responsável por culpa sua na escolha dessa pessoa.

ARTIGO 1198.º

(Auxiliares)

O depositário pode socorrer-se de auxiliares no cumprimento das suas obrigações, sempre que, o contrário não resulte do conteúdo ou finalidade do depósito.

SECÇÃO III — Obrigações do depositante

ARTIGO 1199.º

(Enumeração)

O depositante é obrigado:

a) A pagar ao depositário a retribuição devida;

b) A reembolsá-lo das despesas que ele fundadamente tenha considerado indispensáveis para a conservação da coisa, com juros legais desde que foram efectuadas;

c) A indemnizá-lo do prejuízo sofrido em consequência do depósito, salvo se o depositante houver procedido sem culpa.

ARTIGO 1200.º

(Remuneração do depositário)

1. A remuneração do depositário, quando outra coisa se não tenha convencionado, deve ser paga no termo do depósito; mas, se for fixada por períodos de tempo, pagar-se-á no fim de cada um deles.

2. Findando o depósito antes do prazo convencionado, pode o depositário exigir urna parte proporcional ao tempo decorrido, sem prejuízo do preceituado no artigo 1194.º

ARTIGO 1201.º

(Restituição da coisa)

Não tendo sido convencionado prazo para a restituição da coisa, o depositário tem o direito de a restituir a todo o tempo; se, porém, tiver sido convencionado prazo, só havendo justa causa o pode fazer antes de o prazo findar.

SECÇÃO IV — Depósito de coisa controvertida

ARTIGO 1202.º

(Noção)

Se duas ou mais pessoas disputam a propriedade de uma coisa ou outro direito sobre ela, podem por meio de depósito entregá-la a terceiro, para que este a guarde e, resolvida a controvérsia, a restitua à pessoa a quem se apurar que pertence.

ARTIGO 1203.º

(Onerosidade do depósito)

O depósito de coisa controvertida presume-se oneroso.

ARTIGO 1204.º

(Administração da coisa)

Salvo convenção em contrário, cabe ao depositário a obrigação de administrar a coisa.

SECÇÃO V — Depósito irregular

ARTIGO 1205.º

(Noção)

Diz-se irregular o depósito que tem por abjecto coisas fungíveis.

ARTIGO 1206.º

(Regime)

Consideram-se aplicáveis ao depósito irregular, na medda do possível, as normas relativas ao contrato de mútuo.

CAPÍTULO XII — Empreitada

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1207.º

(Noção)

Empreitada é o contrato pelo qual urna das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

ARTIGO 1208.º

(Execução da obra)

O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

ARTIGO 1209.º

(Fiscalização)

1. O dono da obra pode fiscalizar, à sua custa, a execução dela, desde que não perturbe o andamento ordinário da empreitada.

2. A fiscalização feita pelo dono da obra, ou por comissário, não impede aquele, findo o contrato, de fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro, embora sejam aparentes os vícios da coisa ou notória a má execução do contrato, excepto se tiver havido da sua parte concordância expressa com a obra executada.

ARTIGO 1210.º

(Fornecimento dos materiais e utensílios)

1. Os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário.

2. No silêncio do contrato, os materiais devem corresponder às características da obra e não podem ser de qualidade inferior à média.

ARTIGO 1211.º

(Determinação e pagamento do preço)

1. É aplicável à determinação do preço, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 883.º

2. O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.

ARTIGO 1212.º

(Propriedade da obra)

1. No caso de empreitada de construção de coisa móvel com materiais fornecidos, no todo ou na sua maior parte, pelo empreiteiro, a aceitação da coisa importa a transferência da propriedade para o dono da obra; se os materiais foram fornecidos por este, continuam a ser propriedade dele, assim como é propriedade sua a coisa logo que seja concluída.

2. No caso de empreitada de construção de imóveis, sendo o solo ou a superfície pertença do dono da obra, a coisa é propriedade deste, ainda que seja o empreiteiro quem fornece os materiais; estes consideram-se adquiridos pelo dono da obra à medida que vão sendo incorporados no solo.

ARTIGO 1213.º

(Subempreitada)

1. Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela.

2. É aplicável à subempreitada, assim como ao concurso de auxiliares na execução da empreitada, o disposto no artigo 264.º, com as necessárias adaptações.

SECÇÃO II — Alterações e obras novas

ARTIGO 1214.º

(Alterações da iniciativa do empreiteiro)

1. O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.

2. A obra alterada sem autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa.

3. Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento de preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra urna indemnização correspondente ao enriquecimento deste.

ARTIGO 1215.º

(Alterações necessárias)

1. Se, para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução.

2. Se, em consequência das alterações, o preço for elevado em mais de vinte por cento, o empreiteiro pode denunciar o contrato e exigir uma indemnização equitativa.

ARTIGO 1216.º

(Alterações exigidas pelo dono da obra)

1. O dono da obra pode exigir que sejam feitas alterações ao plano convencionado, desde que o seu valor não exceda a quinta parte do preço estipulado e não haja modificação da natureza da obra.

2. O empreiteiro tem direito a um aumento do preço estipulado, correspondente ao acréscimo de despesa e trabalho, e a um prolongamento do prazo para a execução da obra.

3. Se das alterações introduzidas resultar uma diminuição de custo ou de trabalho, o empreiteiro tem direito ao preço estipulado, com dedução do que, em consequência das alterações, poupar em despesas ou adquirir por outras aplicações da sua actividade.

ARTIGO 1217.º

(Alterações posteriores à entrega e obras novas)

1. Não é aplicável o disposto nos artigos precedentes às alterações feitas depois da entrega da obra, nem às obras que tenham autonomia em relação às previstas no contrato.

2. O dono da obra tem o direito de recusar as alterações e as obras referidas no número anterior, se as não tiver autorizado; pode, além disso, exigir a sua eliminação, se esta for possível, e, em qualquer caso, uma indemnização pelo prejuízo, nos termos gerais.

SECÇÃO III — Defeitos da obra

ARTIGO 1218.º

(Verificação da obra)

1. O dono da obra deve verificar, antes de a aceitar, se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios.

2. A verificação deve ser feita dentro do prazo usual ou, na falta de uso, dentro do período que se julgue razoável depois de o empreiteiro colocar o dono da obra em condições de a poder fazer.

3. Qualquer das partes tem o direito de exigir que a verificação seja feita, à sua custa, por peritos.

4. Os resultados da verificação devem ser comunicados ao empreiteiro.

5. A falta da verificação ou da comunicação importa aceitação da obra.

ARTIGO 1219.º

(Casos de irresponsabilidade do empreiteiro)

1. O empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles.

2. Presumem-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.

ARTIGO 1220.º

(Denúncia dos defeitos)

1. O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento.

2. Equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito.

ARTIGO 1221.º

(Eliminação dos defeitos)

1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.

2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito.

ARTIGO 1222.º

(Redução do preço e resolução do contrato)

1. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.

2. A redução do preço é feita nos termos do artigo 884.º

ARTIGO 1223.º

(Indemnização)

O exercício dos direitos conferidos nos artigos antecedentes não exclui o direito a ser indemnizado nos termos gerais.

ARTIGO 1224.º

(Caducidade)

1. Os direitos de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização caducam, se não forem exercidos dentro de um ano a contar da recusa da aceitação da obra ou da aceitação com reserva, sem prejuízo da caducidade prevista no artigo 1220.º

2. Se os defeitos eram desconhecidos do dono da obra e este a aceitou, o prazo de caducidade conta-se a partir da denúncia; em nenhum caso, porém, aqueles direitos podem ser exercidos depois de decorrerem dois anos sobre a entrega da obra.

ARTIGO 1225.º

(Imóveis destinados a longa duração)

1 — Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.

2 — A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.

3 — Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º

4 — O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

ARTIGO 1226.º

(Responsabilidade dos subempreiteiros)

O direito de regresso do empreiteiro contra os subempreiteiros quanto aos direitos conferidos nos artigos anteriores caduca, se não lhes for comunicada a denúncia dentro dos trinta dias seguintes à sua recepção.

SECÇÃO IV — Impossibilidade de cumprimento e risco pela perda ou deterioração da obra

ARTIGO 1227.º

(Impossibilidade de execução da obra)

Se a execução da obra se tornar impossível por causa não imputável a qualquer das partes, é aplicável o disposto no artigo 790.º; tendo, porém, havido começo de execução, o dono da obra é obrigado a indemnizar o empreiteiro do trabalho executado e das despesas realizadas.

ARTIGO 1228.º

(Risco)

1. Se, por causa não imputável a qualquer das partes, a coisa perecer ou se deteriorar, o risco corre por conta do proprietário.

2. Se, porém, o dono da obra estiver em mora quanto à verificação ou aceitação da coisa, o risco corre por conta dele.

SECÇÃO V — Extinção do contrato

ARTIGO 1229.º

(Desistência do dono da obra)

O dono da obra pode desistir da empreitada a todo o tempo, ainda que tenha sido iniciada a sua execução, contanto que indemnize o empreiteiro dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra.

ARTIGO 1230.º

(Morte ou incapacidade das partes)

1. O contrato de empreitada não se extingue por morte do dono da obra, nem por morte ou incapacidade do empreiteiro, a não ser que, neste último caso, tenham sido tomadas em conta, no acto da celebração, as qualidades pessoais deste.

2. Extinto o contrato por morte ou incapacidade do empreiteiro, considera-se a execução da obra como impossível por causa não imputável a qualquer das partes.

CAPÍTULO XIII — Renda perpétua

ARTIGO 1231.º

(Noção)

Contrato de renda perpetua e aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro, ou qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga, sem limite de tempo, a pagar, como renda, determinada quantia em dinheiro ou outra coisa fungível.

ARTIGO 1232.º (Forma)

Sem prejuízo do disposto em lei especial, a renda perpétua só é válida se for constituída por escritura pública ou por documento particular autenticado.

ARTIGO 1233.º

(Caução)

O devedor da renda é obrigado a caucionar o cumprimento da obrigação.

ARTIGO 1234.º

(Exclusão do direito de acrescer)

Não há na renda perpétua direito de acrescer entre os beneficiários.

ARTIGO 1235.º

(Resolução do contrato)

Ao beneficiário da renda é permitido resolver o contrato, quando o devedor se constitua em mora quanto às prestações correspondentes a dois anos, ou se verifique algum dos casos previstos no artigo 780.º

ARTIGO 1236.º

(Remição)

1. O devedor pode a todo o tempo remir a renda, mediante o pagamento da importância em dinheiro que represente a capitalização da mesma, à taxa legal de juros.

2. O direito de remição é irrenunciável, mas é lícito estipular-se que não possa ser exercido em vida do primeiro beneficiário ou dentro de certo prazo não superior a vinte anos.

ARTIGO 1237.º

(Juros)

A renda perpétua fica sujeita às disposições legais sobre juros, no que for compatível com a sua natureza e com o preceituado nos artigos antecedentes.

CAPÍTULO XIV — Renda vitalícia

ARTIGO 1238.º

(Noção)

Contrato de renda vitalícia é aquele em que uma pessoa aliena em favor de outra certa soma de dinheiro, ou qualquer outra coisa móvel ou imóvel, ou um direito, e a segunda se obriga a pagar certa quantia em dinheiro ou outra coisa fungível durante a vida do alienante ou de terceiro.

ARTIGO 1239.º

(Forma)

Sem prejuízo da aplicação das regras especiais de forma quanto à alienação da coisa ou do direito e do disposto em lei especial, a renda vitalícia deve ser constituída por documento escrito, sendo necessária escritura pública ou documento particular autenticado se a coisa ou o direito alienado for de valor igual ou superior a € 25 000.

ARTIGO 1240.º

(Duração da renda)

A renda pode ser convencionada por uma ou duas vidas.

ARTIGO 1241.º

(Direito de acrescer)

No silêncio do contrato, sendo dois ou mais os beneficiários da renda, e falecendo algum deles, a sua parte acresce à dos outros.

ARTIGO 1242.º

(Resolução do contrato)

Ao beneficiário da renda vitalícia é lícito resolver o contrato nos mesmos termos em que é permitida a resolução da renda perpétua ao respectivo beneficiário.

ARTIGO 1243.º

(Remição)

O devedor só pode remir a renda, com reembolso do que tiver recebido e perda das prestações já efectuadas, se assim se tiver convencionado.

ARTIGO 1244.º

(Prestações antecipadas)

Se as prestações se vencem antecipadamente, a última é devida por inteiro, ainda que o beneficiário faleça antes de completado o período respectivo.

CAPÍTULO XV — Jogo e aposta

ARTIGO 1245.º

(Nulidade do contrato)

O jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis; porém, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais, excepto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se houver fraude do credor na sua execução.

ARTIGO 1246.º

(Competições desportivas)

Exceptuam-se do disposto no artigo anterior as competições desportivas, com relação às pessoas que nelas tomarem parte.

ARTIGO 1247.º

(Legislação especial)

Fica ressalvada a legislação especial sobre a matéria de que trata este capítulo.

CAPÍTULO XVI — Transacção

ARTIGO 1248.º

(Noção)

1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.

2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.

ARTIGO 1249.º

(Matérias insusceptíveis de transacção)

As partes não podem transigir sobre direitos de que lhes não é permitido dispor, nem sobre questões respeitantes a negócios jurídicos ilícitos.

ARTIGO 1250.º

(Forma)

Sem prejuízo do disposto em lei especial, a transacção preventiva ou extrajudicial deve constar de escritura pública ou de documento particular autenticado, quando dela possa derivar algum efeito para o qual uma daquelas formas seja exigida, e de documento escrito, nos casos restantes.

LIVRO III — DIREITO DAS COISAS

TÍTULO I — Da posse

CAPÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 1251.º

(Noção)

Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

ARTIGO 1252.º

( Exercício da posse por intermediário)

1. A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem.

2. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257.º

ARTIGO 1253.º

(Simples detenção)

São havidos como detentores ou possuidores precários:

a) Os que exercem o poder de facto sem intenção de agir corno beneficiários do direito;

b) Os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito;

c) Os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem em nome de outrem.

ARTIGO 1254.º

(Presunções de posse)

1. Se o possuidor actual possuiu em tempo mais remoto, presume-se que possuiu igualmente no tempo intermédio.

2. A posse actual não faz presumir a posse anterior, salvo quando seja titulada; neste caso, presume-se que há posse desde a data do título.

ARTIGO 1255.º

(Sucessão na posse)

Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa.

ARTIGO 1256.º

(Acessão da posse)

1. Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar a sua a posse do antecessor.

2. Se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão sé se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito.

ARTIGO 1257.º

( Conservação da posse)

1. A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.

2. Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou.

CAPÍTULO II — Caracteres da posse

ARTIGO 1258.º

( Espécies de posse)

A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta.

ARTIGO 1259.º

(Posse titulada)

1. Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico.

2. O título não se presume, devendo a sua existência ser provada por aquele que o invoca.

ARTIGO 1260.º

( Posse de boa fé)

1. A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquirida, que lesava o direito de outrem.

2. A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé.

3. A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé, mesmo quando seja titulada.

ARTIGO 1261.º

(Posse pacífica)

1. Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência.

2. Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, e possuidor usou de coacção física, ou de coacção moral nos termos do artigo 255.º

ARTIGO 1262.º

(Posse pública)

Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.

CAPÍTULO III — Aquisição e perda da posse

ARTIGO 1263.º

(Aquisição da posse)

A posse adquire-se:

a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito;

b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor;

c) Por constituto possessório;

d) Por inversão do título da posse.

ARTIGO 1264.º

(Constituto possessório)

1. Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa.

2. Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito, for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a posse, ainda que essa detenção haja de continuar.

ARTIGO 1265.º

(Inversão do título da posse)

A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.

ARTIGO 1266.º

(Capacidade para adquirir a posse)

Podem adquirir posse todos os que têm uso da razão, e ainda os que o não têm, relativamente às coisas susceptíveis de ocupação.

ARTIGO 1267.º

(Perda da posse)

1. O possuidor perde a posse:

a) Pelo abandono;

b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser posta fora do comércio;

c) Pela cedência;

d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano.

2. A nova posse de outrem conta-se desde o seu início, se foi tomada públicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi tomada ocultamente; sendo adquirida por violência, só se conta a partir da cessação desta.

CAPÍTULO IV — Efeitos da posse

ARTIGO 1268.º

(Presunção da titularidade do direito)

1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.

2. Havendo concorrência de presunções legais fundadas em registo, será a prioridade entre elas fixada na legislação respectiva.

ARTIGO 1269.º

(Perda ou deterioração da coisa)

O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da coisa se tiver procedido com culpa.

ARTIGO 1270.º

(Frutos na posse de boa fé)

1. O possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, e os frutos civis correspondentes ao mesmo período.

2. Se ao tempo em que cessa a boa fé estiverem pendentes frutos naturais, é o titular obrigado a indemnizar o possuidor das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, de todas as despesas de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos.

3. Se o possuidor tiver alienado frutos antes da colheita e antes de cessar a boa fé, a alienação subsiste, mas o produto da colheita pertence ao titular do direito, deduzida a indemnização a que o número anterior se refere.

ARTIGO 1271.º

(Frutos na posse de má fé)

O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido.

ARTIGO 1272.º

(Encargos)

Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo possuidor, na medida dos direitos de cada um deles sobre os frutos no período a que respeitam os encargos.

ARTIGO 1273.º

(Benfeitorias necessárias e úteis)

1. Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

ARTIGO 1274.º

(Compensação de benfeitorias com deteriorações)

A obrigação de indemnização por benfeitorias é susceptível de compensação com responsabilidade do possuidor por deteriorações.

ARTIGO 1275.º

(Benfeitorias voluptuárias)

1. O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas.

2. O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito.

CAPÍTULO V — Defesa da Posse

ARTIGO 1276.º

(Acção de prevenção)

Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento da ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.

ARTIGO 1277.º

(Acção directa e defesa judicial)

O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do artigo 336.º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a passe.

ARTIGO 1278.º

(Manutenção e restituição da posse)

1. No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.

2. Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse.

3. É melhor posse a que for titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade, a posse actual.

ARTIGO 1279.º

(Esbulho violento)

Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser restituído provisòriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.

ARTIGO 1280.º

(Exclusão das servidões não aparentes)

As acções mencionadas nos artigos antecedentes não são aplicáveis à defesa das servidões não aparentes, salvo quando a posse se funde em titulo provindo do proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu.

ARTIGO 1281.º

(Legitimidade)

1. A acção de manutenção da posse pode ser intentada pelo perturbado ou pelos seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador, salva a acção de indemnização contra os herdeiros deste.

2. A acção de restituição de posse pode ser intentada pelo esbulhado ou pelos seus herdeiros, não só contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.

ARTIGO 1282.º

(Caducidade)

A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido praticado a ocultas.

ARTIGO 1283.º

(Efeito da manutenção ou restituição)

É havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi mantido na sua posse ou a ela foi restituído judicialmente.

ARTIGO 1284.º

(Indemnização de prejuízos e encargos com a restituição)

1. O possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado do prejuízo que haja sofrido em consequência da turbação ou do esbulho.

2. A restituição da posse é feita à custa do esbulhado e no lugar do esbulho.

ARTIGO 1285.º

(Embargos de terceiro)

O possuidor cuja posse for ofendida por penhora ou diligência ordenada judicialmente pode defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos definidos na lei de processo.

ARTIGO 1286.º

(Defesa da composse)

1. Cada um dos compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe, pode usar contra terceiro dos meios facultados nos artigos precedentes, quer para defesa da própria posse, quer para defesa da posse comum, sem que ao terceiro seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro.

2. Nas relações entre compossuidores não é permitido o exercício da acção de manutenção.

3. Em tudo o mais são, aplicáveis à composse as disposições do presente capítulo.

CAPÍTULO VI — Usucapião

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1287.º

(Noção)

A posse do direito de propriedade ou de outros direitas reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.

ARTIGO 1288.º

(Retroactividade da usucapião)

Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse.

ARTIGO 1289.º

(Capacidade para adquirir)

1. A usucapião aproveita a todos os que podem adquirir.

2. Os incapazes podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das pessoas que legalmente os representam.

ARTIGO 1290.º

(Usucapião em caso de detenção)

Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título.

ARTIGO 1291.º

(Usucapião por compossuidor)

A usucapião por um compossuidor relativamente ao objecto da posse comum aproveita igualmente aos demais compossuidores.

ARTIGO 1292.º

(Aplicação das regras da prescrição)

São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como o preceituado nos artigos 300.º, 302.º, 303.º e 305.º

SECÇÃO II — Usucapião de imóveis

ARTIGO 1293.º

(Direitos excluídos)

Não podem adquirir-se por usucapião:

a) As servidões prediais não aparentes;

b) Os direitos de uso e de habitação.

ARTIGO 1294.º

(Justo título e registo)

Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar:

a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos, contados desde a data do registo;

b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze anos, contados da mesma data.

ARTIGO 1295.º

(Registo da mera posse)

1 — Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera posse, a usucapião tem lugar:

a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a data do registo, e for de boa fé;

b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma data, ainda que não seja de boa fé.

2 — A mera posse só é registada em vista de decisão final proferida em processo de justificação, nos termos da lei registral, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não inferior a cinco anos.

ARTIGO 1296.º

(Falta de registo)

Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.

ARTIGO 1297.º

(Posse violenta ou oculta)

Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública.

SECÇÃO III — Usucapião de móveis

ARTIGO 1298.º

(Coisas sujeitas a registo)

Os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquirem-se por usucapião, nos termos seguintes:

a) Havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado dois anos, estando o possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de má fé;

b) Não havendo registo, quando a posse tiver durado dez anos, independentemente da boa fé do possuidor e da existência de título.

ARTIGO 1299.º

(Coisas não sujeitas a registo)

A usucapião de coisas não sujeitas a registo dá-se quando a posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou quando, independentemente da boa fé e de título, tiver durado seis anos.

ARTIGO 1300.º

(Posse violenta ou oculta)

1. É aplicável à usucapião de móveis o disposto no artigo 1297.º

2. Se, porém, a coisa possuída passar a terceiro de boa fé antes da cessação da violência ou da publicidade da posse, pode o interessado adquirir direitos sobre ela passados quatro anos desde a constituição da sua posse, se esta for titulada, ou sete, na falta de título.

ARTIGO 1301.º

(Coisa comprada a comerciante)

O que exigir de terceiro coisa por este comprada, de boa fé, a comerciante que negoceie em coisa do mesmo ou semelhante género é obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver dado por ela, mas goza do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa ao prejuízo.

TÍTULO II — Do direito de propriedade

CAPÍTULO I — Propriedade em geral

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1302.º

(Objecto do direito de propriedade)

1 — As coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade regulado neste código.

2 — Podem ainda ser objeto do direito de propriedade os animais, nos termos regulados neste código e em legislação especial.

ARTIGO 1303.º

(Propriedade intelectual)

1. Os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial.

2. São, todavia, subsidiàriamente aplicáveis aos direitos de autor e à propriedade industrial as disposições deste código, quando se harmonizem com a natureza daqueles direitos e não contrariem o regime para eles especialmente estabelecido.

ARTIGO 1304.º

(Domínio do Estado e de outras pessoas colectivas públicas)

O domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio.

ARTIGO 1305.º

Propriedade das coisas

O proprietário goza de modo pleno e exelusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

Artigo 1305.º-A

Propriedade de animais

1 — O proprietário de um animal deve assegurar o seu bem-estar e respeitar as características de cada espécie e observar, no exercício dos seus direitos, as disposições especiais relativas à criação, reprodução, detenção e proteção dos animais e à salvaguarda de espécies em risco, sempre que exigíveis.

2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o dever de assegurar o bem-estar inclui, nomeadamente:

a) A garantia de acesso a água e alimentação de acordo com as necessidades da espécie em questão;

b) A garantia de acesso a cuidados médico-veterinários sempre que justificado, incluindo as medidas profiláticas, de identificação e de vacinação previstas na lei.

3 — O direito de propriedade de um animal não abrange a possibilidade de, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus-tratos que resultem em sofrimento injustificado, abandono ou morte.

ARTIGO 1306.º

(«Numerus clausus»)

1. Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não esteja nestas condições, tem natureza obrigacional.

2. O quinhão e o compáscuo constituídos até à entrada em vigor deste código ficam sujeitos à legislação anterior.

ARTIGO 1307.º

(Propriedade resolúvel e temporária)

1. O direito de propriedade pode constituir-se sob condição.

2. A propriedade temporária só é admitida nos casos especialmente previstos na lei.

3. À propriedade sob condição é aplicável o disposto nos artigos 272.º a 277.º

ARTIGO 1308.º

(Expropriações)

Ninguém pude ser privado, em todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.

ARTIGO 1309.º

(Requisições)

Só nos casos previstos na lei pode ter lugar a requisição temporária de coisas do domínio privado.

ARTIGO 1310.º

(Indemnizações)

Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, e sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados.

SECÇÃO II — Defesa da propriedade

ARTIGO 1311.º

(Acção de reivindicação)

1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.

2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.

ARTIGO 1312.º

(Encargos com a restituição)

A restituição da coisa é feita à custa do esbulhador, se o houver, e no lugar tio esbulho.

ARTIGO 1313.º

(Imprescritibilidade da acção de reivindicação)

Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, acção de reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo.

ARTIGO 1314.º

(Acção directa)

É admitida a defesa da propriedade por meio de acção directa, nos termos do artigo 336.º

ARTIGO 1315.º

(Defesa de outros direitos reais)

As disposições precedentes são aplicáveis, com as necessárias correcções, à defesa de todo o direito real.

CAPÍTULO II — Aquisição da propriedade

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1316.º

(Modos de aquisição)

O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.

ARTIGO 1317.º

(Momento da aquisição)

O momento da aquisição do direito de propriedade é:

a) No caso de contrato, o designado nos artigos 408.º e 409.º;

b) No caso de sucessão por morte, o da abertura da sucessão;

c) No caso de usucapião, o do início da posse;

d) Nos casos de ocupação e acessão, o da verificação dos factos respectivos.

SECÇÃO II — Ocupação de coisas e animais

ARTIGO 1318.º

Suscetibilidade de ocupação

Podem ser adquiridos por ocupação os animais e as coisas móveis que nunca tiveram dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus proprietários, salvas as restrições dos artigos seguintes.

ARTIGO 1319.º

(Caça e pesca)

A ocupação dos animais bravios que se encontram no seu estado de liberdade natural é regulada por legislação especial.

ARTIGO 1320.º

(Animais selvagens com guarida própria)

1. Os animais bravios habituados a certa guarida, ordenada por indústria do homem, que mudem para outra guarida de diverso dono ficam pertencendo a este, se não puderem ser individualmente reconhecidos; no caso contrário, pode o antigo dono recuperá-los, contanto que o faça sem prejuízo do outro.

2. Provando-se, porém, que os animais foram atraídos por fraude ou artifício do dono da guarida onde se hajam acolhido, é este obrigado a entregá-los ao antigo dono, ou a pagar-lhe em triplo o valor deles, se lhe não for possível restituí-los.

ARTIGO 1321.º
revogado
ARTIGO 1322.º

(Enxames de abelhas)

1. O proprietário de enxame de abelhas tem o direito de o perseguir e capturar em prédio alheio, mas é responsável pelos danos que causar.

2. Se o dono da colmeia não perseguir o enxame logo que saiba terem os abelhas enxameado, ou se decorrerem dois dias sem que o enxame tenha sido capturado, pode ocupá-lo o proprietário do prédio onde ele se encontre, ou consentir que outrem o ocupe.

ARTIGO 1323.º

(Animais e coisas móveis perdidas)

1 — Aquele que encontrar animal ou coisa móvel perdida e souber a quem pertence deve restituir o animal ou a coisa a seu dono ou avisá-lo do achado.

2 — Se não souber a quem pertence o animal ou coisa móvel, aquele que os encontrar deve anunciar o achado pelo modo mais conveniente, atendendo ao seu valor e às possibilidades locais, e avisar as autoridades, observando os usos da terra, sempre que os haja.

3 — Para efeitos do disposto no número anterior, deve o achador de animal, quando possível, recorrer aos meios de identificação acessíveis através de médico veterinário.

4 — Anunciado o achado, o achador faz seu o animal ou a coisa perdida, se não for reclamada pelo dono dentro do prazo de um ano, a contar do anúncio ou aviso.

5 — Restituído o animal ou a coisa, o achador tem direito à indemnização do prejuízo havido e das despesas realizadas.

6 — O achador goza do direito de retenção e não responde, no caso de perda ou deterioração do animal ou da coisa, senão havendo da sua parte dolo ou culpa grave.

7 — O achador de animal pode retê-lo em caso de fundado receio de que o animal achado seja vítima de maus-tratos por parte do seu proprietário.

ARTIGO 1324.º

(Tesouros)

1. Se aquele que descobrir coisa móvel de algum valor, escondida ou enterrada, não puder determinar quem é o dono dela, torna-se proprietário de metade do achado: a outra metade pertence ao proprietário da coisa móvel ou imóvel onde o tesouro estava escondido ou enterrado.

2. O achador deve anunciar o achado nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou avisar as autoridades, excepto quando seja evidente que o tesouro foi escondido ou enterrado há mais de vinte anos.

3. Se o achador não cumprir o disposto no número anterior, ou fizer seu o achado ou parte dele sabendo quem é o dono, ou o ocultar do proprietário da coisa onde ele se encontrava, perde em benefício do Estado os direitos conferidos no n.º 1 deste artigo, sem exclusão dos que lhe possam caber como proprietário.

SECÇÃO III — Acessão

SUBSECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1325.º

(Noção)

Dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia.

ARTIGO 1326.º (Espécies)

1. A acessão diz-se natural, quando resulta exclusivamente das forças da natureza; dá-se a acessão industrial, quando, por facto do homem, se confundem objectos pertencentes a diversos donos, ou quando alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem, confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia.

2. A acessão industrial é mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas.

SUBSECÇÃO II — Acessão natural

ARTIGO 1327.º

(Princípio geral)

Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da natureza.

ARTIGO 1328.º

(Aluvião)

1. Pertence aos donos dos prédios confinantes com quaisquer correntes de água tudo o que, por acção das águas, se lhes unir ou neles for depositado, sucessiva e imperceptivelmente.

2. É aplicável o disposto no número anterior ao terreno que insensivelmente se for deslocando, por acção das águas, de urna das margens para outra, ou de um prédio superior para outro inferior, sem que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos sobre ele.

ARTIGO 1329.º

(Avulsão)

1. Se, por acção natural e violenta, a corrente arrancar quaisquer plantas ou levar qualquer objecto ou porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre prédio alheio, o dono delas tem o direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de seis meses, se antes não foi notificado para, fazer a remoção no prazo judicialmente assinado.

2. Não se fazendo a remoção nos prazos designados, é aplicável o disposto no artigo anterior.

ARTIGO 1330.º

(Mudança de leito)

1. Se a corrente mudar de direcção, abandonando o leito antigo, os proprietários deste conservam o direito que tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente a propriedade do terreno ocupado de novo pela corrente.

2. Se a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o leito antigo seja abandonado, é ainda aplicável o disposto no número anterior.

ARTIGO 1331.º

(Formação de ilhas e mouchões)

1. As ilhas ou mouchões que se formem nas correntes de, água pertencem ao dono da, parte do leito ocupado.

2. Se, porém, as ilhas ou mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições prescritas pelo artigo 1329.º

ARTIGO 1332.º

(Lagos e lagoas)

As disposições dos artigos antecedentes são aplicáveis aos lagos e lagoas, quando aí ocorrerem factos análogos.

SUBSECÇÃO III — Acessão industrial mobiliária

ARTIGO 1333.º

(União ou confusão de boa fé)

1. Se alguém, de boa fé, unir ou confundir objecto seu com objecto alheio, de modo que a separação deles não seja possível ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma, das partes, faz seu o objecto adjunto o dono daquele que for de maior valor, contanto que indemnize o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente.

2. Se ambas as coisas forem de igual valor e os donos não acordarem sobre qual haja de ficar com ela, abrir-se-á entre eles licitação, adjudicando-se o objecto licitado àquele que maior valor oferecer por ele; verificada a sorna que no valor oferecido deve pertencer ao outro, é o adjudicatário obrigado a pagar-lha.

3. Se os interessados não quiserem licitar, será vendida a coisa e cada um deles haverá no produto da venda a parte que deva, tocar-lhe.

4. Em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, o autor da confusão é obrigado a ficar com a coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela preferir a respectiva indemnização.

ARTIGO 1334.º

(União ou confusão de má fé)

1. Se a união ou confusão tiver sido feita de má fé e a coisa alheia puder ser separada sem padecer detrimento, será esta restituída a seu dono, sem prejuízo do direito que este tem de ser indemnizado do dano sofrido.

2. Se, porém, a coisa não puder ser separada sem padecer detrimento, deve o autor da união ou confusão restituir o valor da coisa e indemnizar o seu dono, quando este não prefira ficar com ambas as coisas adjuntas e pagar ao autor da união ou confusão o valor que for calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

ARTIGO 1335.º

(Confusão casual)

1. Se a adjunção ou confusão se operar casualmente e as coisas adjuntas ou confundidas não puderem separar-se sem detrimento de alguma delas, ficam pertencendo ao dono da mais valiosa, que pagará o justo valor da outra; se, porém, este não quiser fazê-lo, assiste idêntico direito ao dono da menos valiosa.

2. Se nenhum deles quiser ficar com a coisa, será esta vendida, e cada um haverá a parte do preço que lhe pertencer.

3. Se ambas as coisas forem de igual valor, observar-se-á o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1333.º

ARTIGO 1336.º

(Especificação de boa fé)

1. Quem de boa fé der nova forma, por seu trabalho, a coisa móvel pertencente a outrem faz sua a coisa transformada, se ela não puder ser restituída à primitiva forma ou não puder sê-lo sem perda do valor criado pela especificação; neste último caso, porém, tem o dono da matéria o direito de ficar com a coisa, se o valor da especificação não exceder o da matéria.

2. Em ambos os casos previstos no número anterior, o que ficar com a coisa é obrigado a indemnizar o outro do valor que lhe pertencer.

ARTIGO 1337.º

(Especificação de má fé)

Se a especificação tiver sido feita de má fé, será a coisa especificada restituída a seu dono no estado em que se encontrar, com indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a indemnizar o especificador, se o valor da especificação não tiver aumentado em mais de um terço o valor da coisa especificada; se o aumento for superior, deve o dono da coisa repor o que exceder o dito terço.

ARTIGO 1338.º

(Casos de especificação)

Constituem casos de especificação a escrita, a pintura, o desenho, a fotografia, a impressão, a gravura e outros actos semelhantes, feitos com utilização de materiais alheios.

SUBSECÇÃO IV — Acessão industrial imobiliária

ARTIGO 1339.º

(Obras, sementeiras ou plantações com materiais alheios)

Aquele que em terreno seu construir obra ou fizer sementeira ou plantação com materiais, sementes ou plantas alheias adquire os materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando o respectivo valor, além da indemnização a que haja lugar.

ARTIGO 1340.º

(Obras, sementeiras ou plantações feitas de boa fé

em terreno alheio)

1. Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.

2. Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no n.º 2 do artigo 1333.º

3. Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do Valor que tinham ao tempo da incorporação.

4. Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno.

ARTIGO 1341.º

(Obras, sementeiras ou plantações feitas de má fé

em terreno alheio)

Se a obra, sementeira ou plantação for feita de má fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o terreno seja restituído ao seu primitivo estado custa do autor dela, ou, se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

ARTIGO 1342.º

(Obras, sementeiras ou plantações

feitas com materiais alheios em terreno alheio)

1. Quando as obras, sementeiras ou plantações sejam feitas em terreno alheio cora materiais, sementes ou plantas alheias, ao dono dos materiais, sementes ou plantas cabem os direitos conferidos no artigo 1340.º ao autor da incorporação, quer este esteja de boa, quer de má fé.

2. Se, porém, o dono dos materiais, sementes ou plantas tiver culpa, é-lhe aplicável o disposto no artigo antecedente em relação ao autor da incorporação; neste caso, se o autor da incorporação estiver de má fé, é solidária a responsabilidade de ambos, e a divisão do enriquecimento é feita em proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da mão-de-obra.

ARTIGO 1343.º

(Prolongamento de edifício por terreno alheio)

1. Quando na construção de um edifício em terreno próprio se ocupe, de boa fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário, pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado, designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante.

2. É aplicável o disposto no número anterior relativamente a qualquer direito real de terceiro sobre o terreno ocupado.

CAPÍTULO III — Propriedade de imóveis

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1344.º

(Limites materiais)

1. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente á superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.

2. O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela ,altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir.

ARTIGO 1345.º

(Coisas imóveis sem dono conhecido)

As coisas imóveis sem dono conhecido consideram-se do património do Estado.

ARTIGO 1346.º

(Emissão de fumo, produção de ruídos e factos semelhantes)

O proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.

ARTIGO 1347.º

(Instalações prejudiciais)

1. O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos nocivos não permitidos por lei.

2. Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o prejuízo se torne efectivo.

3. É devida, em qualquer dos casos, indemnização pelo prejuízo sofrido.

ARTIGO 1348.º

(Escavações)

1. O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra.

2. Logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas, mesmo que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias.

ARTIGO 1349.º

(Passagem forçada momentânea)

1. Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.

2. É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se encontrem; o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao seu dono.

3. Em qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido.

ARTIGO 1350.º

(Ruína de construção)

Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos danos, nos termos do artigo 492.º, as providências necessárias para eliminar o perigo.

ARTIGO 1351.º

(Escoamento natural das águas)

1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na suo corrente.

2. Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de escoamento, nos casos em que é admitida.

ARTIGO 1352.º

(Obras defensivas das águas)

1. O dono do prédio onde existam obras defensivas para conter as águas, ou onde, pela variação do curso das águas, seja necessário construir novas obras, é obrigado a fazei os reparos precisos, ou a tolerar que os façam, sem prejuízo dele, os donos dos prédios que padeçam danos ou estejam expostos a danos iminentes.

2. O disposto no número anterior é aplicável, sempre que seja necessário despojar algum prédio de materiais cuja acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou risco de terceiro.

3. Todos os proprietários que participam do beneficie das obras são obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do seu interesse, sem prejuízo da responsabilidade que recaia sobre o autor dos danos.

SECÇÃO II — Direito de demarcação

ARTIGO 1353.º

(Conteúdo)

O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e os deles.

ARTIGO 1354.º

(Modo de proceder à demarcação)

1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova.

2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais.

3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um.

ARTIGO 1355.º

(Imprescritibilidade)

O direito de demarcação é imprescritível, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião.

SECÇÃO III — Direito de tapagem

ARTIGO 1356.º

(Conteúdo)

A todo o tempo o proprietário pode murar, vaiar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo.

ARTIGO 1357.º

(Valas, regueiras e valados)

O proprietário que pretenda abrir vala ou regueira ao redor do prédio é obrigado a deixar mota externa de largura igual à profundidade da vaia e a conformar-se com o disposto no artigo 1348.º; se fizer valado, deve deixar externamente regueira ou alcorca, salvo havendo, em qualquer dos casos, uso da terra em contrário.

ARTIGO 1358.º

(Presunção de comunhão)

1. As valas, regueiras e valados, entre prédios de diversos donos, a que faltem as condições impostas no artigo antecedente presumem-se comuns, não havendo sinal em contrário.

2. É sinal de que a vala ou regueira sem mota externa não é comum o achar-se a terra da escavação ou limpeza lançada só de um lado durante mais de um ano; neste caso, presume-se que a vala é do proprietário de cujo lado a terra estiver.

ARTIGO 1359.º

(Sebes vivas)

1. Não podem ser plantadas sebes vivas nas estremas dos prédios sem prèviamente se colocarem marcos divisórios.

2. As sebes vivas consideram-se, em caso de dúvida, pertencentes ao proprietário que mais precisa delas; se ambos estiverem no mesmo caso, presumem-se comuns, salvo se existir uso da terra pelo qual se determine de outro modo a sua propriedade.

SECÇÃO IV — Construções e edificações

ARTIGO 1360.º

(Abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes)

1. O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio.

3. Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela.

4. Se os dois prédios forem oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se perpendicularmente do prédio para onde deitam as vistas até à construção ou edifício novamente levantado; mas, se a obliquidade for além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a restrição imposta ao proprietário.

ARTIGO 1361.º

(Prédios isentos da restrição)

As restrições do artigo precedente não são aplicáveis a prédios separados entre si por estrada, caminho, rua, travessa ou outra passagem por terreno do domínio público.

ARTIGO 1362.º

(Servidão de vistas)

1. A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião.

2. Constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no n.º 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras.

ARTIGO 1363.º

(Frestas, seteiras ou óculos para luz e ar)

1. Não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contra-muro, ainda que vede tais aberturas.

2. As frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram.

ARTIGO 1364.º

(Janelas gradadas)

É aplicável o disposto no n.º 1 do artigo antecedente às aberturas, quaisquer que sejam as suas dimensões, igualmente situadas a mais de um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, com grades fixas de ferro ou outro metal, de secção não inferior a um centímetro quadrado e cuja malha não seja superior a cinco centímetros.

ARTIGO 1365.º

(Estilicídio)

1. O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um intervalo mínimo de cinco decímetros entre o prédio e a beira, se de outro modo não puder evitá-lo.

2. Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem prejuízo para o prédio dominante.

SECÇÃO V — Plantação de árvores e arbustos

ARTIGO 1366.º

(Termos em que pode ser feita)

1. É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos prédios; mas ao dono do prédio vizinho é permitido arrancar e cortar as raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre ele propenderem, se o dono da árvore, sendo rogado judicial ou extrajudicialmente, o não fizer dentro de três dias.

2. O disposto no número antecedente não prejudica as restrições constantes de leis especiais relativas à plantação ou sementeira de eucaliptos, acácias ou outras árvores igualmente nocivas nas proximidades de terrenos cultivados, terras de regadio, nascentes de água ou prédios urbanos, nem quaisquer outras restrições impostas por motivos de interesse público.

ARTIGO 1367.º

(Apanha de frutos)

O proprietário de árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem ou com ele confinante pode exigir que o dono do prédio lhe permita fazer a apanha dos frutos, que não seja possível fazer do seu lado; mas é responsável pelo prejuízo que com a apanha vier a causar.

ARTIGO 1368.º

(Árvores ou arbustos situados na linha divisória)

As árvores ou arbustos nascidos na linha divisória de prédios pertencentes a donos diferentes presumem-se comuns; qualquer dos consortes tem a faculdade de os arrancar, mas o outro tem direito a haver metade do valor das árvores ou arbustos, ou metade da lenha ou madeira que produzirem, como mais lhe convier.

ARTIGO 1369.º

(Árvores ou arbustos que sirvam de marco divisório)

Servindo a árvore ou o arbusto de marco divisório, não pode ser cortado ou arrancado senão de comum acordo.

SECÇÃO VI — Paredes e muros de meação

ARTIGO 1370.º

(Comunhão forçada)

1. O proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio pode adquirir nele comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do solo sobre que estiver construído.

2. De igual faculdade gozam o superficiário e o enfiteuta.

ARTIGO 1371.º

(Presunção de compropriedade)

1. A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem.

2. Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário.

3. São sinais que excluem a presunção de comunhão:

a) A existência de espigão em ladeira só para um lado;

b) Haver no muro, só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a largura dele;

c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos outros lados.

4. No caso da alínea a) do número anterior, presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as construções ou sinais mencionados.

5. Se o muro sustentar em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao dono da construção.

ARTIGO 1372.º

(Abertura de janelas ou frestas)

O proprietário a quem pertença em comum alguma parede ou muro não pode abrir nele janelas ou frestas, nem fazer outra alteração, sem consentimento do seu consorte.

ARTIGO 1373.º

(Construção sobre o muro comum)

1. Qualquer dos consortes tem, no entanto, a faculdade de edificar sobre a parede ou muro comum e de introduzir nele traves ou barrotes, contanto que não ultrapasse o meio da parede ou do muro.

2. Tendo a parede ou muro espessura inferior a cinco decímetros, não tem lugar a restrição do número anterior.

ARTIGO 1374.º

(Alçamento do muro comum)

1. A qualquer dos consortes é permitido altear a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alteada.

2. Se a parede ou muro não estiver em estado de aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo tem de reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado.

3. O consorte que não tiver contribuído para o alçamento pode adquirir comunhão na parte aumentada, pagando metade do valor dessa parte e, no caso de aumento de espessura, também metade do valor do solo correspondente a esse aumento.

ARTIGO 1375.º

(Reparação e reconstrução do muro)

1. A reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita por conta dos consortes, em proporção das suas partes.

2. Se o muro for simplesmente de vedação, a despesa é dividida pelos consortes em partes iguais.

3. Se, além da vedação, um dos consortes tirar do muro proveito que não seja comum ao outro, a despesa é rateada entre eles em proporção do proveito que cada um tirar.

4. Se a ruína do muro provier de facto do qual só um dos consortes tire proveito, só o beneficiário é obrigado a reconstruí-lo ou repará-lo.

5. É sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de reparação ou reconstrução da parede ou muro, renunciando ao seu direito nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 1411.º

SECÇÃO VII — Fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos

ARTIGO 1376.º

(Fraccionamento)

1. Os terrenos aptos para cultura não podem fraccionar-se em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima, correspondente à unidade de cultura fixada para cada zona do País; importa fraccionamento, para este efeito, a constituição de usufruto sobre uma parcela do terreno.

2. Também não é admitido o fraccionamento, quando dele possa resultar o encrave de qualquer das parcelas, ainda que seja respeitada a área fixada para a unidade de cultura.

3. O preceituado neste artigo abrange todo o terreno contíguo pertencente ao mesmo proprietário, embora seja composto por prédios distintos.

ARTIGO 1377.º

(Possibilidade do fraccionamento)

A proibição do fraccionamento não é aplicável:

a) A terrenos que constituam partes componentes de prédios urbanos ou se destinem a algum fim que não seja a cultura;

b) Se o adquirente da parcela resultante do fraccionamento for proprietário de terreno contíguo ao adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado corresponda, pelo menos, a urna unidade de cultura;

c) Se o fraccionamento tiver por fim a desintegração de terrenos para construção ou rectificação de estremas.

ARTIGO 1378.º

(Troca de terrenos)

A troca de terrenos aptos para cultura só é admissível:

a) Quando ambos os terrenos tenham área igual ou superior à unidade de cultura fixada para a respectiva zona;

b) Quando, tendo qualquer dos terrenos área inferior à unidade de cultura, da permuta resulte adquirir um dos proprietários terreno contíguo a outro que lhe pertença, em termos que lhe permitam constituir um novo prédio com área igua ou superior àquela unidade;

c) Quando, independentemente da área dos terrenos, ambos os permutantes adquiram terreno confinante com prédio seu.

ARTIGO 1379.º

(Sanções)

1 — São nulos os atos de fracionamento ou troca contrários ao disposto nos artigos 1376.º e 1378.º

2 — São anuláveis os atos de fracionamento efetuado ao abrigo da alínea c) do artigo 1377.º se a construção não for iniciada no prazo de três anos.

3 — Tem legitimidade para a ação de anulação o Ministério Público ou qualquer proprietário que goze do direito de preferência nos termos do artigo seguinte.

4 — A ação de anulação caduca no fim de três anos, a contar do termo do prazo referido no n.º 2.

ARTIGO 1380.º

(Direito de preferência)

1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:

a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;

b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.

3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienaste.É

4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.

ARTIGO 1381.º

(Casos em que não existe o direito de preferência)

Não gozam do direito de preferência os proprietários de terrenos confinantes:

a) Quando algum dos terrenos constitua parta componente de um prédio urbano ou se destine a algum fim que não seja a cultura;

b) Quando a alienação abranja um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.

ARTIGO 1382.º

(Emparcelamento)

1. Chama-se emparcelamento o conjunto de operações de remodelação predial destinadas a pôr termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos pertencentes ao mesmo titular, com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola.

2. Os termos em que devem ser realizadas as operações de emparcelamento são fixados em legislação especial.

SECÇÃO VIII — Atravessadouros

ARTIGO 1383.º

(Abolição dos atravessadouros)

Consideram-se abolidos os atravessadouros, por mais antigos que sejam, desde que não se mostrem estabelecidos em proveito de prédios determinados, constituindo servidões.

ARTIGO 1384.º

(Atravessadouros reconhecidos)

São, porém, reconhecidos os atravessadouros com posse imemorial, que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade, enquanto não existirem vias públicas destinadas à utilização ou aproveitamento de uma ou outra, bem como os admitidos em legislação especial.

CAPÍTULO IV — Propriedade das águas

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1385.º

(Classificação das águas)

As águas são públicas ou particulares; as primeiras estão sujeitas ao regime estabelecido em leis especiais e as segundas às disposições dos artigos seguintes.

ARTIGO 1386.º

(Águas particulares)

1. São particulares:

a) As águas que nascerem em prédio particular e as pluviais que nele caírem, enquanto não transpuserem, abandonadas, os limites do mesmo prédio ou daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que, ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, forem consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública;

b) As águas subterrâneas existentes em prédios particulares;

c) Os lagos e lagoas existentes dentro de um prédio particular, quando não sejam alimentados por corrente pública;

d) As águas originàriamente públicas que tenham entrado no domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocupação, doação régia ou concessão;

e) As águas públicas concedidas perpètuamente para regas ou melhoramentos agrícolas;

f) As águas subterrâneas existentes em terrenos públicos, municipais ou de freguesia, exploradas mediante licença e destinadas a regas ou melhoramentos agrícolas.

2. Não estando fixado o volume das águas referidas nas alíneas d), e) e f) do número anterior, entender-se-á que há direito apenas ao caudal necessário para o fim a que as mesmas se destinam.

ARTIGO 1387.º

(Obras para armazenamento ou derivação de águas;

leito das correntes não navegáveis nem flutuáveis)

1. São ainda particulares:

a) Os poços, galerias, canais, levadas, aquedutos, reservatórios, albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou armazenamento de águas públicas ou particulares;

b) O leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis une atravessam terrenos particulares.

2. Entende-se por leito ou álveo a porção do terreno que a água cobre sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto.

3. Quando a corrente passa entre dois prédios, pertence a cada proprietário o tracto compreendido entre a linha marginal e a linha media do leito ou. álveo, sem prejuízo do disposto nos artigos 1328.º e seguintes.

4. As faces ou rampas e os capelos dos cômoros, valados, tapadas, muros de terra, alvenaria ou enrocamentos erguidos sobre a superfície natural do solo marginal não pertencem ao leito ou álveo da corrente, mas fazem parte da margem.

ARTIGO 1388.º

(Requisição de águas)

1. Em casos urgentes de incêndio ou calamidade pública, as autoridades administrativas podem, sem forma de processo nem indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer águas particulares necessárias para conter ou evitar os danos.

2. Se da utilização da água resultarem danos apreciáveis, têm os lesados direito a indemnização, paga por aqueles em benefício de miem a água foi utilizada.

SECÇÃO II — Aproveitamento das águas

ARTIGO 1389.º

(Fontes e nascentes)

O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, salvas as restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso da água por título justo.

ARTIGO 1390.º

(Títulos de aquisição)

1. Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões.

2. A usucapião, porém, só é atendida quando for acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer espécie de prova.

3. Em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de terceiro, a aquisição do direito de servidão nos termos do artigo 1549.º não depende da existência de sinais reveladores da destinação do antigo proprietário.

ARTIGO 1391.º

(Direitos dos prédios inferiores)

Os donos dos prédios para onde se derivam as águas vertentes de qualquer fonte ou nascente podem eventualmente aproveitá-las nesses prédios; mas a privação desse uso por efeito de novo aproveitamento que faça o proprietário da fonte ou nascente não constitui violação de direito.

ARTIGO 1392.º

(Restrições ao uso das águas)

1. Ao proprietário da fonte ou nascente não e lícito mudar o seu curso costumado, se os habitantes de uma povoação ou casal há mais de cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas vertentes para gastos domésticos.

2. Se os habitantes da povoação ou casal não houverem adquirido por título justo o uso das águas, o proprietário tem direito a indemnização, que será paga, conforme os casos, pela respectiva junta de freguesia ou pelo dono do casal.

ARTIGO 1393.º

(Águas pluviais e de lagos e lagoas)

O disposto nos artigos antecedem é aplicável, com as necessárias adaptações, as águias pluviais referidas na alínea a) do n.º 1 do artigo 1386.º e às águas dos lagos e lagoas compreendidas na alínea c) do mesmo número.

ARTIGO 1394.º

(Águas subterrâneas)

1. É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários Ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo.

2. Sem prejuízo do disposto no artigo 1396.º a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular, em consequência da exploração de água subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiro, excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais.

ARTIGO 1395.º

(Títulos de aquisição)

1. Consideram-se títulos justos de aquisição das águas subterrâneas os referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1390.º

2. A simples atribuição a terceiro do direito de explorar águas subterrâneas não importa, para o proprietário, privação do mesmo direito, se tal abdicação não resultar claramente do título.

ARTIGO 1396.º

(Restrições ao aproveitamento das águas)

O proprietário que, ao explorar águas subterrâneas, altere ou faça diminuir as águas de fonte ou reservatório destinado a uso público é obrigado a repor as coisas no estado anterior; não sendo isso possível, deve fornecer, para o mesmo uso, em local apropriado, água equivalente àquela de que o público ficou privado.

ARTIGO 1397.º

(águas originàriamente públicas)

As águas referidas nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo 1386.º são inseparáveis dos prédios a que se destinam, e o direito sobre elas caduca, revertendo as águas ao domínio público, se forem abandonadas, ou não se fizer delas um uso proveitoso correspondente ao fim a que eram destinadas ou para que foram concedidas.

SECÇÃO III — Condomínio das águas

ARTIGO 1398.º

(Despesas de conservação)

1. Pertencendo a água a dois ou mais co-utentes, todos devem contribuir para as despesas necessárias ao conveniente aproveitamento dela, na proporção do seu uso, podendo para esse fim executar-se as obras necessárias e fazer-se os trabalhos de pesquisa indispensáveis, quando se reconheça haver perda ou diminuição de volume ou caudal.

2. O co-utente não pude eximir-se do encargo, renunciando ao seu direito em benefício dos outros co-utentes, contra a vontade destes.

ARTIGO 1399.º

(Divisão de águas)

A divisão das águas comuns, quando deva realizar-se, é feita, no silêncio do título, em proporção da superfície, necessidades e natureza da cultura dos terrenos a regar, podendo repartir-se o caudal ou o tempo da sua utilização como mais convier ao seu bom aproveitamento.

ARTIGO 1400.º

(Costumes na divisão de águas)

1. As águas fruídas em comum que, por costume seguido há mais de vinte anos, estiverem divididas ou subordinadas a um regime estável e normal de distribuição continuam a ser aproveitadas por essa forma, sem nova divisão.

2. A obrigatoriedade do costume impõe-se também aos co-utentes que não sejam donos da água, sem prejuízo dos direitos do proprietário, que pode a todo o tempo desviá-la ou reivindicá-la, se estiver a ser aproveitada por quem não tem nem adquiriu direito a ela.

ARTIGO 1401.º

(Costumes abolidos)

1. Consideram-se abolidos no aproveitamento das águas o costume de as utilizar pelo sistema de torna-torna ou outros semelhantes, mediante os quais a água pertença ao primeiro ocupante, sem outra norma de distribuição que não seja o arbítrio; as águas que assim tenham sido utilizadas consideram-se indivisas para todos os efeitos.

2. Consideram-se igualmente abolidos os costumes de romper ou esvaziar os açudes e diques construídos superiormente, distraindo deles água para ser utilizada em prédios ou engenhos inferiormente situados que não têm direito ao aproveitamento; se existir direito ao aproveitamento, consideram-se as águas indivisas.

ARTIGO 1402.º

(Interpretação dos títulos)

Sempre que dos títulos não resulte outro sentido, entende-se por uso contínuo o de todos os instantes; por uso diário, o de vinte e quatro horas a contar da meia-noite; por uso diurno ou nocturno, o que medeia entre o nascer e o pôr do Sol ou vice-versa; por uso semanal, o que principia ao meio-dia de domingo e termina à mesma hora em igual dia da semana seguinte; por uso estival, o que começa em 1 de Abril e termina em 1 de Outubro seguinte; por uso hibernal, o que corresponde aos outros meses do ano.

CAPÍTULO V — Compropriedade

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1403.º

(Noção)

1. Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultâneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.

2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.

ARTIGO 1404.º

(Aplicação das regras da compropriedade a outras formas de comunhão)

As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles.

ARTIGO 1405.º

(Posição dos comproprietários)

1. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes.

2. Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.

SECÇÃO II — Direitos e encargos do comproprietário

ARTIGO 1406.º

(Uso da coisa comum)

1. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.

ARTIGO 1407.º

(Administração da coisa)

1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985.º; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.

2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.

3. Os actos realizados pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa.

ARTIGO 1408.º

(Disposição e oneração da quota)

1. O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum.

2. A disposição ou oneração de parte especificada sem consentimento dos consortes é havida como disposição ou oneração de coisa alheia.

3. A disposição da quota está sujeita à forma exigida para a disposição da coisa.

ARTIGO 1409.º

(Direito de preferência)

1. O comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes.

2. É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações convenientes, o disposto nos artigos 416.º a 418.º

3. Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas.

ARTIGO 1410.º

(Acção de preferência)

1 — O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção.

2 — O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção.

ARTIGO 1411.º

(Benfeitorias necessárias)

1. Os comproprietários devem contribuir, em proporção das respectivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo renunciando ao seu direito.

2. A renúncia, porém, não é válida sem o consentimento dos restantes consortes, quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada pelo interessado, e é revogável sempre que as despesas previstas não venham a realizar-se.

3. A renúncia do comproprietário está sujeita à forma prescrita para a doação e aproveita a todos os consortes, na proporção das respectivas quotas.

ARTIGO 1412.º

(Direito de exigir a divisão)

1. Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.

2. O prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção.

3. A cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser registada para tal efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis ou a coisas móveis sujeitas a registo.

ARTIGO 1413.º

(Processo da divisão)

1. A divisão é feita amigàvelmente ou nos termos da lei de processo.

2. A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa.

CAPÍTULO VI — Propriedade horizontal

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1414.º

(Princípio geral)

As fracções de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal.

ARTIGO 1415.º

(Objecto)

Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para, uma parte comum do prédio ou para a via pública.

ARTIGO 1416.º

(Falta de requisitos legais)

1. A falta de requisitos legalmente exigidos importa a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal e a sujeição do prédio ao regime da compropriedade, pela atribuição a cada consorte da quota que lhe tiver sido fixada nos termos do artigo 1418.º ou, na falta de fixação, da quota correspondente ao valor relativo da sua fracção.

2. Têm legitimidade para arguir a nulidade do título os condóminos, e também o Ministério Público sobre participação da entidade pública a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções.

SECÇÃO II — Constituição

ARTIGO 1417.º

(Princípio geral)

1 — A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.

2 — A constituição da propriedade horizontal por decisão judicial pode ter lugar a requerimento de qualquer consorte, desde que no caso se verifiquem os requisitos exigidos pelo artigo 1415.º

ARTIGO 1418.º

Conteúdo do título constitutivo

1 — No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.

2 — Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente:

a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum;

b) Regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas;

c) Previsão do compromisso arbitral para a resolução dos litígios emergentes da relação de condomínio.

3 — A falta da especificação exigida pelo n.º 1 e a não coincidência entre o fim referido na alínea a) do n.º 2 e o que foi fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente determinam a nulidade do título constitutivo.

ARTIGO 1419.º

(Modificação do título)

1 — Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 1422.º-A e do disposto em lei especial, o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou por documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos.

2 — O administrador, em representação do condomínio, pode outorgar a escritura ou elaborar e subscrever o documento particular a que se refere o número anterior, desde que o acordo conste de acta assinada por todos os condóminos.

3 — A inobservância do disposto no artigo 1415.º importa a nulidade do acordo; esta nulidade pode ser declarada a requerimento das pessoas e entidades designadas no n.º 2 do artigo 1416.º

SECÇÃO III — Direitos e encargos dos condóminos

ARTIGO 1420.º

(Direitos dos condóminos)

1. Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.

2. O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.

ARTIGO 1421.º

(Partes comuns do prédio)

1 — São comuns as seguintes partes do edifício:

a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio;

b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção;

c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos;

d) As instalações gerais de água, electricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.

2 — Presumem-se ainda comuns:

a) Os pátios e jardins anexos ao edifício:

b) Os ascensores;

c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro;

d) As garagens e outros lugares de estacionamento;

e) Em geral, as coisas que não sejam afectadas, ao uso exclusivo de um dos condóminos.

3 — O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.

ARTIGO 1422.º

(Limitações ao exercício dos direitos)

1 — Os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis.

2 — É especialmente vedado aos condóminos:

a) Prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício;

b) Destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes;

c) Dar-lhe uso diverso do fim a que e destinada;

d) Praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição.

3 — As obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

4 — Sempre que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada fracção autónoma, a alteração ao seu uso carece da autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.

Artigo 1422.º-A

Junção e divisão de fracções autónomas

1 — Não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas.

2 — Para efeitos do disposto do número anterior, a contiguidade das fracções é dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens.

3 — Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição.

4 — Sem prejuízo do disposto em lei especial, nos casos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por acto unilateral constante de escritura pública ou de documento particular autenticado, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.

5 — A escritura pública ou o documento particular a que se refere o número anterior devem ser comunicados ao administrador no prazo de 10 dias.

ARTIGO 1423.º

(Direitos de preferência e de divisão)

Os condóminos não gozam do direito de preferência na alienação de fracções nem do direito de pedir a divisão das partes comuns.

ARTIGO 1424.º

(Encargos de conservação e fruição)

1 — Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.

2 — Porém, as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respectiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.

3 — As despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.

4 — Nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.

5 — Nas despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.

ARTIGO 1425.º

(Inovações)

1 — Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

2 — Havendo pelo menos oito frações autónomas, dependem da aprovação por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, as seguintes inovações:

a) Colocação de ascensores;

b) Instalação de gás canalizado.

3 — No caso de um dos membros do respetivo agregado familiar ser uma pessoa com mobilidade condicionada, qualquer condómino pode, mediante prévia comunicação nesse sentido ao administrador e observando as normas técnicas de acessibilidade previstas em legislação específica, efetuar as seguintes inovações:

a) Colocação de rampas de acesso;

b) Colocação de plataformas elevatórias, quando não exista ascensor com porta e cabina de dimensões que permitam a sua utilização por uma pessoa em cadeira de rodas.

4 — As inovações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser levantadas pelos condóminos que as tenham efetuado ou que tenham pago a parte que lhes compete nas despesas de execução e manutenção da obra, desde que:

a) O possam fazer sem detrimento do edifício; e

b) Exista acordo entre eles.

5 — Quando as inovações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 não possam ser levantadas, o condómino terá direito a receber o respetivo valor, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.

6 — A intenção de efetuar as inovações previstas no n.º 3 ou o seu levantamento deve ser comunicada ao administrador com 15 dias de antecedência.

7 — Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

ARTIGO 1426.º

(Encargos com as inovações)

1 — As despesas com as inovações ficam a Cargo dos condóminos nos termos fixados pelo artigo 1424.º

2 — Os condóminos que não tenham aprovado a inovação são obrigados a concorrer para as respectivas despesas, salvo se a recusa for judicialmente havida como fundada.

3 — Considera-se sempre fundada a recusa, quando as obras tenham natureza voluptuária ou não sejam proporcionadas à importância do edifício.

4 — O condómino cuja recusa seja havida como fundada pode a todo o tempo participar nas vantagens da inovação, mediante o pagamento da quota correspondente às despesas de execução e manutenção da obra.

5 — Qualquer condómino pode a todo o tempo participar nas vantagens da colocação de plataformas elevatórias, efetuada nos termos do n.º 3 do artigo anterior, mediante o pagamento da parte que lhe compete nas despesas de execução e manutenção da obra.

ARTIGO 1427.º

(Reparações indispensáveis e urgentes)

As reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício podem ser levadas a efeito, na falta ou impedimento do administrador, por iniciativa de qualquer condómino.

ARTIGO 1428.º

(Destruição do edifício)

1. No caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a assembleia vier a designar.

2. Se a destruição atingir uma parte menor, pode a assembleia deliberar, pela maioria do número dos condóminos e do capital investido no edifício, a reconstrução deste.

3. Os condóminos que não queiram participar nas despesas da reconstrução podem ser obrigados a alienar os seus direitos a outros condóminos, segundo o valor entre eles acordado ou fixado judicialmente.

4. É permitido ao alienante escolher o condómino ou condóminos a quem a transmissão deve ser feita.

ARTIGO 1429.º

(Seguro obrigatório)

1 — É obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do edifício, quer quanto às fracções autónomas, quer relativamente às partes comuns.

2 — O seguro deve ser celebrado pelos condóminos; o administrador deve, no entanto, efectuá-lo quando os condóminos o não hajam feito dentro do prazo e pelo valor que, para o efeito, tenha sido fixado em assembleia; nesse caso, ficará com o direito de reaver deles o respectivo prémio.

SECÇÃO IV — Administração das partes comuns do edifício

Artigo 1429.º-A

Regulamento do condomínio

1 — Havendo mais de quatro condóminos e caso não faça parte do título constitutivo, deve ser elaborado um regulamento do condomínio disciplinando o uso, a fruição e a conservação das partes comuns.

2 — Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 1418.º, a feitura do regulamento compete à assembleia de condóminos ou ao administrador, se aquela o não houver elaborado.

ARTIGO 1430.º

(órgãos administrativos)

1. A administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.

2. Cada condómino tem na assembleia tantos votos quantas as unidades inteiras que couberem na percen tagem ou permilagem a que o artigo 1418.º se refere.

ARTIGO 1431.º

(Assembleia dos condóminos)

1. A assembleia reúne-se na primeira quinzena de Janeiro mediante convocação do administrador, para discussão e aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efectuar durante o ano.

2. A assembleia também reunirá quando for convocada pelo administrador, ou por condóminos que representem, pelo menos, vinte e cinco por cento do capital investido.

3. Os condóminos podem fazer-se representar por procurador.

ARTIGO 1432.º

(Convocação e funcionamento da assembleia)

1 — A assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos.

2 — A convocatória deve indicar o dia, hora, local e ordem de trabalhos da reunião e informar sobre os assuntos cujas deliberações só podem ser aprovadas por unanimidade dos votos.

3 — As deliberações são tornadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.

4 — Se não comparecer o número de condóminos suficiente para se obter vencimento e na convocatória não tiver sido desde logo fixada outra data, considera-se convocada nova reunião para uma semana depois, na mesma hora e local, podendo neste caso a assembleia deliberar por maioria de votos dos condóminos presentes, desde que estes representem, pelo menos, um quarto do valor total do prédio.

5 — As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.

6 — As deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.

7 — Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.

8 — O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do n.º 6.

9 — Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante.

ARTIGO 1433.º

(Impugnação das deliberações)

1 — As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que os não tenha aprovado.

2 — No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.

3 — No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.

4 — O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.

5 —Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.

6 — A representação judiciaria dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.

ARTIGO 1434.º

(Compromisso arbitral)

1. A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.

2. O montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta porte do rendimento colectável anual da fracção do infractor.

ARTIGO 1435.º

(Administrador)

1 — O administrador é eleito e exonerado pela assembleia.

2 — Se a assembleia não eleger administrador, será este nomeado pelo tribunal a requerimento de qualquer dos condóminos.

3 — O administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligencia no exercício das suas funções.

4 — O cargo de administrador é remunerável e tanto pode ser desempenhado por um dos condóminos como por terceiro; o período de funções é, salvo disposição em contrário, de um ano, renovável.

5 — O administrador mantém-se em funcões até que seja eleito ou nomeado o seu sucessor.

Artigo 1435.º-A

Administrador provisório

1 — Se a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido, salvo se outro condómino houver manifestado vontade de exercer o cargo e houver comunicado tal propósito aos demais condóminos.

2 — Quando, nos termos do número anterior, houver mais de um condómino em igualdade de circunstâncias, as funções recaem sobre aquele a que corresponda a primeira letra na ordem alfabética utilizada na descrição das fracções constante do registo predial.

3 — Logo que seja eleito ou judicialmente nomeado um administrador, o condómino que nos termos do presente artigo se encontre provido na administração cessa funções, devendo entregar àquele todos os documentos respeitantes ao condomínio que estejam confiados à sua guarda.

ARTIGO 1436.º

(Funções do administrador)

São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

a) Convocar a assembleia dos condóminos;

b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;

c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;

d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;

e) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas;

f) Realizar os actos conservatórios dos direitos relative aos bens comuns;

g) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;

h) Executar as deliberações da assembleia;

i) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas.

j) Prestar contas à assembleia;

l) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;

m) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.

ARTIGO 1437.º

(Legitimidade do administrador)

1. O administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiro, na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia.

2. O administrador pode também ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.

3. Exceptuam-se as acções relativas a questões de propriedade ou posse dos bens comuns, salvo se a assembleia atribuir para o efeito poderes especiais ao administrador.

ARTIGO 1438.º

(Recurso dos actos do administrador)

Dos netos do administrador cabe recurso para a assembleia, a qual pode neste caso ser convocada pelo condómino recorrente.

Artigo 1438.º-A

Propriedade horizontal de conjuntos de edifícios

O regime previsto neste capítulo pode ser aplicado, com as necessárias adaptações, a conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem.

TÍTULO III — Do usufruto, uso e habitação

CAPÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 1439.º

(Noção)

Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.

ARTIGO 1440.º

(Constituição)

O usufruto pode ser constituído por contrato, testamento, usucapião ou disposição da lei.

ARTIGO 1441.º

(Usufruto simultâneo e sucessivo)

O usufruto pode ser constituído em favor de uma ou mais pessoas, simultânea ou sucessivamente, contanto que existam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efectivo.

ARTIGO 1442.º

(Direito de acrescer)

Salvo estipulação em contrário, o usufruto constituído por contrato ou testamento em favor de várias pessoas conjuntamente só se consolida com a propriedade por morte da última que sobreviver.

ARTIGO 1443.º

(Duração)

Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o usufruto não pode exceder a vida do usufruturário; sendo constituído a favor de uma pessoa colectiva, de direito público ou privado, a sua duração máxima é de trinta anos.

ARTIGO 1444.º

(Trespasse a terceiro)

1. O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito, definitiva ou temporàriamente, bem como onerá-lo, salvas as restrições impostas pelo título constitutivo ou pela lei.

2. O usufrutuário responde pelos danos que as coisas padecerem por culpa da pessoa que o substituir.

ARTIGO 1445.º

(Direitos e obrigações do usufrutuário)

Os direitos e obrigações do usufrutuário são regulados pelo título constitutivo do usufruto; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes.

CAPÍTULO II — Direitos do usufrutuário

ARTIGO 1446.º

(Uso, fruição e administração da coisa ou do direito)

O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico.

ARTIGO 1447.º

(Indemnização do usufrutuário)

O usufrutuário, ao começar o usufruto, não é obrigado a abonar ao proprietário despesa alguma feita; mas, findo o usufruto, o proprietário é obrigado a indemnizar aquele das despesas de cultura, sementes ou matérias-primas e, de um modo geral, de todas as despesas de produção feitas pelo usufrutuário, até ao valor dos frutos que vierem a ser colhidos.

ARTIGO 1448.º

(Alienação dos frutos antes da colheita)

Se o usufrutuário tiver alienado frutos antes da colheita e o usufruto se extinguir antes que sejam colhidos, a alienação subsiste, mas o produto dela pertence ao proprietário, deduzida a indemnização a que o artigo anterior se refere.

ARTIGO 1449.º

(Âmbito do usufruto)

O usufruto abrange as coisas acrescidas e todos os direitos inerentes à coisa usufruída.

ARTIGO 1450.º

(Benfeitorias úteis e voluptuárias)

1. O usufrutuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer, contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico.

2. É aplicável ao usufrutuário, quanto a benfeitorias úteis e voluptuárias, o que neste código se prescreve relativamente ao possuidor de boa fé.

ARTIGO 1451.º

(Usufruto de coisas consumíveis)

1. Quando o usufruto tiver por objecto coisas consumíveis, pode o usufrutuário servir-se delas ou aliená-las, mas é obrigado a restituir o seu valor, findo o usufruto, no caso de as coisas terem sido estimadas; se o não foram, a restituição será feita pela entrega de outras do mesmo género, qualidade ou quantidade, ou do valor destas na conjuntura em que findar o usufruto.

2. O usufruto de coisas consumíveis não importa transferência da propriedade para o usufrutuário.

ARTIGO 1452.º

(Usufruto de coisas deterioráveis)

1. Se o usufruto abranger coisas que, não sendo consumíveis, são, todavia, susceptíveis de se deteriorarem pelo uso, não é o usufrutuário obrigado a mais do que restituí-las no fim do usufruto como se encontrarem, a não ser que tenham sido deterioradas por uso diverso daquele que lhes era próprio ou por culpa do usufrutuário.

2. Se as não apresentar, o usufrutuário responde pelo valor que as coisas tinham na conjuntura em que começou o usufruto, salvo se provar que perderam todo o seu valor em uso legítimo.

ARTIGO 1453.º

(Perecimento natural de árvores e arbustos)

1. Ao usufrutuário de árvores ou arbustos é lícito aproveitar-se das que forem perecendo naturalmente.

2. Tratando-se, porém, de árvores ou arbustos frutíferos, o usufrutuário é obrigado a plantar tantos pés quantos os que perecerem naturalmente, ou a substituir esta cultura por outra igualmente útil para o proprietário, se for impossível ou prejudicial a renovação de plantas do mesmo género.

ARTIGO 1454.º

(Perecimento acidental de árvores e arbustos)

1. As árvores ou arbustos que caiam ou sejam arrancados ou quebrados por acidente pertencem ao proprietário, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo seguinte quando se trate de matas ou árvores de corte.

2. O usufrutuário pode, todavia, aplicar essas árvores e arbustos às reparações que seja obrigado a fazer, ou exigir que o proprietário as retire, desocupando o terreno.

ARTIGO 1455.º

(Usufruto de matas e árvores de corte)

1. O usufrutuário de matas ou quaisquer árvores isoladas que se destinem à produção de madeira ou lenha deve observar, nos cortes, a ordem e as praxes usadas pelo proprietário ou, na sua falta, o uso da terra.

2. Se, em consequência de ciclone, incêndio, requisição do Estado ou outras causas análogas, vier a ser prejudicada consideràvelmente a fruição normal do usufrutuário, deve o proprietário compensá-lo até ao limite dos juros da quantia correspondente ao valor das árvores mortas, ou até ao limite dos juros da importância recebida.

ARTIGO 1456.º

(Usufruto de plantas de viveiro)

O usufrutuário de plantas de viveiro é obrigado a conformar-se, no arranque das plantas, com a ordem e praxes do proprietário ou, na sua falta, com o uso da terra, tanto pelo que toca ao tempo e modo do arranque como pelo que respeita ao tempo e modo de retanchar o viveiro.

ARTIGO 1457.º

(Exploração de minas)

1. O usufrutuário de concessão mineira deve conformar-se, na exploração das minas, com as praxes seguidas pelo respectivo titular.

2. O usufrutuário de terrenos onde existam explorações mineiras tem direito às quantias devidas ao proprietário do solo, quer a título de renda, quer por qualquer outro título, em proporção do tempo que durar o usufruto.

ARTIGO 1458.º

(Exploração de pedreiras)

1. O usufrutuário não pode abrir de novo pedreiras sem consentimento do proprietário; mas, se elas já estiverem em exploração ao começar o usufruto, tem o usufrutuário a faculdade de explorá-las, conformando-se com as praxes observadas pelo proprietário.

2. A proibição não inibe o usufrutuário de extrair pedra do solo para reparações ou obras a que seja obrigado.

ARTIGO 1459.º

(Exploração de águas)

1. O usufrutuário pode, em benefício do prédio usfruído, procurar águas subterrâneas por meio de poços, minas ou outras escavações.

2. As benfeitorias a que o número anterior se refere ficam sujeitas ao que neste código se dispõe quanto ao possuidor de boa fé.

ARTIGO 1460.º

(Constituição de servidões)

1. Relativamente à constituição de servidões activas, o usufrutuário goza dos mesmos direitos do proprietário, mas não lhe é lícito constituir encargos que ultrapassem a duração do usufruto.

2. O proprietário não pode constituir servidões sem consentimento do usufrutuário, desde que delas resulte diminuição do valor do usufruto.

ARTIGO 1461.º

(Tesouros)

Se o usufrutuário descobrir na coisa usufruída algum tesouro, observar-se-ão as disposições deste código acerca dos que acham tesouros em propriedade alheia.

ARTIGO 1482.º

(Usufruto sobre universalidades de animais)

1. Se o usufruto for constituído numa universalidade de animais, é o usufrutuário obrigado a substituir com as crias novas as cabeças que, por qualquer motivo, vierem a faltar.

2. Se os animais se perderem, na totalidade ou em parte, por caso fortuito, sem produzirem outros que os substituam, o usufrutuário é tão-sòmente obrigado a entregar as cabeças restantes.

3. Neste caso, porém, o usufrutuário é responsável pelos despojos dos animais, quando de tais despojos se tenha aproveitado.

ARTIGO 1463.º

(Usufruto de rendas vitalícias)

O usufrutuário de rendas vitalícias tem direito a perceber as prestações correspondentes à duração do usufruto, sem ser obrigado a qualquer restituição.

ARTIGO 1464.º

(Usufruto de capitais postos a juro)

1. O usufrutuário de capitais postos a juro ou a qualquer outro interesse, ou investidos em títulos de crédito, tem o direito de perceber os frutos correspondentes à duração do usufruto.

2. Não é lícito levantar ou investir capitais sem o acordo dos dois titulares; no caso de divergência, pode ser judicialmente suprido o consentimento, quer do proprietário, quer do usufrutuário.

ARTIGO 1485.º

(Usufruto constituído sobre dinheiro

e usufruto de capitais levantados)

1. Se o usufruto tiver por objecto certa quantia, e bem assim quando no decurso do usufruto sejam levantados capitais nos termos do artigo anterior, tem o usufrutuário a faculdade de administrar esses valores como bem lhe parecer, desde que preste a devida caução; neste caso, corre por sua conta o risco da perda da soma usufruída.

2. Se o usufrutuário não quiser usar desta faculdade, é aplicável o disposto no o.º 2 do artigo anterior.

ARTIGO 1466.º

(Prémios e outras utilidades aleatórias)

O usufrutuário de títulos de crédito tem direito à fruição dos prémios ou outras utilidades aleatórias produzidas pelo título.

ARTIGO 1467.º

(Usufruto de títulos de participação)

1. O usufrutuário de acções ou de partes sociais tem direito:

a) Aos lucros distribuídos correspondentes ao tempo de duração do usufruto;

b) A votar nas assembleias gerais, salvo quando se trate de deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade;

c) A usufruir os valores que, no acto de liquidação da sociedade ou da quota, caibam à parte social sobre que incide o usufruto.

2. Nas deliberações que importem alteração dos estatutos ou dissolução da sociedade, o voto pertence conjuntamente ao usufrutuário e ao titular da raiz.

CAPÍTULO III — Obrigações do usufrutuário

ARTIGO 1468.º

(Relação de bens e caução)

Antes de tomar conta dos bens, o usufrutuário deve:

a) Relacioná-los, com citação ou assistência do proprietário, declarando o estado deles, bem como o valor dos móveis, se os houver;

b) Prestar caução, se esta lhe for exigida, tanto para a restituição dos bens ou do respectivo valor, sendo bens consumíveis, como para a reparação das deteriorações que venham a padecer por sua culpa, ou para o pagamento de qualquer outra indemnização que seja devida.

ARTIGO 1469.º

(Dispensa de caução)

A caução não é exigível do alienaste com reserva de usufruto e pode ser dispensada no título constitutivo do usufruto.

ARTIGO 1470.º

(Falta de caução)

1. Se o usufrutuário não prestar a caução devida, tem o proprietário a faculdade de exigir que os imóveis se arrendem ou ponham em administração, Que os móveis se vendam ou lhe sejam entregues, que os capitais, bem como a importância dos preços das vendas, se dêem a juros ou se empreguem em títulos de crédito nominativos, que os títulos ao portador se convertam em nominativos ou se depositem nas mãos de terceiro, ou que se adoptem outras medidas adequadas.

2. Não havendo acordo do usufrutuário quanto ao destino dos bens, decidirá o tribunal.

ARTIGO 1471.º

(Obras e melhoramentos)

1. O usufrutário é obrigado a consentir ao proprietário quaisquer obras ou melhoramentos de que seja susceptível a coisa usufruída, e também quaisquer novas plantações, se o usufruto recair em prédios rústicos, contento que dos actos do proprietário não resulte diminuição do valor do usufruto.

2. Das obras ou melhoramentos realizados tem o usufrutuário direito ao usufruto, sem ser obrigado a pagar juros das somas desembolsadas pelo proprietário ou qualquer outra indemnização; no caso, porém, de as obras ou melhoramentos aumentarem o rendimento líquido da coisa usufruída, o aumento pertence ao proprietário.

ARTIGO 1472.º

(Reparações ordinárias)

1. Estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração.

2. Não se consideram ordinárias as reparações que, no ano em que forem necessárias, excedam dois terços do rendimento líquido desse ano.

3. O usufrutuário pode eximir-se das reparações ou despesas a que é obrigado, renunciando ao usufruto.

ARTIGO 1473.º

(Reparações extraordinárias)

1. Quanto às reparações extraordinárias, só incumbe ao usufrutuário avisar em tempo o proprietário, para que este, querendo, as mande fazer; se, porém, elas se tiverem tornado necessárias por má administração do usufrutuário, é aplicável o disposto no artigo anterior.

2. Se o proprietário, depois de avisado, não fizer as reparações extraordinárias, e estas forem de utilidade real, pode o usufrutuário fazê-las a expensas suas e exigir a importância despendida, ou o pagamento do valor que tiverem no fim do usufruto, se este valor for inferior ao custo.

3. Se o proprietário fizer as reparações, observar-se-á o disposto no n.º 2 do artigo 1471.º

ARTIGO 1474.º

(Impostos e outros encargos anuais)

O pagamento dos impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento dos bens usufruídos incumbe a quem for titular do usufruto no momento do vencimento.

ARTIGO 1475.º

(Actos lesivos da parte de terceiros)

O usufrutuário é obrigado a avisar o proprietário de qualquer facto de terceiro, de que tenha notícia, sempre que ele possa lesar os direitos da proprietário; se o não fizer, responde pelos danos que este venha a sofrer.

CAPÍTULO IV — Extinção do usufruto

ARTIGO 1476.º

(Causas de extinção)

1. O usufruto extingue-se:

a) Por morte do usufrutuário, ou chegado o termo do prazo por que o direito foi conferido, quando não seja vitalício;

b) Pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa;

c) Pelo seu não exercício durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;

d) Pela perda total da coisa usufruída;

e) Pela renúncia.

2. A renúncia não requer aceitação do proprietário.

ARTIGO 1477.º

(Usufruto até certa idade de terceira pessoa)

O usufruto concedido a alguém até certa idade de terceira pessoa durará pelos anos prefixos, ainda que o ter-ceiro faleça antes da idade referida, excepto se o usufruto tiver sido concedido só em atenção é existência de tal pessoa.

ARTIGO 1478.º

(Perda parcial e «rei mutatio»)

1. Se a coisa ou direito usufruído se perder só em parte, continua o usufruto na parte restante.

2. O disposto no número anterior é aplicável no caso de a coisa se transformar noutra que ainda tenha valor, embora com finalidade económica distinta.

ARTIGO 1479.º

(Destruição de edifícios)

1. Se o usufruto for constituído em algum prédio urbano e este for destruído por qualquer causa, tem o usufrutuário direito a desfrutar o solo e os materiais restantes.

2. O proprietário da raiz pode, porém, reconstruir o prédio, ocupando o solo e os materiais, desde que pague ao usufrutário, durante o usufruto, os juros correspondentes ao valor do mesmo solo e dos materiais.

3. As disposições dos números anteriores são igualmente aplicáveis, se o usufruto for constituído em algum prédio rústico de que faça parte o edifício destruído.

ARTIGO 1480.º

(Indemnizações)

1. Se a coisa ou direito usufruído se perder, deteriorar ou diminuir de valor, e o proprietário tiver direito a ser indemnizado, o usufruto passa a incidir sobre a indemnização.

2. O disposto no número antecedente é aplicável ir indemnização resultante de expropriação ou requisição da coisa ou direito, é indemnização devida por extinção do direito de superfície, ao preço da remição do foro e a outros casos análogos.

ARTIGO 1481.º

(Seguro da coisa destruída)

1. Se o usufrutuário tiver feito o seguro da coisa ou pago os prémios pelo seguro já feito, o usufruto transfere-se para a indemnização devida pelo segurador.

2. Tratando-se de um edifício, o proprietário pode reconstruí-lo, transferindo-se, neste caso, o usufruto para o novo edifício; se, porem, a soma despendida na reconstrução for superior à indemnização recebida, o direito do usufrutário será proporcional dr indemnização.

3. Sendo os prémios pagos pelo proprietário, a este pertence por inteiro a indemnização que for devida.

ARTIGO 1482.º

(Mau uso por parte do usufrutuário)

O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída; mas, se o abuso se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providencias previstas no artigo 1470.º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua administração lhe for arbitrado.

ARTIGO 1483.º

(Restituição da coisa)

Findo o usufruto, deve o usufrutuário restituir a coisa ao proprietário, sem prejuízo do disposto para as coisas consumíveis e salvo o direito de retenção nos casos em que possa ser invocado.

CAPÍTULO V — Uso e habitação

ARTIGO 1484.º

(Noção)

1. O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família.

2. Quando este direito se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação.

ARTIGO 1485.º

(Constituição, extinção e regime)

Os direitos de uso e de habitação constituem-se e extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto, sem prejuízo do disposto na alínea b) do artigo 1293.º, e são igualmente regulados pelo seu título constitutivo; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes.

ARTIGO 1486.º

(Fixação das necessidades pessoais)

As necessidades pessoais do usuário ou do morador usuário são fixadas segundo a sua condição social.

ARTIGO 1487.º

(Âmbito da família)

Na família do usuário ou do morador usuário compreendem-se apenas o cônjuge, não separado judicialmente de pessoas e bens, os filhos solteiros, outros parentes a quem sejam devidos alimentos e as pessoas que, convivendo com o respectivo titular, se encontrem ao seu serviço ou ao serviço das pessoas designadas.

ARTIGO 1488.º

(Intransmissibilidade do direito)

O usuário e o morador usuário não podem trespassar ou locar o seu direito, nem onerá-lo por qualquer modo.

ARTIGO 1489.º

(Obrigações inerentes ao uso e à habitação)

1. Se o usuário consumir todos os frutos do prédio ou ocupar todo o edifício, ficam a seu cargo as reparações ordinárias, as despesas de administração e os impostos e encargos anuais, como se fosse usufrutuário.

2. Se o usuário perceber só parte dos frutos ou ocupar só parte do edifício, contribuirá para as despesas mencionadas no número precedente em proporção da sua fruição.

ARTIGO 1490.º

(Aplicação das normas do usufruto)

São aplicados aos direitos de uso e de habitação as disposições que regulam o usufruto, quando conformes à natureza daqueles direitos.

TÍTULO IV — Da enfiteuse

CAPÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 1491.º

(Noção)

1. Tem o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse o desmembramento do direito de propriedade em dois domínios, denominados directo e útil.

2. O prédio sujeito ao regime enfitêutico pode ser rústico ou urbano e tem o nome de prazo.

3. Ao titular do domínio directo dá-se o nome de senhorio; ao titular do domínio útil, o de foreiro ou enfiteuta.

ARTIGO 1492.º

(Perpetuidade da enfiteuse)

1. A enfiteuse é de sua natureza perpétua, sem prejuízo do direito de remição, nos casos em que é admitido.

2. Os contratos que forem celebrados com o nome de emprazamento, aforamento ou enfiteuse, mas estipulados por tempo limitado, são tidos como arrendamentos.

ARTIGO 1493.º

(Indivisibilidade do prazo)

1. Os prazos não podem ser divididos por glebas, excepto se o senhorio, por forma autêntica, convier na divisão.

2. Sendo o prazo transmitido por morte do enfiteuta, deve ser encabeçado em um ou mais dos consortes, conforme acordarem entre si; na falta de acordo, será licitado entre eles e, se nenhum dos interessados o quiser, será vendido e repartir-se-á o preço.

3. Sendo o prazo dividido por glebas sem o consentimento do senhorio, são os enfiteutas solidariamente responsáveis pelo pagamento do foro, sem prejuízo do direito de anulação do respectivo acto.

4. Têm legitimidade para requerer a anulação o senhorio e os seus herdeiros, dentro de um ano a contar do conhecimento da divisão.

ARTIGO 1494.º

(Divisão do prazo com o consentimento do senhorio)

1. Consentindo o senhorio na divisão do prazo, cada gleba fica a constituir um prazo diverso, e o senhorio só pode exigir o foro respectivo de cada um dos enfiteutas, conforme a destrinça que for feita.

2. No caso de divisão do prazo, pode o foro que tocar a cada enfiteuta ser aumentado com o que o senhorio deva receber pelo incómodo da cobrança dividida.

ARTIGO 1495.º

(Indivisibilidade do domínio directo)

1. O domínio directo enfitêutico é igualmente indivisível, excepto se o enfiteuta, por forma autêntica, convier na divisão.

2. É aplicável ao domínio directo o disposto, quanto ao domínio útil, no n.º 2 do artigo 1493.º

3. O acto de divisão do domínio directo, efectuado sem consentimento do enfiteuta, é anulável a requerimento deste ou dos seus herdeiros, dentro de um ano a contar do conhecimento da divisão.

ARTIGO 1496.º

(Inadmissibilidade da subenfiteuse)

Não é admitida a subenfiteuse, sendo nulos os actos tendentes à sua constituição.

CAPÍTULO II — Constituição da enfiteuse

ARTIGO 1497.º

(Princípio geral)

A enfiteuse pode ser constituída por contrato, testamento ou usucapião.

ARTIGO 1498.º

(Constituição por usucapião)

A constituição da enfiteuse por usucapião pode ter lugar pela aquisição do domínio directo, pela aquisição do domínio útil, ou ainda pela aquisição simultânea de ambos os domínios por pessoas diferentes.

CAPÍTULO III — Direitos e encargos do senhorio e do enfiteuta

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1499.º

(Direitos do senhorio)

O senhorio tem direito:

a) A receber anualmente o foro, e a haver o triplo dos foros em dívida quando haja mora no cumprimento;

b) A alienar ou onerar o seu domínio por acto entre vivos ou por morte;

c) A preferir na venda ou dação em cumprimento do domínio útil, ficando graduado em último lugar entre os preferentes legais;

d) A suceder no domínio útil, na falta de herdeiro testamentário ou legítimo do enfiteuta, com exclusão do Estado.

e) A receber o prédio por devolução, no caso de deterioração.

ARTIGO 1500.º

(Direitos extraordinários ou casuais)

Não é permitido aos interessados convencionar direito algum extraordinário ou casual, a título de lutuosa, laudémio ou qualquer outro.

ARTIGO 1501.º

(Direitos do enfiteuta)

O enfiteuta tem direito:

a) A usar e fruir o prédio como coisa sua;

b) A constituir ou extinguir servidões ou o direito de superfície;

c) A alienar ou onerar o seu domínio por acto entre vivos ou por morte;

d) A preferir na venda ou dação em cumprimento do domínio directo, ficando graduado em último lugar entre os preferentes legais;

e) A obter a redução do foro ou a encampar o prazo;

f) A remir o foro.

SECÇÃO II — Pagamento do foro

ARTIGO 1502.º

(Fixação do foro)

1. 1 espécie e quantidade do foro são as fixadas no respectivo título, devendo ser certas e determinadas.

2. Se o emprazamento for de prédio urbano ou de chão para edificar, o foro é sempre a dinheiro.

ARTIGO 1503.º

(Foros em moeda específica)

Tendo-se estipulado que o pagamento do foro seja feito, no todo ou em parte, em moeda específica, observar-se-á o disposto nos artigos 552.º e seguintes.

ARTIGO 1504.º

(Foros em géneros)

1. O foro em géneros que não for pago no devido prazo pode ser exigido judicialmente em dinheiro, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 1499.º

2. O valor dos géneros é calculado pela tarifa camarária da situação do prédio, quando não haja preço legal.

ARTIGO 1505.º

(Tempo e lugar do pagamento)

1. O foro é pago no lugar e no tempo convencionados.

2. Não havendo convenção sobre o lugar do pagamento, o foro é pago na residência do senhorio, se este morar no concelho da situação do prédio ou no da residência do enfiteuta; em qualquer outro caso, o foro é pago na residência do enfiteuta, a não ser que o senhorio tenha quem o represente em algum dos concelhos referidos.

3. Não havendo convenção sobre o tempo do pagamento, o foro, se consistir em frutos, é pago no fim da respectiva colheita; em qualquer outro caso, é pago no fim de cada ano, contado desde a data da constituição da enfiteuse, ou, se a data não for conhecida, na forma costumada.

ARTIGO 1506.º

(Solidariedade dos senhorios e dos enfiteutas)

Sendo dois ou mais os senhorios ou os enfiteutas do mesmo prazo, é aplicável ao pagamento do foro o regime das obrigações solidárias, enquanto durar a comunhão.

SECÇÃO III — Outros direitos e encargos

ARTIGO 1507.º

(Direito de preferência)

1. Aos direitos de preferência conferidos nos artigos 1499.º e 1501.º é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º

2. Abrangendo o prazo diversos prédios, não podem os senhorios preferir rins e rejeitar outros, nem os enfiteutas adquirir apenas uma parte do domínio directo.

3. Sendo dois ou mais os preferentes, com igual direito, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

ARTIGO 1508.º

(Direito à devolução)

1. O direito à devolução só pode ser exercido pelo senhorio se o enfiteuta deteriorar o prédio, de modo que o valor deste não seja equivalente ao do capital correspondente ao foro e mais um quinto, salvo se o enfiteuta se dispuser à remição do foro.

2. No caso de devolução, não é devida pelo senhorio qualquer indemnização.

ARTIGO 1509.º

(Redução do foro ou encampação do prazo)

1. Se, por caso fortuito, o prédio enfitêutico se deteriorar ou inutilizar só em parte, de modo que o seu valor actual fique sendo inferior ao que era na época do emprazamento, pode o foreiro exigir, dentro do prazo de um ano, que o senhorio lhe reduza o foro, ou encampar o prazo quando este se oponha à redução.

2. O direito de redução ou de encampação não existe quando se trate de deterioração ou inutilização devida a cansas cobertas pelo seguro.

ARTIGO 1510.º

(Garantia do pagamento do foro)

Na caso previsto no n.º 2 do artigo anterior, se o valor do terreno for inferior ao do capital correspondente ao foro e mais um quinto, pode o senhorio exigir caução ao pagamento do foro e, no caso de esta não ser prestada ou o prédio não ser reconstruído ou reparado dentro do prazo de três anos, a remição do foro.

ARTIGO 1511.º

(Remição do foro)

1. O direito à remição do foro é conferido ao enfiteuta, quando o emprazamento tiver mais de quarenta anos de duração.

2. O direito de remição não é renunciável, mas é licito elevar até sessenta anos o prazo dentro do qual não é possível exercê-lo.

ARTIGO 1512.º

(Preço da remição)

1. O preço da remição é igual a vinte foros.

2. Se o foro consistir em géneros, o preço da remição é pago em dinheiro, atendendo-se ao valor médio dos géneros nos últimos três anos, calculado nos termos do n.º 2 do artigo 1504.º

3. Devendo o foro ser pago, no todo ou em parte, em moeda específica, o preço da remição será igualmente pago em dinheiro, atendendo-se ao valor médio da prestação nos últimos três anos.

CAPÍTULO IV — Extinção da enfiteuse

ARTIGO 1513.º

(Casos de extinção)

A enfiteuse extingue-se:

a) Pela confusão na mesma pessoa dos domínios directo e útil;

b) Pela destruição ou inutilização total do prédio;

c) Pela expropriação por utilidade pública;

d) Pela falta de pagamento do foro durante vinte anos.

ARTIGO 1514.º

(Expropriação por utilidade pública)

Do montante total da indemnização pela expropriação por utilidade pública do prazo, cabe ao senhorio o correspondente ao preço da remição do foro e o restante ao enfiteuta.

ARTIGO 1515.º

(Extinção pela falta de pagamento do foro)

À extinção da enfiteuse pela falta de pagamento do foro são aplicáveis as regras da prescrição.

CAPÍTULO V — Disposições transitórias

ARTIGO 1516.º

(Actualização dos foros em dinheiro)

Nos foros que, no todo ou em parte, sejam fixados em dinheiro, moeda corrente, metal sonante ou prata, a prestação ou a parte da prestação convencionada será multiplicada por vinte, se o foro for anterior a 1 de Janeiro de 1921, e por dois, se for posterior a esta data e anterior a 1 de Janeiro de 1941.

ARTIGO 1517.º

(Laudémio)

1. O laudémio relativo aos emprazamentos ou subemprazamentos anteriores a 22 de Março de 1868 é substituído, independentemente de nova convenção ou notificação, por uma prestação anual em dinheiro correspondente à vigésima parte do seu valor à data da entrada em vigor deste código; a prestação é integrada no foro e como tal considerada para todos os efeitos legais.

2. O valor do laudémio para efeitos do número anterior é calculado deduzindo-se do valor do prédio a importância correspondente a vinte prestações anuais e dividindo-se o resto pela taxa mais um.

3. A taxa é de quarentena, quando por outro modo se não ache determinada, no respectivo título.

ARTIGO 1518.º

(Censos de pretérito)

Os contratos de censo, quer seja consignativo, quer reservativo, celebrados anteriormente a este código, consideram-se como enfitêuticos e ficam sujeitos às disposições respectivas, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

ARTIGO 1519.º

(Censos consignativos temporários)

1. Os contratos de censo consignativo, quando celebrados por certo tempo, extinguem-se pelo decurso do prazo.

2. Os censuístas e os censuários não gozam, neste, caso, dos direitos de preferência, devolução, sucessão, redução e encampação.

ARTIGO 1520.º

(Prova da enfiteuse e do censo de pretérito)

Os contratos de enfiteuse ou de censo anteriores a 1 de Abril de 1867 podem ser provados por qualquer meio e produzem efeitos em relação a terceiros independentemente do registo.

ARTIGO 1521.º

(Cabecéis)

Nas divisões de prazos consentidas pelo senhorio, anteriormente a 22 de Março de 1868, com o encargo imposto e um dos enfiteutas, a título de cabecel, da cobrança dos foros correspondentes às glebas em que o prazo foi dividido e do seu pagamento ao senhorio, é mantido o encargo na forma convencionada ou na do costume, se estiver em efectivo exercício à data da publicação deste código.

ARTIGO 1522.º

(Subenfiteuse)

Aos contratos de subenfiteuse de pretérito são aplieáveis as disposições deste capítulo.

ARTIGO 1523.º

(Direito de preferência na subenfiteuse)

1. Quando algum prédio subenfitêutico for vendido ou dado em cumprimento, O direito de preferência pertence ao senhorio, e só cabe ao enfiteuta se o senhorio não quiser usar dele.

2. Quando for vendido ou dado em cumprimento o domínio directo, o direito de preferência pertence ao subenfiteuta, e só cabe ao enfiteuta se o subenfiteuta o não quiser exercer.

3. No caso de ser vendido ou dado em cumprimento o domínio enfitêutico, o direito de preferência pertence ao senhorio, e só cabe ao subenfiteuta quando o senhorio renunciar a ele.

TÍTULO V — Do direito de superfície

CAPÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 1524.º

(Noção)

O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporàriamente, uma obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.

ARTIGO 1525.º

(Objecto)

1 — Tendo por objecto a construção de uma obra, o direito de superfície pode abranger uma parte do solo não necessária à sua implantação, desde que ela tenha utilidade para o uso da obra.

2 — O direito de superfície pode ter por objecto a construção ou a manutenção de obra sob solo alheio.

ARTIGO 1526.º

(Direito de construir sobre edifício alheio)

O direito de construir sobre edifício alheio está sujeito às disposições deste título e às limitações impostas à constituição da propriedade horizontal; levantado o edifício, são aplicáveis as regras da propriedade horizontal, passando o construtor a ser condómino das partes referidas no artigo 1421.º

ARTIGO 1527.º

(Direito de superfície constituído pelo Estado

ou por pessoas colectivas públicas)

O direito de superfície constituído pelo Estado ou por pessoas colectivas públicas em terrenos do seu domínio privado fica sujeito a legislação especial e, subsidiàriamente, às disposições deste código.

CAPÍTULO II — Constituição do direito de superfície

ARTIGO 1528.º

(Princípio geral)

O direito de superfície pode ser constituído por contrato, testamento ou usucapião, e pode resultar da alienação de obra ou árvores já existentes, separadamente da propriedade do solo.

ARTIGO 1529.º

(Servidões)

1. A constituição do direito de superfície importa a constituição das servidões necessárias ao uso e fruição da obra ou das árvores; se no título não forem designados o local e as demais condições de exercício das servidões, serão fixados, na falta de acordo, pelo tribunal.

2. A constituição coerciva da servidão de passagem sobre prédio de terceiro só é possível se, à data da constituição do direito de superfície, já era encravado o prédio sobre que este direito recaía.

CAPÍTULO III — Direitos e encargos do superficiário e do proprietário

ARTIGO 1530.º

(Preço)

1. No acto de constituição do direito de superfície, pode convencionar-se, a título de preço, que o superficiário pague uma única prestação ou pague certa prestação anual, perpétua ou temporária.

2. O pagamento temporário de uma prestação anual é compatível com a constituição perpétua do direito de superfície.

3. As prestações são sempre em dinheiro.

ARTIGO 1531.º

(Pagamento das prestações anuais)

1. Ao pagamento das prestações anuais é aplicável o disposto nos artigos 1505.º e 1506.º, com as necessárias adaptações.

2. Havendo mora no cumprimento, o proprietário do solo tem o direito de exigir o triplo das prestações em dívida.

ARTIGO 1532.º

(Fruição do solo antes do início da obra)

Enquanto não se iniciar a construção da obra ou não se fizer a plantação das árvores, o uso e a fruição da superfície pertencem ao proprietário do solo, o qual, todavia, não pode impedir nem tornar mais onerosa a construção ou a plantação.

ARTIGO 1533.º

(Fruição do subsolo)

O uso e a fruição do subsolo pertencem ao proprietário; este é, porém, responsável pelo prejuízo causado ao superficiário em consequência da exploração que dele fizer.

ARTIGO 1534.º

(Transmissibilidade dos direitos)

O direito de superfície e o direito de propriedade do solo são transmissíveis por acto entre vivos ou por morte.

ARTIGO 1535.º

(Direito de preferência)

1. O proprietário do solo goza do direito de preferência, em último lugar, na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície: sendo, porem, enfitêutico o prédio incorporado no solo, prevalece o direito de preferência do proprietário.

2. É aplicável ao direito de preferência o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º

CAPÍTULO IV — Extinção do direito de superfície

ARTIGO 1536.º

(Casos de extinção)

1. O direito de superfície extingue-se:

a) Se o superficiário não concluir a obra ou não fizer a plantação dentro do prazo fixado ou, na falta de fixação, dentro do prazo de dez anos:

b) Se, destruída a obra ou as árvores, o superficiário não reconstruir a obra ou não renovar a plantação, dentro dos mesmos prazos a contar da destruição;

c) Pelo decurso do prazo, sendo constituído por certo tempo;

d) Pela reunião na mesma pessoa do direito de superfície e do direito de propriedade;

e) Pelo desaparecimento ou inutilização do solo;

f) Pela expropriação por utilidade pública.

2. No título constitutivo pode também estipular-se a extinção do direito de superfície em consequência da destruição da obra ou das árvores, ou da verificação de qualquer condição resolutiva.

3. À extinção do direito de superfície, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1, são aplicáveis as regras da prescrição.

ARTIGO 1537.º

(Falta de pagamento das prestações anuais)

1. A falta de pagamento das prestações anuais durante vinte anos extingue a obrigação de as pagar, mas o superficiário não adquire a propriedade do solo, salvo se houver usucapião em seu benefício.

2. À extinção da obrigação de pagamento das prestações são aplicáveis as regras da prescrição.

ARTIGO 1538.º

(Extinção pelo decurso do prazo)

1. Sendo o direito de superfície constituído por certo tempo, o proprietário do solo, logo que expire o prazo, adquire a propriedade da obra ou das árvores.

2. Salvo estipulação em contrário, o superficiário tem, nesse caso, direito a uma indemnização, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa.

3. Não havendo lugar à indemnização, o superficiário responde pelas deteriorações da obra ou das plantações, quando haja culpa da sua parte.

ARTIGO 1539.º

(Extinção de direitos reais

constituídos sobre o direito de superfície)

1. A extinção do direito de superfície pelo decurso do prazo fixado importa a extinção dos direitos reais de gozo ou de garantia constituídos pelo superficiário em benefício de terceiro.

2. Se, porém, o superficiário tiver, a receber alguma indemnização nos termos do artigo anterior, aqueles direitos transferem-se para a indemnização, conforme o disposto nos lugares respectivos.

ARTIGO 1540.º

(Direitos reais constituídos pelo proprietário)

Os direitos reais constituídos pelo proprietário sobre o solo estendem-se à obra e às árvores adquiridas nos termos do artigo 1538.º

ARTIGO 1541.º

(Permanência dos direitos reais)

Extinguindo-se o direito de superfície perpétuo, ou o temporário antes do decurso do prazo, os direitos reais constituídos sobre a superfície ou sobre o solo continuam a onerar separadamente as duas parcelas, como se não tivesse havido extinção, sem prejuízo da aplicação das disposições dos artigos anteriores logo que o prazo decorra.

ARTIGO 1542.º

(Extinção por expropriação)

Extinguindo-se o direito de superfície em consequência de expropriação por utilidade pública, cabe a cada um dos titulares a parte da indemnização que corresponder ao valor do respectivo direito.

TÍTULO VI — Das servidões prediais

CAPÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 1543.º

(Noção)

Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

ARTIGO 1544.º

(Conteúdo)

Podem ser objecto da servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor.

ARTIGO 1545.º

(Inseparabilidade das servidões)

1. Salvas as excepções previstas na, lei, as servidões não podem ser separadas dos prédios a que pertencem, activa ou passivamente.

2. A afectação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga.

ARTIGO 1546.º

(Indivisibilidade das servidões)

As servidões são indivisíveis: se o prédio serviente for dividido entre vários donos, cada porção fica sujeita parte da servidão que lhe cabia: se for dividido o prédio dominante, tem cada consorte o direito de usar da servidão sem alteração nem mudança.

CAPÍTULO II — Constituição das servidões

ARTIGO 1547.º

(Princípios gerais)

1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.

2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos.

ARTIGO 1548.º

(Constituição por usucapião)

1. As servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião.

2. Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e permanentes.

ARTIGO 1549.º

(Constituição por destinação do pai de família)

Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.

CAPÍTULO III — Servidões legais

SECÇÃO I — Servidões legais de passagem

ARTIGO 1550.º

(Servidão em benefício de prédio encravado)

1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.

2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio.

ARTIGO 1551.º

(Possibilidade de afastamento da servidão)

1. Os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terceiros adjacentes a prédios urbanos podem subtrair-se ao encargo de ceder passagem, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor.

2. Na falta de acordo, o preço é fixado judicialmente; sendo dois ou mais os proprietários interessados, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.

ARTIGO 1552.º

(Encrave voluntário)

1. O proprietário que, sem justo motivo, provocar encrave absoluto ou relativo do prédio só pode constituir a servidão mediante o pagamento de indemnização agravada.

2. A indemnização agravada é fixada, de harmonia com a culpa do proprietário, até ao dobro da que normalmente seria devida.

ARTIGO 1553.º

(Lugar da constituição da servidão)

A passagem deve ser concedida através do prédio ou prédios que sofram menor prejuízo, e pelo modo e lugar menos inconvenientes para os prédios onerados.

ARTIGO 1554.º

(Indemnização)

Pela constituição da servidão de passagem é devida a indemnização correspondente ao prejuízo sofrido.

ARTIGO 1555.º

(Direito de preferência na alienação do prédio encravado)

1. O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante.

2. É aplicável a este caso o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º

3. Sendo dois ou mais os preferentes, abrir-se-á entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante.

ARTIGO 1556.º

(Servidões de passagem para o aproveitamento de águas)

1. Quando para seus gastos domésticos os proprietários não tenham acesso às fontes, poços e reservatórios públicos destinados a esse uso, bem como às correntes de domínio público, podem ser constituídas servidões de passagem nos termos aplicáveis dos artigos anteriores.

2. Estas servidões só serão constituídas depois de se verificar que os proprietários que as reclamam não podem haver água suficiente de outra proveniência, sem excessivo incómodo ou dispêndio.

SECÇÃO II — Servidões legais de águas

ARTIGO 1557.º

(Aproveitamento de águas para gastos domésticos)

1. Quando não seja possível ao proprietário, sem excessivo incómodo ou dispêndio, obter água para seus gastos domésticos pela forma indicada no artigo anterior, os proprietários vizinhos podem ser compelidos a permitir, mediante indemnização, o aproveitamento das águas sobrantes das suas nascentes ou reservatórios, na medida do indispensável para aqueles gastos.

2. Estão isentos da servidão os prédios urbanos e os referidos no n.º 1 do artigo 1551.º

ARTIGO 1558.º

(Aproveitamento de águas para fins agrícolas)

1. O proprietário que não tiver nem puder obter, sem excessivo incómodo ou dispêndio, água suficiente para a irrigação do seu prédio, tem a faculdade de aproveitar águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o seu justo valor.

2. O disposto no número anterior não é aplicável ás águas provenientes de concessão nem faculta a exploração de águas subterrâneas em prédio alheio.

ARTIGO 1559.º

(Servidão legal de presa)

Os proprietários e os donos de estabelecimentos industriais, que tenham direito ao uso de águas particulares existentes em prédio alheio, podem fazer neste prédio as obras necessárias ao represamento e derivação da respectiva água, mediante o pagamento da indemnização correspondente ao prejuízo que causarem.

ARTIGO 1560.º

(Servidão legal de presa

para o aproveitamento de águas públicas)

1. A servidão de presa para o aproveitamento de águas públicas só pode ser imposta coercivamente nos casos seguintes:

a) Quando os proprietários, ou os donos de estabelecimentos industriais, sitos na margem de uma corrente não navegável nem flutuável, só possam aproveitar a água a que tenham direito fazendo presa, açude ou obra semelhante que vá travar no prédio fronteiro;

b) Quando a água tenha sido objecto de concessão.

No caso da alínea a) do número anterior e no de concessão de interesse privado, não estão sujeitas à servidão as casas de habitação, nem os quintais, jardins ou terreiros que lhes sejam contíguos; no caso de concessão de utilidade pública, estes prédios só estão sujeitos ao encargo se no respectivo processo administrativo se tiver provado a impossibilidade material ou económica de executar as obras sem a sua utilização.

2. No caso da alínea b) do n.º 1, a servidão considera-se constituída em consequência da concessão, mas a indemnização, na falta de acordo, é fixada pelo tribunal.

3. Se o proprietário do prédio fronteiro sujeito à servidão de travamento quiser utilizar a obra realizada, pode torná-la comum, provando que tem direito a aproveitar-se da água e pagando uma parte da despesa proporcional ao benefício que receber.

ARTIGO 1561.º

(Servidão legal de aqueduto)

1. Em proveito da agricultura ou da indústria, ou para gastos domésticos, a todos é permitido encanar, subterrâneamente ou a descoberto, as águas particulares a que tenham direito, através de prédios rústicos alheios, não sendo quintais, jardins ou terreiros contíguos a casas de habitação, mediante indemnização do prejuízo que da obra resulte para os ditos prédios; as quintas muradas so estão sujeitas ao encargo quando o aqueduto seja construído subterrân eamen te.

2. O proprietário do prédio serviente tem, a todo o tempo, o direito de ser também indemnizado do prejuízo que venha a resultar da infiltração ou erupção das águas ou da deterioração das obras feitas para a sua condução.

3. A natureza, direcção e forma do aqueduto serão as mais convenientes para o prédio dominante e as menos onerosas para o prédio serviente.

4. Se a água do aqueduto não for toda necessária ao seu proprietário, e o proprietário do prédio serviente quiser ter parte no excedente, ser-lhe-á concedida essa parte a todo o tempo, mediante prévia indemnização, e pagando ele, além disso, a quota proporcional á despesa feita com a sua condução até ao ponto donde pretende derivá-la.

ARTIGO 1562.º

(Servidão legal de aqueduto para o aproveitamento

de águas públicas)

1. Para o aproveitamento de águas públicas, a constituição forçada de servidão de aqueduto só é admitida no caso de haver concessão da água.

2. É aplicável a esta servidão o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 1560.º

ARTIGO 1563.º

(Servidão legal de escoamento)

1. A constituição forçada da servidão de escoamento é permitida, precedendo indemnização do prejuízo:

a) Quando, por obra do homem, e para fins agrícolas ou industriais, nasçam águas em algum prédio ou para ele sejam conduzidas de outro prédio;

b) Quando se pretenda dar direcção definida a águas que seguiam o seu curso natural;

c) Em relação às águas provenientes de gaivagem, canos falsos, valos, guarda-matos, alcorcas ou qualquer outro modo de enxugo de prédios;

d) Quando haja concessão de águas publicas, relativamente ás sobejas.

2. Aos proprietários onerados com a servidão de escoamento é aplicável o disposto no artigo 391.º

3. Na liquidação da indemnização será levado em conta o valor dos benefícios que para o prédio serviente advenham do uso da água, nos termos do número anterior; e, no caso da alínea b) do n.º 1, será atendido o prejuízo que já resultava do decurso natural das águas.

4. Só estão sujeitos à servidão da escoamento os prédios que podem ser onerados com a servidão legal de aqueduto.

CAPÍTULO IV — Exercício das servidões

ARTIGO 1564.º

(Modo de exercício)

As servidões são reguladas, no que respeita à sua extensão e exercício, pelo respectivo título; na insuficiência tio título, observar-se-á o disposto nos artigos seguintes.

ARTIGO 1565.º

(Extensão da servidão)

1. O direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso e conservação.

2. Em vaso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, entender-se-á constituída a servidão por forma a satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante, com o menor prejuízo para o prédio serviente.

ARTIGO 1566.º

(Obras no prédio serviente)

É lícito ao proprietário do prédio dominante fazer obras no prédio serviente, dentro dos poderes que lhe são conferidos no artigo anterior, desde que não torne mais onerosa a servidão.

2. As obras devem ser feitas no tempo e pela forma que sejam mais convenientes para o proprietário do prédio serviente.

ARTIGO 1567.º

(Encargo das obras)

1. As obras são feitas à custa do proprietário do prédio dominante, salvo se outro regime tiver sido convencionado.

2. Sendo diversos os predios dominantes, todos os proprietários são obrigados a contribuir, na proporção de parte que tiverem nas vantagens da servidão, para as despesas das obras; e só poderão eximir-se do encargo renunciando à servidão em proveito dos outros.

3. Se o proprietário do prédio serviente também auferir utilidades da servidão, é obrigado a contribuir pela forma estabelecida no inúmero anterior.

4. Se o proprietário do prédio serviente se houver obrigado a custear as obras, sé lhe será possível eximir-se desse encargo pela renúncia ao seu direito de propriedade em benefício do proprietário do prédio dominante, podendo a renúncia, no caso de a servidão onerar apenas uma parte do prédio, limitar-se a essa parte; recusando-se o proprietário do prédio dominante a aceitar a renúncia, não fica, por isso, dispensado de custear as obras.

ARTIGO 1568.º

(Mudança de servidão)

1. O proprietário do prédio serviente não pode estorvar o uso da servidão, mas pode, a todo o tempo, exigir a mudança dela para sítio diferente, do primitivamente assinado, ou para outro prédio, se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses do proprietário do prédio dominante, contanto que a faça à sua custa; com o consentimento de terceiro pode a servidão ser mudada para o prédio deste:

2. Al mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.

3. O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.

4. As faculdades conferidas neste artigo não são renunciáveis nem podem ser limitados por negócio jurídico.

CAPÍTULO V — Extinção das servidões

ARTIGO 1569.º

(Casos de extinção)

1. As servidões extinguem-se:

a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa;

b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo;

c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio;

d) Pela renúncia;

e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporàriamente.

2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante.

3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição; tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias.

4. As servidões referidas nos artigos 1557.º e 1558.º também podem ser remidas judicialmente, mostrando o proprietário do prédio serviente que pretende fazer da água um aproveitamento justificado; no que respeita à restituição da indemnização, é aplicável o disposto anteriormente, não podendo, todavia, a remição ser exigida antes de decorridos dez anos sobre a constituição da servidão.

5. A renúnicia a que se refere a alínea d) do n.º 1 não requer aceitação do proprietário do prédio serviente.

ARTIGO 1570.º

(Começo do prazo para a extinção pelo não uso)

1. O prazo para a extinção das servidões pelo não uso conta-se a partir do momento em que deixaram de ser usadas; tratando-se de servidões para cujo exercício não é necessário o facto do homem, o prazo corre desde a verificação de algum facto que impeça o seu exercício.

2. Nas servidões exercidas com intervalos de tempo, o prazo corre desde o dia em que poderiam exercer-se e não foi retomado o seu exercício.

3. Se o prédio dominante pertencer a vários proprietários, o uso que um deles fizer da servidão impede a extinção relativamente aos demais.

ARTIGO 1571.º

(Impossibilidade de exercício)

A impossibilidade de exercer a servidão não importa a sua extinção, enquanto não decorrer o prazo da alínea b) do n.º 1 do artigo 1569.º

ARTIGO 1572.º

(Exercício parcial)

A servidão não deixa de considerar-se exercida por inteiro, quando o proprietário do prédio dominante aproveite apenas uma parte das utilidades que lhe são inerentes.

ARTIGO 1573.º

(Exercício em época diversa)

O exercício da servidão em época diferente da fixada no título não impede a sua extinção pelo não uso, sem prejuízo da possibilidade de aquisição de uma nova servidão por usucapião.

ARTIGO 1574.º

(«Usucapio libertatis»)

1. A aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio só pode dar-se quando haja, por parte do proprietário do prédio serviente, oposição ao exercício da servidão.

2. O prazo para a usucapião só começa a contar-se desde a oposição.

ARTIGO 1575.º

(Servidões constituídas pelo usufrutuário ou enfiteuta)

As servidões activas adquiridas pelo usufrutário não se extinguem pela cessação do usufruto, como também se não extinguem pela devolução do prazo ao senhorio as servidões, activas ou passivas, constituídas pelo enfiteuta.

LIVRO IV — DIREITO DA FAMÍLIA

TÍTULO I — Disposições gerais

ARTIGO 1576.º

(Fontes das relações jurídicas familiares)

São fontes das relações jurídicas familiares o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção.

ARTIGO 1577.º

(Noção de casamento)

Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

ARTIGO 1578.º

(Noção de parentesco)

Parentesco é o vínculo que une duas pessoas, em consequência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um progenitor comum.

ARTIGO 1579.º

(Elementos do parentesco)

O parentesco determina-se pelas gerações que vinculam os parentes um ao outro: cada geração forma um grau, e a série dos graus constitui a linha de parentesco.

ARTIGO 1580.º

(Linhas de parentesco)

1. A linha diz-se recta, quando um dos parentes descende do outro; diz-se colateral, quando nenhum dos parentes descende do outro, mas ambos procedem de um progenitor comum.

2. A linha recta é descendente ou ascendente: descendente, quando se considera como partindo do ascendente para o que dele procede; ascendente, quando se considera como partindo deste para o progenitor.

ARTIGO 1581.º

(Cômputo dos graus)

1. Na linha recta há tantos graus quantas as pessoas que formam a linha de parentesco, excluindo o progenitor.

2. Na linha colateral os graus contam-se pela mesma forma, subindo por um dos ramos e descendo pelo outro, mas sem contar o progenitor comum.

ARTIGO 1582.º

(Limites do parentesco)

Salvo disposição da lei em contrário, os efeitos do parentesco produzem-se em qualquer grau na linha recta e até ao sexto grau na colateral.

ARTIGO 1583.º
revogado
ARTIGO 1584.º

(Noção de afinidade)

Afinidade é o vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro.

ARTIGO 1585.º

(Elementos e cessação da afinidade)

A afinidade determina-se pelos mesmos graus e linhas que definem o parentesco e não cessa pela dissolução do casamento por morte.

ARTIGO 1586.º

(Noção de adopção)

Adopção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços do sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973.º e seguintes.

TÍTULO II — Do casamento

CAPÍTULO I — Modalidades do casamento

ARTIGO 1587.º

(Casamentos católico e civil)

1. O casamento é católico ou civil.

2. A lei civil reconhece valor e eficácia de casamento ao matrimónio católico nos termos das disposições seguintes.

ARTIGO 1588.º

(Efeitos do casamento católico)

O casamento católico rege-se, quanto aos efeitos civis, pelas normas comuns deste código, salvo disposição em contrário.

ARTIGO 1589.º

(Dualidade de casamentos)

1 — O casamento católico contraído por pessoas já ligadas entre si por casamento civil não dissolvido é averbado ao assento, independentemente do processo preliminar de casamento.

2 — Não é permitido o casamento civil de duas pessoas unidas por matrimónio católico anterior.

ARTIGO 1590.º

(Casamentos urgentes)

O casamento urgente que for celebrado sem a presença de ministro da Igreja Católica ou de funcionário do registo civil é havido por católico ou civil segundo a inten ção das partes, manifestada expressamente ou deduzida das formalidades adoptadas, das crenças dos nubentes ou de quaisquer outros elementos.

CAPÍTULO II — Promessa de casamento

ARTIGO 1591.º

(Ineficácia da promessa)

O contrato pelo qual, a título de esponsais, desposórios ou qualquer outro, duas pessoas se comprometem a contrair matrimónio não dá direito a exigir a celebração do casamento, nem a reclamar, na falta de cumprimento, outras indemnizações que não sejam as previstas no artigo 1594.º, mesmo quando resultantes de cláusula penal.

ARTIGO 1592.º

(Restituições, nos casos de incapacidade e de retractação)

1. No caso de o casamento deixar de celebrar-se por incapacidade ou retractação de algum dos promitentes, cada um deles é obrigado a restituir os donativos que o outro ou terceiro lhe tenha feito em virtude da promessa e na expectativa do casamento, segundo os termos prescritos para a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico.

2. A obrigação de restituir abrange as cartas e retratos pessoais do outro contraente, mas não as coisas que hajam sido consumidas antes da retractação ou da verificação da incapacidade.

ARTIGO 1593.º

(Restituições no caso de morte)

1. Se o casamento não se efectuar em razão da morte de algum dos promitentes, o promitente sobrevivo pode conservar os donativos do falecido, mas, nesse caso, perderá o direito de exigir os que, por sua parte, lhe tenha feito.

2. O mesmo promitente pode reter a correspondência e os retratos pessoais do falecido e exigir a restituição dos que este haja recebido da sua parte.

ARTIGO 1594.º

(Indemnizações)

1. Se algum dos contraentes romper a promessa sem justo motivo ou, por culpa sua, der lugar a que o outro se retracte, deve indemnizar o esposado inocente, bem como os pais deste ou terceiros que tenham agido em nome dos pais, quer das despesas feitas, quer das obrigações contraídas na previsão do casamento.

2. Igual indemnização é devida, quando o casamento não se realize por motivo de incapacidade de algum dos contraentes, se ele ou os seus representantes houverem procedido com dolo.

3. A indemnização é fixada segundo o prudente arbítrio do tribunal, devendo atender-se, no seu cálculo, não só à medida em que as despesas e obrigações se mostrem razoáveis, perante as circunstâncias do caso e a condição dos contraentes, mas também às vantagens que, independentemente do casamento, umas e outras possam ainda proporcionar.

ARTIGO 1595.º

(Caducidade das acções)

O direito de exigir a restituição dos donativos ou a indemnização caduca no prazo de um ano, contado da data do rompimento da promessa ou da morte do promitente.

CAPÍTULO III — Pressupostos da celebração do casamento

SECÇÃO I — Casamento católico

ARTIGO 1596.º

(Capacidade civil)

O casamento católico só pode ser celebrado por quem tiver a capacidade matrimonial exigida na lei civil.

ARTIGO 1597.º

Processo preliminar de casamento

1 — A capacidade dos nubentes para contrair matrimónio é comprovada por meio do processo preliminar de casamento, organizado nas conservatórias a requerimento dos nubentes ou do pároco respectivo.

2 — O consentimento dos pais ou tutor, relativo ao nubente menor, pode ser prestado na presença de duas testemunhas perante o pároco, o qual levantará auto de ocorrência, assinando-o com todos os intervenientes.

ARTIGO 1598.º

(Certificado da capacidade matrimonial)

1 — Verificada no despacho final do processo preliminar de casamento a inexistência de impedimento à realização do casamento, o funcionário do registo civil extrai dele o certificado da capacidade matrimonial, que é remetido ao pároco e sem o qual o casamento não pode ser celebrado.

2 — Se, depois de expedido o certificado, o funcionário tiver conhecimento de algum impedimento, comunica-o imediatamente ao pároco, a fim de se sobrestar na celebração até ao julgamento respectivo.

ARTIGO 1599.º

Dispensa do processo preliminar de casamento

1 — O casamento in articulo mortis, na iminência de parto ou cuja celebração imediata seja expressamente autorizada pelo ordinário próprio, por grave motivo de ordem moral, pode celebrar-se independentemente do processo preliminar de casamento e de passagem do certificado previsto no artigo anterior.

2 — A dispensa do processo preliminar de casamento não altera as exigências da lei civil quanto à capacidade matrimonial dos nubentes, continuando estes sujeitos às sanções estabelecidas na mesma lei.

SECÇÃO II — Casamento civil

SUBSECÇÃO I — Impedimentos matrimoniais

ARTIGO 1600.º

(Regra geral)

Têm capacidade para contrair casamento todos aqueles em quem se não verifique algum dos impedimentos matrimoniais previstos na lei.

ARTIGO 1601.º

(Impedimentos dirimentes absolutos)

São impedimentos dirimentes, obstando ao casamento da pessoa a quem respeitam com qualquer outra:

a) A idade inferior a dezasseis anos;

b) A demência notória, mesmo durante os intervalos lúcidos, e a decisão de acompanhamento, quando a sentença respetiva assim o determine;

c) O casamento anterior não dissolvido, católico ou civil, ainda que o respectivo assento não tenha sido lavrado no registo do estado civil.

ARTIGO 1602.º

(Impedimentos dirimentes relativos)

São também dirimentes, obstando ao casamento entre si das pessoas a quem respeitam, os impedimentos seguintes:

a) O parentesco na linha recta;

b) A relação anterior de responsabilidades parentais;

c) O parentesco no segundo grau da linha colateral;

d) A afinidade na linha recta;

e) A condenação anterior de um dos nubentes, como autor ou cúmplice, por homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro.

ARTIGO 1603.º

(Prova da maternidade ou paternidade)

1 — A prova da maternidade ou paternidade para efeitos do disposto nas alíneas a), b) e c) do artigo anterior é sempre admitida no processo preliminar de casamento, mas o reconhecimento do parentesco, quer neste processo, quer na acção de declaração de nulidade ou anulação do casamento, não produz qualquer outro efeito e não vale sequer como começo de prova em acção de investigação de maternidade ou paternidade.

2 — Fica salvo o recurso aos meios ordinários para o efeito de se fazer declarar a inexistência do impedimento em acção proposta contra as pessoas que teriam legitimidade para requerer a declaração de nulidade ou anulação do casamento, com base no impedimento reconhecido.

ARTIGO 1604.º

(Impedimentos impedientes)

São impedimentos impedientes, além de outros designados em leis especiais:

a) A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente menor, quando não suprida pelo conservador do registo civil;

b) O prazo internupcial;

c) O parentesco no terceiro grau da linha colateral;

d) O vínculo de tutela, acompanhamento de maior ou administração legal de bens;

e) (Revogada.)

f) A pronúncia do nubente pelo crime de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o cônjuge do outro, enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão passada em julgado.

ARTIGO 1605.º

(Prazo internupcial)

1. O impedimento do prazo internupcial obsta ao casamento daquele cujo matrimónio anterior foi dissolvido, declarado nulo ou anulado, enquanto não decorrerem sobre a dissolução, declaração de nulidade ou anulação, cento e oitenta ou trezentos dias, conforme se trate de homem ou mulher.

2. É, porém, lícito à mulher contrair novas núpcias passados cento e oitenta dias se obtiver declaração judicial de que não está grávida ou tiver tido algum filho depois da dissolução, declaração de nulidade ou anulação do casamento anterior; se os cônjuges estavam separados judicialmente de pessoas e bens e o casamento se dissolver por morte do marido, pode ainda a mulher celebrar segundo casamento decorridos cento e oitenta dias sobre a data em que transitou em julgado a sentença de separação, se obtiver declaração judicial de que não está grávida ou tiver tido algum filho depois daquela data.

3. Sendo o casamento católico declarado nulo ou dissolvido por dispensa, o prazo conta-se a partir do registo da decisão proferida pelas autoridades eclesiásticas; no caso de divórcio ou anu lação do casamento civil, o prazo conta-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença.

4. Cessa o impedimento do prazo internupcial se os prazos referidos nos números anteriores já tiverem decorrido desde a data, fixada na sentença de divórcio, em que findou a coabitação dos cônjuges ou, no caso de conversão da separação judicial de pessoas e bens em divórcio, desde a data em que transitou em julgado a sentença que decretou a separação.

5. O impedimento cessa ainda se o casamento se dissolver por morte de um dos cônjuges, estando estes separados judicialmente de pessoas e bens, quando já tenham decorrido, desde a data do trânsito em julgado da sentença, os prazos fixados nos números anteriores.

ARTIGO 1606.º
revogado
ARTIGO 1607.º
revogado
ARTIGO 1608.º

(Vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens)

O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens impede o casamento do incapaz com o tutor, curador ou administrador, ou seus parentes ou afins na linha recta, irmãos, cunhados ou sobrinhos, enquanto não tiver decorrido um ano sobre o termo da incapacidade e não estiverem aprovadas as respectivas contas, se houver lugar a elas.

ARTIGO 1609.º

(Dispensa)

1 — São susceptíveis de dispensa os impedimentos seguintes:

a) O parentesco no terceiro grau da linha colateral;

b) O vínculo de tutela, curatela ou administração legal de bens, se as respectivas contas estiverem já aprovadas;

c) (Revogada.)

2 — A dispensa compete ao conservador do registo civil, que a concederá quando haja motivos sérios que justifiquem a celebração do casamento.

3 — Se algum dos nubentes for menor, o conservador ouvirá, sempre que possível, os pais ou o tutor.

SUBSECÇÃO II — Processo preliminar de casamento

ARTIGO 1610.º

Necessidade e fim do processo preliminar de casamento

A celebração do casamento é precedida de um processo, regulado na lei do registo civil e destinado à verificação da inexistência de impedimentos.

ARTIGO 1611.º

(Declaração de impedimentos)

1 — Até ao momento da celebração do casamento, qualquer pessoa pode declarar os impedimentos de que tenha conhecimento.

2 — A declaração é obrigatória para o Ministério Público e para os funcionários do registo civil logo que tenham conhecimento do impedimento.

3 — Feita a declaração, o casamento só será celebrado se o impedimento cessar, for dispensado nos termos do artigo 1609.º ou for julgado improcedente por decisão judicial com trânsito em julgado.

ARTIGO 1612.º

(Autorização dos pais ou do tutor)

1 — A autorização para o casamento de menor de dezoito anos e maior de dezasseis deve ser concedida pelos progenitores que exerçam o poder paternal, ou pelo tutor.

2 — Pode o conservador do registo civil suprir a autorização a que se refere o número anterior se razões ponderosas justificarem a celebração do casamento e o menor tiver suficiente maturidade física e psíquica.

ARTIGO 1613.º

(Despacho final)

Findo o processo preliminar de casamento e os processos judiciais a que este der causa, cabe ao funcionário do registo civil proferir despacho final, no qual autoriza os nubentes a celebrar casamento ou manda arquivar o processo.

ARTIGO 1614.º

(Prazo para a celebração do casamento)

Autorizada a realização do casamento, este deve celebrar-se dentro dos seis meses seguintes.

CAPÍTULO IV — Celebração do casamento civil

SECÇÃO I — Disposições gerais

ARTIGO 1615.º

Publicidade e forma

A celebração do casamento é pública e está sujeita, segundo a vontade dos nubentes:

a) À forma fixada neste Código e nas leis do registo civil;

b) À forma religiosa, nos termos de legislação especial.

ARTIGO 1616.º

(Pessoas que devem intervir)

É indispensável para a celebração do casamento a presença:

a) Dos contraentes, ou de um deles e do procurador do outro;

b) Do funcionário do registo civil ou, nos casos de casamento civil sob forma religiosa, do ministro do culto, devidamente credenciado;

c) De duas testemunhas, nos casos em que é exigida por lei especial.

ARTIGO 1617.º

(Actualidade do mútuo consenso)

A vontade dos nubentes só é relevante quando manitestada no próprio acto da celebração do casamento.

ARTIGO 1618.º

(Aceitação dos efeitos do casamento)

1 A vontade de contrair casamento importa aceitação de todos os efeitos legais do matrimónio, sem prejuízo das legítimas estipulações dos esposos em convenção antenupcial.

2. Consideram-se não escritas as cláusulas pelas quais os nubentes, em convenção antenupcial, no momento da celebração do casamento ou em outro acto, pretendam modificar os efeitos do casamento, ou submetê-lo a condição, a termo ou à preexistência de algum facto.

ARTIGO 1619.º

(Carácter pessoal do mútuo consenso)

A vontade de contrair ,casamento é estritamente pessoal em relação a cada um dos nubentes.

ARTIGO 1620.º

(Casamento por procuração)

1. É lícito a um dos nubentes fazer-se representar por procurador na celebração do casamento.

2. A procuração deve conter poderes especiais para o acto, a designação expressa do outro nubente e a indicação da modalidade do casamento.

ARTIGO 1621.º

(Revogação e caducidade da procuração)

1 — Cessam todos os efeitos da procuração pela sua revogação, pela morte do constituinte ou do procurador ou pelo acompanhamento de qualquer deles, quando a sentença que o haja decretado assim o determine.

2 — O constituinte pode revogar a todo o tempo a procuração, mas é responsável pelo prejuízo que causar se, por culpa sua, o não fizer a tempo de evitar a celebração do casamento.

SECÇÃO II — Casamentos urgentes

ARTIGO 1622.º

(Celebração)

1 — Quando haja fundado receio de morte próxima de algum dos nubentes, ou iminência de parto, é permitida a celebração do casamento independentemente do respectivo processo preliminar e sem a intervenção do funcionário do registo civil.

2 — Do casamento urgente é redigida uma acta, nas condições previstas na lei do registo civil.

3. revogado

ARTIGO 1623.º

(Homologação do casamento)

1 — Lavrada a acta, o funcionário competente decide se o casamento deve ser homologado.

2 — Se não tiver já corrido, o processo preliminar de casamento é organizado oficiosamente e a decisão sobre a homologação é proferida no despacho final deste processo.

ARTIGO 1624.º

(Causas justificativas da não homologação)

1 — O casamento não pode ser homologado:

a) Se não se verificarem os requisitos exigidos por lei, ou não tiverem sido observadas as formalidades prescritas para a celebração do casamento urgente;

b) Se houver indícios sérios de serem supostos ou falsos esses requisitos ou formalidades;

c) Se existir algum impedimento dirimente;

d) Se o casamento tiver sido considerado como católico pelas autoridades eclesiásticas e, como tal, se encontrar transcrito.

2 — revogado

3 — Do despacho que recusar a homologação podem os cônjuges ou seus herdeiros, bem corno o Ministério Público, recorrer para o tribunal, a fim de ser declarada a validade do casamento.

CAPÍTULO V — Invalidade do casamento

SECÇÃO I — Casamento católico

ARTIGO 1625.º

(Competência dos tribunais eclesiásticos)

O conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e repartições eclesiásticas competentes.

ARTIGO 1626.º

Processo

1 — A decisão relativa à nulidade e à dispensa pontifícia do casamento rato e não consumado, tomada pela autoridade eclesiástica competente e verificada pelo órgão eclesiástico de controlo superior, é notificada às partes, produzindo efeitos civis, a requerimento de qualquer uma delas, após revisão e confirmação, nos termos da lei processual, pelo competente tribunal do Estado, que determina o seu averbamento no registo civil.

2 — O requerimento referido no número anterior pode ser apresentado à autoridade eclesiástica onde o processo canónico iniciou os seus termos, a qual, no prazo de 20 dias após o seu recebimento, o remete, por carta registada com aviso de recepção, ao tribunal indicado pela parte requerente, notificando em seguida esta, no prazo máximo de 10 dias, da devolução do aviso de recepção.

3 — Os tribunais eclesiásticos e as repartições eclesiásticas competentes podem requisitar aos tribunais judiciais a citação ou notificação das partes, peritos ou testemunhas, bem como diligências de carácter probatório ou de outra natureza, só podendo o pedido ser recusado caso se verifique algum dos fundamentos que, nos termos da lei processual, legitimam a recusa de cumprimento das cartas rogatórias.

SECÇÃO II — Casamento civil

SUBSECÇÃO I — Disposição geral

ARTIGO 1627.º

(Regra de validade)

É válido o casamento civil relativamente ao qual não se verifique alguma das causas de inexistência jurídica, ou de anulabilidade, especificadas na lei.

SUBSECÇÃO II — Inexistência do casamento

ARTIGO 1628.º

(Casamentos inexistentes)

É juridicamente inexistente:

a) O casamento celebrado perante quem não tinha competência funcional para o acto, salvo tratando-se de casamento urgente;

b) O casamento urgente que não tenha sido homologado;

c) O casamento em cuja celebração tenha faltado a declaração da vontade de um ou ambos os nubentes, ou do procurador de um deles;

d) O casamento contraído por intermédio de procurador, quando celebrado depois de terem cessado os efeitos da procuração, ou quando esta não tenha sido outorgada por quem nela figura como constituinte, ou quando seja nula por falta de concessão de poderes especiais para o acto ou de designação expressa do outro contraente:

e) revogado

ARTIGO 1629.º

(Funcionários de facto)

Não se considera, porém, juridicamente inexistente o casamento celebrado perante quem, sem ter competência funcional para o acto, exercia pùblicamente as correspondentes funções, salvo se ambos os nubentes, no momento da celebração, conheciam a falta daquela competência.

ARTIGO 1630.º

(Regime da inexistência)

1. O casamento juridicamente inexistente não produz qualquer efeito jurídico e nem sequer é havido como putativo.

2. À inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração judicial.

SUBSECÇÃO III — Anulabilidade do casamento

DIVISÃO I — Disposições gerais
ARTIGO 1631.º

(Causas de anulabilidade)

É anulável o casamento:

a) Contraído com algum impedimento dirimente;

b) Celebrado, por parte de um ou de ambos os nubentes, com falta de vontade ou com a vontade viciada por erro ou coacção;

c) Celebrado sem a presença das testemunhas, quando exigida por lei.

ARTIGO 1632.º

(Necessidade da acção de anulação)

A anulabilidade do casamento não é invocável para nenhum efeito, judicial ou extrajudicial, enquanto não for reconhecida por sentença em acção especialmente intentada para esse fim.

ARTIGO 1633.º

(Validação do casamento)

1 — Considera-se sanada a anulabilidade e válido o casamento desde o momento da celebração, se antes de transitar em julgado a sentença de anulação ocorrer algum dos seguintes factos:

a) Ser o casamento de menor não núbil confirmado por este, perante o funcionário do registo civil e duas testemunhas, depois de atingir a maioridade;

b) Ser o casamento confirmado pela pessoa que se encontrava na situação da alínea b) do artigo 1601.º, depois de este fazer verificar judicialmente a cessação das causas do impedimento;

c) Ser declarado nulo ou anulado o primeiro casamento do bígamo:

d) Ser a falta de testemunhas devida a circunstâncias atendíveis, como tais reconhecidas pelo conservador, desde que não haja dúvidas sobre a celebração do acto.

2 — Não é aplicável ao casamento o disposto no n.º 2 do artigo 287.º

DIVISÃO II — Falta ou vícios da vontade
ARTIGO 1634.º

(Presunção da vontade)

A declaração da vontade, no acto da celebração, constitui presunção não sé de que Os nubentes quiseram contrair o matrimónio, mas de que a sua vontade não está viciada por erro ou coacção.

ARTIGO 1635.º

(Anulabilidade por falta de vontade)

O casamento é anulável por falta de vontade:

a) Quando o nubente, no momento da celebração, não tinha a consciência do acto que praticava, por incapacidade acidental ou outra causa;

b) Quando o nubente estava em erro acerca da identidade física do outro contraente;

c) Quando a declaração da vontade tenha sido extorquida por coacção física;

d) Quando tenha sido simulado.

ARTIGO 1636.º

(Erro que vicia a vontade)

O erro que vicia a vontade só é relevante para efeitos de anulação quando recaia sobre qualidades essenciais da pessoa do outro cônjuge, seja desculpável e se mostre que sem ele, razoavelmente, o casamento não teria sido celebrado.

ARTIGO 1637.º
revogado
ARTIGO 1638.º

(Coacção moral)

1. É anulável o casamento celebrado sob coacção moral, contanto que seja grave o mal com que o nubente é ilicitamente ameaçado, e justificado o receio da sua consumação.

2. É equiparada à ameaça ilícita o facto de alguém, consciente e ilicitamente, extorquir ao nubente a declaração da vontade mediante a promessa de o libertar de um mal fortuito ou causado por outrem.

DIVISÃO III — Legitimidade
ARTIGO 1639.º

(Anulação fundada em impedimento dirimente)

1 — Têm legitimidade para intentar a acção de anulação fundada em impedimento dirimente, ou para prosseguir nela, os cônjuges, ou qualquer parente deles na linha recta ou até ao quarto grau da linha colateral, bem como os herdeiros e adoptantes dos cônjuges, e o Ministério Público.

2 — Além das pessoas mencionadas no número anterior, podem ainda intentar a ação, ou prosseguir nela, o tutor, o acompanhante com poderes para o efeito e o primeiro cônjuge do infrator, no caso de bigamia.

ARTIGO 1640.º

(Anulação fundada na falta de vontade)

1. A anulação por simulação pode ser requerida pelos próprios cônjuges ou por quaisquer pessoas prejudicadas com o casamento.

2. Nos restantes casos de falta de vontade, a acção de anulação só pode ser proposta pelo cônjuge cuja vontade faltou; mas podem prosseguir nela os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendência da causa.

ARTIGO 1641.º

(Anulação fundada em vícios da vontade)

A acção de anulação fundada em vícios da vontade só pode ser intentada pelo cônjuge que foi vítima do erro ou da coacção; mas podem prosseguir na acção os seus parentes, afins na linha recta, herdeiros ou adoptantes, se o autor falecer na pendência da causa.

ARTIGO 1642.º

(Anulação fundada na falta de testemunhas)

A acção de anulação por falta de testemunhas só pode ser proposta pelo Ministério Público.

DIVISÃO IV — Prazos
ARTIGO 1643.º

(Anulação fundada em impedimento dirimente)

1 — A ação de anulação fundada em impedimento dirimente deve ser instaurada:

a) Nos casos de menoridade, de demência notória ou de acompanhamento de maior judicialmente impeditivo, quando proposta pelo próprio incapaz, até seis meses depois de ter atingido a maioridade, de a incapacidade natural ter cessado ou de cessar ou ser revisto, nesse sentido, o acompanhamento; quando proposta por outra pessoa, dentro dos três anos seguintes à celebração do casamento, mas nunca depois da maioridade ou da cessação da incapacidade natural;

b) No caso de condenação por homicídio contra o cônjuge de um dos nubentes, no prazo de três anos a contar da celebração do casamento;

c) Nos outros casos, até seis meses depois da dissolução do casamento.

2 — O Ministério Público só pode propor a acção até à dissolução do casamento.

3 — Sem prejuízo do prazo fixado na alínea c) do n.º 1, a acção de anulação fundada na existência de casamento anterior não dissolvido não pode ser instaurada, nem prosseguir, enquanto estiver pendente acção de declaração de nulidade ou anulação do primeiro casamento do bígamo.

ARTIGO 1644.º

(Anulação fundada na falta de vontade)

A acção de anulação por falta de vontade de um ou ambos os nubentes só pode ser instaurada dentro dos três anos subsequentes à celebração do casamento ou, se este era ignorado do requerente, nos seis meses seguintes ao momento em que dele teve conhecimento.

ARTIGO 1645.º

(Anulação fundada em vícios da vontade)

A acção de anulação fundada em vícios da vontade caduca, se não for instaurada dentro dos seis meses subsequentes à cessação do vício.

ARTIGO 1646.º

(Anulação fundada na falta de testemunhas)

A acção de anulação por falta de testemunhas só pode ser intentada dentro do ano posterior à celebração do casamento.

CAPÍTULO VI — Casamento putativo

ARTIGO 1647.º

(Efeitos do casamento declarado nulo ou anulado)

1. O casamento civil anulado, quando contraído de boa fé por ambos os cônjuges, produz os seus efeitos em relação a estes e a terceiros até ao trânsito em julgado da respectiva sentença.

2. Se apenas um dos cônjuges o tiver contraído de boa fé, só esse cônjuge pode arrogar-se os benefícios do estado matrimonial e opô-los a terceiros, desde que, relativamente a estes, se trate de mero reflexo das relações havidas entre os cônjuges.

3. O casamento católico declarado nulo pelos tribunais e repartições eclesiásticas produz os seus efeitos, nos termos dos números anteriores, até ao averbamento da decisão, desde que esteja transcrito no registo civil.

ARTIGO 1648.º

(Boa fé)

1. Considera-se de boa fé o cônjuge que tiver contraído o casamento na ignorância desculpável do vício causador da nulidade ou anulabilidade, ou cuja declaração de vontade tenha sido extorquida por coacção física ou moral.

2. É da exclusiva competência dos tribunais do Estado o conhecimento judicial da boa fé.

3. A boa fé dos cônjuges presume-se.

CAPÍTULO VII — Sanções especiais

ARTIGO 1649.º

(Casamento de menores)

1. O menor que casar sem ter obtido autorização dos pais ou do tutor, ou o respectivo suprimento judicial, continua a ser considerado menor quanto à administração de bens que leve para o casal ou que posteriormente lhe advenham por título gratuito até à maioridade, mas dos rendimentos desses bens ser-lhe-ão arbitrados os alimentos necessários ao seu estado.

2. Os bens subtraídos à administração do menor são administrados pelos pais, tutor ou administrador legal, não podendo em caso algum ser entregues à administração do outro cônjuge durante a menoridade do seu consorte: além disso, não respondem, nem antes nem depois da dissolução do casamento, por dívidas contraídas por um ou ambos os cônjuges no mesmo período.

3. revogado

ARTIGO 1650.º

(Casamento com impedimento impediente)

1 — Aquele que contrair novo casamento sem respeitar o prazo internupcial perde todos os bens que tenha r